quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O jantar da semana

Uma vez por semana vou jantar com a minha irmã caçula.
Quando ela sai cedo do seu emprego. As duas apenas.
Vamos sempre ao mesmo restaurante.
Gostamos do síto, da comida, e das pessoas. O empregado é filho da Lourdes, da Avenida Brasil. Conheci-o bebé. Vi-o crescer. Hoje já é pai.E é uma pessoa de bem deste burgo onde vivemos.E a sua família é estimada. Deixaram de ser " retornados ", mas ele, que nem nasceu em África tem a alcunha de " preto " e não o é. É misto, mestiço, mulato, mas não é negro.O que também não interessa nada.
Para mim é o Alfredo, ou melhor, o filho da Lourdes, de Luanda, da Avenida Brasil, sobrinha da minha costureira, das batas, do liceu, e costureira de toda a roupa, da minha mãe.
O filho da Lourdes, o Alfredo, o empregado do restaurante, sempre que chegamos, cumprimenta-nos com dois beijos, pergunta pelo meu cunhado, quer saber notícias, pergunta-me pelos meninos e leva-nos a uma mesa que gostemos. Porque é importante o lugar que ocupamos numa sala de refeições. E como bom profissional ajuda na escolha, sugere, age como amigo.Mas também, como verdadeiro dono do espaço e da cozinha.
Arroz de tomate e pataniscas de bacalhau ainda há? Perguntei.
Para si, há.
Não é uma delícia, ser atendida deste jeito? Claro que para mim e para mais um batalhão de formandos da Escola Prática de Polícia, mas é uma delícia, na mesma, porque a gente finge que acredita que é cliente especial.
A minha caçula nao tinha apetite. Está constipada. Anda muito cansada. Por isso fui desafiá-la para que fôssemos desanuviar, antes de irmos para casa.Escolheu massada de tamboril. O filho da Lourdes aprovou. Nem se fala mais nisso, que as pataniscas são fritos que fazem mal, e a massada é mais saudável. Vai ver que gosta.
E estivemos ali conversando que é o que gostamos mais quando estamos juntas, só as duas. Pôr a conversa em dia. Sobre o que nos alegra e entristece, o que queremos e esperamos, o que sentimos. Rimos muito, sempre ou quase sempre.Rimos da vida e das partidas que ela nos tem pregado, de nós, dos outros...rimos para a vida e para os outros.Ousamos falar de coisas, que aposto, ninguém mais fala. Internar-nos-iam perante tanta loucura. Mas nós sabemos que temos que dosear o dia com essa loucura.
Como ela diz- Está tudo bem e ainda vai ficar melhor. Um dia de cada vez, e ainda assim é tão grande que não podemos jogar-lhe para cima todos os outros. Um de cada vez custa menos, leva-se melhor...
E quando o jantar termina, relàxamos, ficamos prontas para mais um dia.Ela vai para casa, para a dela e eu para a minha, mas despedimo-nos mais felizes e com vontade de voltarmos ali na semana seguinte.
Para a semana estou de férias e estarei longe daqui.O Alfredo desejou-me boa viagem. Vai contar à mãe que vou para Luanda. Deu-nos dois beijos e desta vez foi mais longe, e fez uma festa no meu ombro.De despedida.
Traga lá qualquer coisa.Trago, mas o quê? Quiabos, disse ele. Mas quiabos há cá, o meu irmão tem-nos na horta, lá da quintarola.
Enterneci-me com o Alfredo e a sua realidade. É um europeu a quem chamam Preto.E eu que sou branca, senti-me a branca mais negra que conheço e hei-de trazer-lhe kitaba e paracuca e doces de coco e de jinguba.E à minha caçula também.

3 comentários:

Apezinha disse...

Claro que gostei do jantar. Gosto sempre. Faz-me sempre tão bem!... hoje comeria as entradas, o prato e a sobremesa. Hoje recebi um beijo grande e um "tchau"... já não está constipado :-) na próxima 4ªF vou sentir mais saudades naquela hora... beijo

milu disse...

Olá apezinha, tem calma, pensa k qdo ela voltar matas as saudades dos kitutes da terra
jinhos

m.c.s. disse...

Oh minha irmã...finalmente comentaste.Também, foi preciso falar de ti né? Beijo grande para ele. Faz favor de lhe contares todas as minhas peripécias que eu sei que ele gosta de ouvir.Fica bem " mana " .Sabes? A " Táxinha " está feliz porque vai recarregar baterias para mais um ano.Beijo grande grande.

Amiga, estás muito confiante nos kitutes. Se não encontrarmos as kitandeiras da Baixa, não sei não.
Só se a tua " colaboradora " trouxer lá dos confins do musseque, a kitaba e o resto. Os doces de coco e jinguba da rua, das kitandeiras, é que são bons, mesmo com o risco da cólera.