sábado, 21 de novembro de 2009

Amiga, como é que estás?

O telemóvel tocou.
Eu estava sentada numa sala qualquer, neste caso, a 12, dos cinemas do Corte Inglês.
Preparada para assistir a um filme que esperava há algum tempo. Não desligara o telemóvel, ainda.
Vi o nome e apressei-me a atender.
Amiga, como é que estás?, disse-me.
A voz bonita, amiga, com um leve sotaque natural de pessoa de África, à mistura com um espanholês propositado, que nós quando juntas, somos bem divertidas.
Que saudades! Desde o Verão que não nos vemos. Que nos falamos ao telefone, mais duas ou três vezes apenas. Só por mail, comunicamos.
Porque ela se mudou de malas e bagagens para Madrid e deixou de ser a minha vizinha antiga, e a vizinha nova dos fins de semana, aqui ao lado, em Lisboa. Porque amiga, irmã, continuamos a ferro e fogo.
Para além de ser mãe galinha, é Mãe sempre, e as mães têm de ajudar, proteger, os seus filhos. A filha caçula mudou-se para ir estudar. Fazer Medicina. Já que neste país parece-me que mais do que bons médicos, o importante é serem pessoas sem vida, para além do estudo, porque as médias são tão dementes,tão irracionais, que no futuro teremos médicos loucos e desumanos, perfeitos robôs e não médicos que se humanizam e conhecem, por terem vivido, a realidade dos simples mortais.
A minha amiga queria saber de mim. Viajara de Madrid para Lisboa, de comboio, 10 horas. Estava extenuada. A culpa da viagem fora da Luna, uma cadelinha, linda e simpática e que me presenteia de pelos brancos, sobretudo quando visto de preto.A Luna é pesada e não pode viajar de avião.As condicionantes que os fiéis amigos do homem provocam neste.Eles a mandarem, sempre...
Mas e porque de amizade se trata, volto à minha amiga de há 50 anos.
Pois é!A intimidade própria de tanto tempo e tanta cumplicidade está sempre presente.
O que vais fazer amanhã? Estás sozinha? Os teus assuntos estão resolvidos? Vim a uma consulta, eles são uns c......, fizeram-me vir de longe e não avisaram que alteraram a consulta...Está tudo bem, os meninos também, o D.... está em França, os meus assuntos já estão quase resolvidos, vou para Luanda dia 1, amanhã temos de estar juntas...tenho saudades tuas.Pois é amiga, temos que estar juntas, vou dormir até tarde e depois telefono-te...
As nossas conversas. Que não são apenas isto. Os pormenores ficam connosco.A forma despreocupada, com a asneirola e as interjeições próprias de quem se conhece de sempre e é de África.O Amor que a Amizade cultiva. O tal amor, já o meu amigo Edgar diz, que nunca morre...
Podemos estar sem nos vermos desde o Verão, por motivo ou sem ele, neste caso, o motivo é o da distância, que não vou a Madrid por dá cá aquela palha. Aliás, só fui a Madrid duas vezes, a última há dois anos, por quatro dias. Mas quando estamos juntas é como se nunca nos tivéssemos afastado.
Logo mais vamos ver-nos. Moramos perto uma da outra. Vamos fazer uma festa, como faziamos com os baptizados da bonecas. Que ela era a costureira das fatiotas, e a minha madrinha e mãe dela, a cozinheira do arroz doce ( a propósito, anda a prometer o feijão de óleo de palma mas nunca mais lá fui reivindicá -lo )...
Já não somos crianças, porém sentimos as coisas com a mesma simplicidade, a mesma alegria e a mesma força de ontem e aposto tudo, a minha vida, em como, logo quando estivermos juntas, não haverá falta de coisa alguma, porque somos amigas e temos saudades. E estaremos à rédea solta para irmos por aí adiante...e o sotaque instalar-se-à naturalmente porque faz ricochete.E o calão também. E o kimbundo... amendoim passará a jinguba, malagueta a gindungo, morde a kuata, não há a malé, bolas a aka ou euê, baixinho a cambuta, mais novo a caçula, pequeno almoço a matabicho, criança a candengue, velho a kota e tantas outras. Um vocabulário próprio, para nós muito rico e próximo, que nos une mais e nos torna eternas cúmplices.
Há ainda códigos próprios, comuns, inesquecíveis, que transportamos desde a infância, desde o tempo em que saltava o muro para ir brincar para a casa dela, dias a fio sem querer saber do amanhã.Como chamarmos besugos aos parolos, Nené ao irmão dela, Gildinho, como chamarem Santiago ao meu pai, Paris de França ao meu tio Fernando ( que estivera em França )ou Zé Carramé ao meu irmão, etc, etc...
Logo mais, estaremos juntas, neste sábado dos meus encantos de sempre. O dia da comemoração, o dia das recordações. O sábado que me faz sempre sentir-me feliz e VIVA...
Salvé a Amizade também ao Sábado!

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