quinta-feira, 31 de outubro de 2013

os iluminados

Diz que querem alterar a lei e a partir de agora, por apartamento, a pessoa ou família, apenas poderá ter dois cães ou quatro gatos.
Fazem-se entrevistas, também de rua, a gente que não tem animais, que vive com animais, que sofre com os animais dos outros, que embirra com eles, que os detesta, que detesta vizinhos e os seus animais, que trata deles, que trabalha em canis, hospitais de animais, veterinários, dirigentes de associações protectoras de animais, legisladores. 
Faz-se a notícia. Espalha-se a mesma nos diversos órgãos de comunicação social. 
Gera-se a polémica. Dividem-se opiniões. 
Eu estou folgada. A Pitanga também. Se quiser ser irónica direi que somos duas gatas num apartamento, por isso há um certo equilíbrio nisto. Nada a declarar. Quero que vão ter um menino pela barriga das pernas, porque mesmo que me proibissem a Pitanga eu não obedeceria e compravam, comigo, uma verdadeira guerra felina, onde valeria tudo até tirar olhos.
Mas, vou deixar-me de conjecturas e muito a sério porque o assunto o é, darei a minha opinião sobre tudo isto, apenas porque tenho opinião e não por estar em situação de risco. 
Comigo está tudo bem. À parte moscas e mosquitos que não é culpa minha, não os quero alimentar e abrigar sabendo todos nós de quem é a culpa, pois que devia passar o carro da tifa todas as semanas no meu kimbo e noutros do país e nem sabem o que isso é, até porque estão mais preocupados com outras coisas que parece não nos dizem respeito, mas dizem e muito, deviam tratar o lixo de forma mais eficaz, limpar as matas, fechar pocilgas e outros espaços onde habitam animais a céu aberto e sem qualquer higiene. À parte tudo isto que é mau porque nos leva à farmácia para a compra de pomadas e de repelentes, à loja para a compra de insecticidas, enfim, tenho apenas um animal de estimação, o que para o código do animal de companhia, está perfeito.
Porque me coloco sempre no lugar do outro e vá, até me consigo colocar no lugar do animal, isto não custa nada, apenas é preciso os ter e conhecê-los para ser possível vestir a pele deles, vou dizer umas quantas coisas que a meu ver preciso de as dizer pois que está aqui alguma coisa entalada que tem de sair porque odeio andar engasgada.
Começo então por dizer que antes de mais vou falar de pessoas e de condições de habitabilidade. 
E claro vou ter de falar em minorias vivendo em casas minúsculas e sem quaisquer condições. Sabemos que este país recebe gente de vários continentes. E sabemos que vêm, no mais das vezes, trabalhar, no que os portugueses não querem e deixam para quem não se importa e precisa mais. E sabemos que os salários são miseráveis. Sabemos também que se juntam e alugam apartamentos chegando a viver aos 10, 12, 15 pessoas num espaço exíguo e apenas com uma casa de banho. Sabemos, eu sei, porque já fui vizinha ( sou ) de gente nestas circunstâncias, que quanto menos educados, letrados, menos adultos e fora da família, mais barulho fazem e a horas que não passa pela cabeça de ninguém que trabalha, que está integrado no meio e com as cinco oitavas no lugar. Mas, diariamente, em prédios normalíssimos, de apartamentos de família, acontecem estes comportamentos em casas onde vivem estas pessoas, estes grupos, nas condições já descritas. 
Gente a mais. Subindo e descendo, consumindo luz do condomínio, deixando a porta de entrada do prédio aberta e sujeita ao acesso de estranhos com tudo o que isso pode acarretar. 
Odores desagradáveis, fruto da falta de higiene. Escadas sujas de beatas, palitos, cascas de fruta. 
Roupa pingando nas cordas, para a roupa dos vizinhos de baixo, por vezes manchando-a. Toque das nossas campainhas a horas que não lembram ao diabo e que nos sobressaltam, acordam, apenas para entrarem no prédio e não nas nossas casas. 
Barulho; desde conversas em altos berros toda a noite e dia, a música, som de instrumentos musicais ultrapassando os decibéis suportáveis e por fim, discussões entre pessoas adultas, com palavras impróprias, violência física, choro de crianças às horas mias improváveis para adultos que precisam de descansar.
E porque não quero nem posso falar só de estrangeiros que vivem no país, há também as famílias numerosas, portuguesas, que, não me querendo repetir, digo apenas que vivem como aqueles que descrevi. Há grupos de estudantes universitários que a acrescentar aos comportamentos escusados e exagerados, têm o álcool e as drogas, que geram conflitos até entre eles. Há também famílias pequenas, pessoas que vivem sozinhas que têm comportamentos aberrantes. E há ainda gente que recebe pessoas em casa e as acoberta, completamente desconhecidas dos outros moradores, e que se comportam nas casas que as recebem de forma obscena e escandalosa para quem está e vive nos restantes apartamentos do prédio.
O que fazemos? Pouco mais que nada. Se a hora for avançada, suporta-se uma, duas vezes. À terceira hesita-se mas acaba-se telefonando para a polícia. Antes pensa-se nas represálias. Apanham-se depressões por insónias, inseguranças e sobressaltos que todos esses comportamentos, que não criamos e nos são alheios, provocam. E não fazemos mais nada. 
Ganhamos ódios de estimação, massacramos quem connosco vive, quem vive perto ou longe de nós, vitimizamo-nos falando destas vivências de vizinhança, amaldiçoamos as criaturas, mas...mais nada. 
E depois deste discurso ainda há quem ache que com animais é diferente? Porque são animais? Porque há quem não goste deles? 
Porque uma pessoa é uma pessoa, um animal é só isso, um animal?
Quem atira com estas propostas de lei cá para fora, tenha juizinho. 
É que não tem mais nada que fazer, está bom de ver. E com tanto desgoverno, o conselho, é, que se centre em pessoas. Pois que, pessoas bem tratadas, apoiadas e felizes, animais de companhia bem tratados, apoiados e felizes. 
Deixem-se de números. Ou seja deixem-se de tretas. E acabem com esse circo.
O país de tanga, maltratando-se, sendo maltratado e eis que de repente a preocupação é o número e a forma como animais de estimação vivem com os seus guardadores. 
Eh pá, tenham a santa paciência! 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

solitária, ou não?

Acordei num dia de sol maravilhoso.
Acordei uma hora mais cedo. Em casa.
Acordei numa manhã que me trará coisas boas. Chegadas. Viagens. Encontros.
Abraços e beijos. Sorrisos.
Acordei e esse acto de vida, devo merecê-lo. Tenho de o merecer. Por isso, acordar é a minha possibilidade de não fazer tudo igual. 
Mas para isso é preciso lucidez. 
A capacidade para perceber que nem sempre estou certa. 
Nem sempre sei . Nem sempre o que sei é o correcto. 
Nem sempre o mundo gira à minha volta. Quase nunca afinal. 
Nem sempre sou justa e tolerante.
Nem sempre ajudo ao meu crescimento. 
Nem sempre sei o significado da palavra compaixão. 
Nem sempre me enfrento ao espelho, olhos nos olhos e me reconheço pessoa que merece receber este sol maravilhoso, acordar numa manhã generosa de viagens e afectos. Sorrisos.
Nem sempre me amo...
Acordei reflectindo. Colocando-me na primeira pessoa destes verbos a conjugar, para ser, não um ser especial, mas apenas aquele que merece o ar que respira. O sol, que hoje é especialmente maravilhoso. Para mim...
Colocando-me nesse lugar de destaque para melhorar este acto de saber viver feliz e tranquila. De bem comigo e com os outros. 
De pazes feitas com os eus mais sombrios da minha existência. Não aponto dedos porque humana que sou, estaria apontando-os a mim também, excluída que não estou, de culpas. 
Acordei reflectindo. E quanto mais o faço, mais solitária me sinto...
Mudar arrogâncias é difícil. Substitui-las por humildade, por compaixão é uma pretensão sem sucesso.
Mudar mal intencionados ( há más pessoas ) que nunca se descobriram e desmascaram, é muito desgastante e complicado. Um fracasso.
Porque neutralizar a homofobia, a xenofobia, o racismo, é uma missão quase impossível, quando estão ao nosso lado, numa reunião de amigos, viajam no mesmo autocarro, ou metro, estão na nossa terra, no nosso emprego, na escola que frequentamos, têm o mesmo sangue que nós, são amigos, governam cidades, países, o mundo.
Acordei reflectindo. Na lucidez que me confere o reconhecimento de mim e a observação aos outros. 
E se o dia maravilhoso que hoje o universo me dá, é para mim uma bênção que questiono se a mereço, também a reflexão me causa o mau estar que cada vez mais vou tendo de me sentir solitária neste mundo a que pertenço, frequento, me é por vezes oferecido até generosamente e bem intencionado e onde os valores, as posições assumidas, as palavras fáceis e excessivamente repetitivas de críticas aos outros, aos seus modos de vida, às suas escolhas, à cor da pele, posição social, produzem o efeito de doença colectiva, cegueira e arrogância. 
Acordei para um dia de sol maravilhoso. Não o quero perder. Porque diariamente tento merecê-lo. Um dia, consigo. 
Quem me dera poder dizer-te, sim, não estou a falar para uma parede, espero, o que estou a fazer é a reflectir, a falar alto para me ouvir, no limite, para me fazer ouvir por ti, para que reflictas também, te encares e te questiones. E quem sabe, me sigas o exemplo sem que o que te digo pareça pretensão absurda, arrogância, ordem ou vaidade. Quem me dera conseguir esse crédito!
O mundo podia não ser melhor, mas eu não me sentiria tão isoladamente só, uma ilha. E tu serias seguramente um ser mais lúcido e responsável por ti. Quem me dera que fossemos uma multidão. De gente feliz e merecedora do sol maravilhoso que hoje se faz sentir...

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

dona Pitanga


Dona Pitanga é a minha companheira do dia-a-dia. 
Tem quatro anos, é siamesa e muito felina.
Mas à noite, quando chega a hora do descanso, tal como uma criança, que procura o colo da mãe, salta do sofá para os meus braços, aninha-se entre mim e o computador, enrola-se num novelo e dorme. Ou, simplesmente quer festas no pescoço, na cabeça. Quer ouvir-me a voz. Abana e ondula o rabo satisfeita, lambe-me os dedos e arrisca esticar a patinha almofadada de unhas recolhidas e retribuir com uma festa no meu rosto. A cada serão. A cada momento de sofá, de televisão ou computador.
Quando saio de casa vem comigo até à porta e fica a olhar-me como se tivesse pena de me ver sair. O que me parte o coração. Quando volto está lá. Miando do lado de dentro enquanto dou à chave. 
Se falo ao telefone ou no skype é possuída d' um ciúme profundo e tenta morder-me os pés, faz asneiras; chama a atenção de todas as formas e feitios. 
Não é agressiva com as pessoas que frequentam a casa, porém há escolhidos para os seus mimos. As minhas crias são as preferidas. 
Odeia andar de carro ou de comboio. Odeia a gateira porque a associará a viagens, a prisão, provavelmente. Quem a transporta, passa a ser um alvo. Há duas pessoas de quem foge assim que entram em casa. Esconde-se debaixo do sofá, das camas, em lugares pouco acessíveis, mesmo que essas pessoas não a queiram transportar. Foge também de mim se me vê mexer na gateira. 
Tem períodos de cio ( o caso agora ) dramáticos. Derruba tudo o que lhe apetece. Parte, estraga. Mia desenfreadamente. Roça-se por tudo quanto encontra pelo caminho. É uma tortura para ela e para mim, porque não é a minha Pitanga. Aquela que eu tenho comigo no resto dos dias. Transforma-se numa gata infeliz, assanhada, frustrada. De meter dó. 
Quando quero passar fora um fim de semana prolongado, uns dias de férias, é um sarilho. Porque, se por um lado me custa deixá-la, morro de saudades dela e de pena de a saber sozinha, por outro lado tenho dificuldade em arranjar quem cá venha a casa tratar dela. Já paguei a uma pessoa de fora. A quem entreguei a minha chave, em quem confiei. Já tive os meus filhos, o meu irmão a fazerem esse sacrifício para as suas vidas, para mim, esse favor. Mas é sempre factor determinante para as minhas escolhas de ausências de casa. 
Enfim, Dona Pitanga faz parte da minha vida. De uma forma muito activa. Muito importante. Imprescindível. 
É mais uma cria que tenho. Com uma diferença. Não cresce. É para sempre o bebé que precisa de mim. Que me faz muito bem. Que me mudou comportamentos. Que exigiu de mim rotinas agradáveis. Que me permitiu amar para além do amor...
Nunca imaginei sequer a possibilidade de colocar uma gata dentro de casa até que essa circunstância aconteceu. E ainda bem que aconteceu.
Não sei como teria sido a minha vida sem a sua presença, mas sei como passou a ser depois disso. E agradeço esta dádiva com muita gratidão. 
Ganhei a Pitanga depois duma perda, à época, muito dolorosa. Uma amiga pôs-me a Pitanga nas mãos, era ela bebezinha, mal comia. Para colmatar essa perda. E eu que inicialmente, quando me desenhava essa possibilidade, reagia mal, dizendo que não queria animais em casa, que aos fins de semana vinha para Lisboa e que não saberia tratar dum gato, quando recebi o telefonema dessa amiga dizendo, apareceu uma gatinha linda e meiguinha, no meu quintal, foi abandonada com certeza. Tenho-a aqui. Já tem dona. Vou levá-la aí. O primeiro sinal foi o do coração. Que disparou numa taquicardia incompreensível, completamente assustada, mas a recebê-la já. As palavras da chantagem resultaram. Abandonada, linda e meiguinha.
E assim, Dona Pitanga, entrou na minha vida. Até hoje. Para bem. Não tenho dúvidas nenhumas. Em troca, trato-a como uma princesa. Com todo o amor, dedicação e carinho. Como trato quem me ama e de mim precisa. Como trato quem amo. E eu amo esta gatinha linda e travessa, para lá do que não sei, como diz um herói, que faz parte da minha vida também.

o facebook

O facebook é pai e mãe de todos os virtuais.
É telefone. Carta. Notícia. Velocidade. 
Esquina de rua onde a gente espreita.
Cortina se abrindo. Voz chamando. Representando.
É palco. E bastidores. 
É tela. Clique. Música e palavra. Partilha.
Reconstrução.
O facebook é livro. Folha em branco. 
É estação. Flores e sol. Praia e férias.
Chuva, trovão. Neve.
O facebook é culpa, desculpa. Intromissão. 
É vício. É chamado de ladrão. 
Castigador e vilão. Patrão. 
Sarcástico. Humorista. Sabichão. Engatatão. 
O facebook é ponte. Cultura. Romance. Jogo. 
Habilidade. Vaidade. Ego, satisfação. 
Companhia. Distracção.
Mente e coração.
O facebook é um curtido. 
Sem sexo nem nacionalidade. Sem partido nem profissão. 
Preconceitos ou religião.
O facebook não é a minha vida.
Não é o meu desejo maior. A minha maior necessidade.
Tão pouco a maior verdade, mas está na minha vida. Como uma velha amiga.
Presente. Quase sempre.
Por isso numa palavra confesso que o facebook com todo o seu senão, é um grande amigão!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

a propósito de amizade

Quando estou junto d' um amigo, a minha alma relaxa, descansa, sorri e se entrega.
E a felicidade acontece.

Digo eu, porque sei.

m.c.s.

a saudade

Lá longe, aonde eu nasci, a vida vivia-se, saboreando-a devagar.
Naquele tempo, o dia tinha mais de vinte e quatro horas, a semana mais de sete dias, o mês mais de trinta e um e o ano era a perder de vista, de vida boa. 
O amor e a amizade eram sentimentos sagrados porém banais. Espalhados pelos lares, pelas ruas, pela família. Em cada esquina. 
Amando era a única forma d' a gente saber viver.
Estava no tempo de vida fácil. Amava porque era implícito, copiando e repetindo esse amor que via a cada dia, a cada gesto, a cada abraço e beijo. Em casa.
Que saudade desse tempo!
Nessa época, o pai que deixara a sua terra há muito, alimentava a saudade falando da sua infância. Da sua adolescência. Da sua aldeia. Dos seus pais e irmãos que deixara para trás. Dos campos e serras. Da horta. Das oliveiras e dos rebanhos de ovelhas e cabras. Dos fumeiros, dos folares, dos figos lampos e das cerejas. Das castanhas e das sardinhas. Das missas e das procissões. Das festas da Senhora de Jerusalém. Dos banhos no rio Sabor. Dos lobos e raposas. Da caça aos pássaros. Dos ninhos de cobras. Dos carros de bois. Das viagens à cidade grande. Das idas a cavalo num burro, para Espanha, negociar gado. 
Das peças de teatro, no Cruzeiro lá da terra, onde fora actor principal. Das serenatas à janela das raparigas, cantando cantigas de amor. 
E eu ouvia as histórias. Imaginava esse tempo e rejubilava. E não só me via lá nos lugares que não conhecia, como sentia saudade de algo que não vivera. Ainda.
Porque a vida era de amor e facilidade, aos domingos, rumava à praia para um dia maravilhoso de sol, ondas e banhos salgados. 
Diversão e companhia. Iguarias. E três horas esperando, depois delas, para fazer a digestão, que o pai não brincava e o medo de me perder era demais, por isso tão rigoroso. E eu obedecia. 
Sentava-me na areia, ao sol, na praia da Samba, em frente ao mar e olhava os barquinhos ao longe. E cortava a linha do horizonte com a força da ambição de avançar no tempo. E sonhava com a terra do pai. As pessoas do pai. Os teatros, as serenatas, a horta, os montes e serras e as ovelhas e pastores. As vinhas, as estevas, as fontes, a capela, os ribeiros e riachos. E sentia uma estranha sensação de saudade. D' um mundo desconhecido. Que nunca vivera. Que no íntimo queria muito conhecer. E amar. 
Foi entre histórias do passado, sonhos do presente e desejos do futuro que aprendi com o pai, esse sentimento universal. Uma palavra tão portuguesa. Intemporal. 
Por isso hoje sei que a saudade vem da perda de algo que a gente gosta e já viveu. Ou da ideia de que irá gostar e viver. Perdendo ou não...

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

os homens

Não gosto da expressão pouco imaginativa e sem graça " Os homens são todos iguais ". Ou " Daaaaaah homens! " ou ainda " Homens, está tudo dito ".
Menos ok? Nem tanto ao mar...
Acho injusto, que é que querem?! Recapitulo a minha história e encontro nela,homens fantásticos. A saber, o avô Carvalho, sô Santos, tio Augusto, mano Zé, o meu filho, para não falar daqueles ( alguns ) de quem recebi algo parecido com amor.
Hoje não é o dia do homem. Parece. Mas não. Tão pouco vem aí chumbo.
Há dias que uma mulher tem rasgos de consciência e pensa. 
Ontem calhou-me. Dei comigo a pensar nesta espécie com alguma tolerância.
Perante factos. A que me rendi. Portanto ressalvo que não estou a ser puxa-saco nem tão pouco me deu agora para o elogio. 
Poucas vezes distingo homens de mulheres. Mesmo caindo no lugar comum arrisco dizer, porque é verdade, que para mim, há pessoas. E mais nada. 
Claro que, se estou com os bicos da placa do fogão faiscando, sem que os tivesse acendido, entro em pânico e não me ocorre sair a correr de casa direita ao supermercado para pedir ajuda à Marta. Páro em frente ao Mário e digo-lhe que estou com um problema que por acaso sei descrever muito bem, como mulher que sou e decepciono-me quando ele me diz que não percebe nada do assunto, mas o cunhado ( homem portanto ) pode resolver-mo, ignorando qualquer aptidão da Cristina, sua cunhada e eu até acho pensando bem, com cara de quem desaparafusaria o forno para desligar o fio do isqueiro do fogão, na boa ( agora que já vi estou pronta para o fazer ).
Claro que se sair à noite, prefiro um homem para me levar a casa. Os músculos servirão para alguma coisa se for molestada.
Claro que se penso no amor, na paixão, no colo, é em homem que penso.
No mais, são pessoas. Importa pouco se não vestem saias, não pintam os lábios de vermelho, as unhas dos pés, não dão importância a pormenores, deixam a tampa da sanita levantada, discutem no trânsito, ouvem relato de futebol no rádio do carro, ou têm vergonha de passar a ferro. 
Volto então a dizer que ontem a minha tolerância, para não dizer admiração, que isso seria dar-lhes muita confiança, aumentou de forma inequívoca. 
É que as mulheres, lá estou eu a cair no mesmo erro, mas não sei de que forma posso dizer isto a parecer que tudo é a mesma coisa, porque não é, as mulheres adoram comprar. Consumir, gastar, exibir. E vão às compras. Sem eles ou com eles.
Se o fazem sem eles são mulheres felizes. Isto se têm poder de compra e usam o seu próprio cartão de crédito. 
Se o fazem com eles, mulheres felizes são. Porque...aqui é que está, eles ficam à porta. Pagando, ou não. Esperando. 
Ridiculamente esperando. Quase sempre. Sentados nos sofás e bancos, nos corredores dos centros comerciais, empoleirados nos varandins. Lendo jornais. Desfolhando revistas. Dormindo de boca aberta, babando-se para o lado. Ou no limite, entusiasmados, olhando por cima dos óculos as boazudas que passam mexendo provocantemente as coxas. 
Não há dúvida. Os homens são uns santos. Uns anjos, alguns, papudos, mas não vou desvirtuar agora a espécie, porque eles merecem que me debruce sobre o assunto.
É que dar volta a uma loja leva no mínimo meia hora e estou a ser muito razoável. Escolher a mala, a calça, a mini-saia, a blusa ou o casaco, ou tudo isto duma assentada só, leva mais uma hora. Continuo benevolente. Experimentar as peças pode custar mais meia-hora, até me sinto ridícula a fazer estas contas de cabeça, entrar na fila e pagar, outra meia. Nisto passaram-se duas horas e meia se não estou em erro. E o desgraçado lá fora. Coçando a cabeça, metendo conversa com o segurança da porta, mandando mensagens à dita compradora, por vezes compulsiva, bufando, avermelhando-se, ameaçando entrar na loja e fazer um escândalo, fazendo figura de otário, ou ficando aliviado e feliz quando finalmente ela sai da loja. E nem sequer quer saber quanto gastou ou em quê. 
Não! Tenho de me render. Homem ganhou! Como se diz na banda. E rendo-lhe as minhas homenagens. Para além de que há homens e homens. 
Não são todos iguais nem andam todos as medir pilinhas. Por isso, quando falarmos de homens, devemos sempre pensar - Homens? Ponto e vírgula, devagar com o andor. Não são todos iguais. Há uns...mais iguais que outros. 

outonando-se


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

sempre acreditando

Quem tem medo não arrisca nem se surpreende. Sem riscos, morre de susto e solidão.
Digo eu, que já fui medrosa... 

m.c.s.

acreditando

O improvável se faz possível. Assim nós o queiramos.
Digo eu que já vi cada coisa do arco da velha!

m.c.s.

chove ou não chove?

Diz que hoje chovia todo o santo dia. 
Preparei o espírito para um dia caseirinho e descansado. 
Mas...tão? Cadê a chuva?
Se é para chover, venha ela.
Não precisa de chover a potes. Nem a cântaros.
Tão pouco que chovam picaretas. Ou até que os cães a bebam de pé.
Mas não gosto deste chove-não-molha. Destas encolhas. Deste tempo que nem..., nem... sai de cima. 
É que eu preciso de parança. De me organizar. De me disciplinar.
De parar. 
Esticar as pernas e descansar.
De não gastar. 
Se chove, poupo. E a conta bancária, a carteira, o cartão relaxam. 
Se chove não saio de casa. Falo ao telefone ( fixo ).
Escrevo, e enxoto o senhor alemão. Que senhores destes não me fazem falta nenhuma.
A Pitanga fica contentinha.
A casa também, cheirando a limpeza. 
A cama rejubila feliz, à maciez dos lençóis. Mudados.
O sofá adora. E eu adoro o sofá neste amor mútuo e interesseiro.
O pijama não se importa de se passear pelo dia.
O banho não se importa de esperar.
A cara não reclama de maquilhagem nem esta reclama a função.
A máquina de lavar excita-se nas lavagens. 
A chaleira assobia alegre.
O fogão pisca-me o olho.
A batata doce salta bailando à frente dos meus olhos.
A manga espreita-me madura. 
A vela quer chama. 
A antena 3 quer uso.
O muzonguê segreda-me ao ouvido, mágicas palavras. Provocatórias. 
Que me fazem água na boca.
A televisão sorri-me. 
E o computador idem.
Ligo-me ao mundo. Israel, Timor, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Brasil...
E o chapéu de chuva? Esse fica peladinho por ir ao multibanco ou à loja.
Enfim, tantos planos para esta sexta-feira e a chuva a falhar!
Que desilusão! Afinal chove ou não chove?
Quero cumprir a parte e deixar o espírito satisfeito.
Só hoje...Nossa Senhora da Conceição. Faça chuva, sol não.

por falar em medicamentos

Há uns 3 dias achei ter sido mordida por mosquitos. Num braço. Depois noutro. E fiquei por isso mesmo. Começaram as comichões dolorosas, sobretudo no braço e mão esquerdas. Muito piores que aqueles dias comichosos que tive por via dos mosquitos algarvios.
Odeio consultas médicas. Tenho medo deles que me pélo. Acho sempre que pessoa que caia num consultório nunca mais de lá se tira. Uma queixa puxa outra. Uma dor também. E de repente dói uma unha do pé e quando damos por ela já nos doi a virilha. Isto é o que eu acho e por isso e porque a saúde, dizem, é uma utopia, não fui eu que disse, foi mesmo um médico que se preparava para operar a minha cria caçula quando tinha nove anos, que me disse olho no olho. Passados que foram dezoito anos, posso dizer que, felizmente, a saúde venceu o pessimismo (?) desse médico, mas não deixei de ser hipocondríaca. 
Por isso quero estar longe de medicamentos. Em minha casa apenas existe o inderal que tomo diariamente por causa da maldita taquicardia. Se dói a cabeça nunca tenho um comprimido. Se tenho uma dor de barriga bem tenho de me aguentar com ela. Se tenho uma dor na costas vou a correr comprar reumom gel. Enfim, passo a vida negando sintomas, ou dando-lhes cobertura. Entre o esquecimento e o medo da doença. Sempre quieta no que respeita a visitar médicos e comprar medicamentos.
Agora percebem porque é que há três dias tenho uma borbulhagem que dá uma coceira desgraçada e ainda assim nem sequer toquei no assunto? 
Hoje, ao passar pela farmácia que tenho mesmo ao pé de casa, decidi entrar. Três dias já eram demais.
Fui explicando que tinha umas picadelas de mosquito, outras que pareciam de pulga e outras ainda que davam muita comichão.
A farmacêutica tirou logo o retrato aos meus braços. Detergentes novos ( pode ser ), pó, porque lhe tinha acontecido o mesmo, disse ela. 
Vim para casa com menos 18 euros e com a esperança de que a noite não fosse tão má assim. No que respeita a comichões. 
A pomada já a pus. O comprimido debaixo da língua ( confesso que achei estranho ) também. E agora estou atordoada e com um sono que nem me deixa ver as fotos que tirei hoje, a Lisboa.
Há vidas melhores, mas eu , já só quero a minha. Sem comichões.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Angola



Angola é uma lágrima que tenho presa na alma 
Solta-se e rola sem qualquer razão 
Na emoção... 
Meu país, meu choro.
A minha descompressão

O meu sorriso. Um arrepio 
A minha diferença
Angola é o meu sol. Desde a nascença...
Meu astro brilhando 
A ideia me envolvendo.
Tudo se renovando...em mim

Tal e qual num jardim
E é a lua cheia e um céu estrelado 
Um universo de luz e sonho.
Magia 

A minha alegria
É um mar de saudade
Por vezes calema...

Por vezes silêncio e calmaria 
Angola é meu hábito de receber e dar 
Meu eco
Minha teimosia de amar 

Palavra habitando em mim num poema suspenso 
Numa razão 
Na minha inspiração
Minha miragem
Angola é a porta, a saída,
O meu destino

A minha força
Angola é a minha viagem...

m.c.s.
( foto retirada do google )

domingo, 13 de outubro de 2013

é o Outono

Olho, através da janela, o monte verde que o verão desmaiou para castanho, em frente a mim. E eu, de olho nele, todos os dias, vendo as mudanças. Adivinhando pincéis borrando a pintura. Esbatendo coloridos. Parece lhes escuto os gemidos.
Olho o céu branco, acinzentado, se é que se pode dizer, sem restos de dias solarengos e andorinhas esvoaçando. 
Por aqui não há nuvens, quais carneirinhos e ovelhinhas passeando-se pelo universo. O firmamento é de cor branca de uma nuvem só. Sustendo as lágrimas, mas pronta a desabar. Inevitavelmente.
O sábado silencioso parece se calou à sua condição outonal. E concordou com ela. 
Assim mesmo é que é. Faça-se justiça ao tempo.
Afinal estamos no outono ou não? Pode lá ser? Andar de chinelos, blusas de alças e calções e olhar as lojas repletas de Natal. Cheirando a família, rabanadas e perú recheado. Presentes.
Pode lá ser, castanhas aos pulinhos e o suor misturando-se com o fumo e o velho pregão?
Chocolate quente apelando ao espírito e o gelado seduzindo a saudade do mês que acabou. 
O chapéu de chuva novinho em folha, resto de saldos de loja fechada, mais uma, e nem uma gota, caindo do céu. 
E a camisola trazida pelo carteiro, para começar a nova estação? E a bota que a loja acertou, na cor, no preço, e até no salto.
E o edredon afagando o corpo? A meia, o chá de gengibre, o pão com chouriço, o leite com mel, o casaquinho cardado, a manta, o sofá, a televisão, os filmes de amor.
Então e as folhas caídas no chão? Árvores castradas, estrelas escondidas, noites mais longas, dias chovendo, frio fazendo? E a preguiça, o sono, a lágrima e a depressão? O vazio e a negação? 
A criação? Poemas e versos de solidão...
Então e a culpa morrendo solteira?
É o Outono em ascensão. A ponte para a outra estação. Oposta ao verão.
Olho através da janela, o mundo lá fora. Assim mesmo é que é. 
Cumpre o outono a sua missão. 



sábado, 12 de outubro de 2013

ser feliz

Ser feliz, é uma condição da alma. Não se anula a circunstâncias adversas. Digo eu, que apesar de ter já vivido perdas, dores, sofrimentos, não sou a imagem da infelicidade. 

m.c.s.

reflectindo

Abrindo o facebook constato que o people é muito feliz.
Está na cara. Está na atitude. Está nas publicações.
O facebook é um universo de alegria, positivismo, ostentação, competição, realização.
Os meus amigos ( do facebook ) são felizes; alegres, bonitos, elegantes, ricos, bem sucedidos, bons pais, bons filhos, bons amigos, bons cidadãos e óptimos convivas. Convivem todos os dias da semana, a todas as horas.
Socializar é a palavra de ordem. As imagens de luz assim o dizem.
Ele é fotografia de sorrisos, olhos brilhantes, roupas bonitas, bebidas de excelência, pratos de porcelana. Casas fantásticas. Automóveis de luxo, barcos de recreio. Animais com pedigree. Férias de sonho. Viagens.
Ele é lugares mediáticos. Da moda. E da cultura. Do lazer. 
Ele é amigos dos amigos, lindos, bem dispostos, interessantíssimos, ricos. Como eles.
As melhores pessoas do mundo. A melhor vida, também. 
Os sorrisos e os olhos brilhantes dizem tudo. O nariz empinado também. 
De facto, os meus amigos são pessoas felizes. 
Apesar de terem dias de publicações tristes. De desabafos iguais a todos, que não saem das suas mentes positivas, mas são lugares comuns. Vulgares. Populares.
Críticas. Apontando dedos em direcções várias. Endereços mais que certos. 
Apesar de ressabiamentos. Maldades. Cinismos. Provocações. 
Apesar de publicações preconceituosas. Xenófobas. Homofóbicas. 
Apesar de cutucarem onças, mandarem recados agressivos, exagerarem na dureza das palavras, terem mau perder. 
Apesar de tudo, os meus (?) amigos são pessoas felizes.
Fico a pensar nisto... 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

uma história de afectos

Chamava-se...pois. Cresci vendo-o diariamente na loja de sô Santos. Tratando este por tu.
E ainda hoje não sei como se chamava. Se Seitas, se Setas ou se Seta.
Sempre falei dele como Senhor Setas.
Já não pertence ao mundo dos vivos, porém ficou para sempre na minha memória.
Razões, muitas. Várias, me levam, neste dia ruim para mim, a recordar um amigo do pai. A falar do meu pai. Sô Santos.
O senhor Setas era um homem gigante. Fui crescendo e olhando sempre debaixo para cima e mesmo quando parei de crescer não consegui apanhá-lo nessa medida de comprimento. 
Castanho cor de cacau, pertencia a essa terra que era ver para crer. São Tomé. 
Trabalhava na Fazenda Nacional, na Mutamba. Era casado com uma mulata clara, que se chamava Ester, se não estou em erro. 
Vivera no largo onde eu cresci brincando e angariando amigos que ficaram para a vida inteira. Ainda hoje o são.
Usava balalaica e chapéu na cabeça. Calças de linho brancas sujas ou cinza claras com dobra e muito engomadas e vincadas. 
Sapato picotado branco e preto. E bengala. Mas não coxeava. Devia ser só para a banga, como se lhe faltasse esse pormenor para o estilo. Fumava cachimbo. E o jornal andava sempre debaixo do braço. Era uma figura e tanto. 
Homem sem idade, porém mais antigo que sô Santos, era dono de uma educação esmeradíssima e nunca falava comigo ou com a mãe, que não tirasse o chapéu e fizesse uma vénia. 
Todos os dias ao fim da tarde, descia do maximbombo que iniciava na Baixa, na Mutamba e parava em frente à loja. E entrava. E ficava horas, até escurecer, conversando com o meu pai, encostado ao balcão, de cerveja na mão e descascando jinguba. Que comia, a par com o senhor Eurico, que trazia sempre uns camarões, num saco, para os três. Amigos que eram, os três. 
Esta figura fez parte do meu dia-a-dia na avenida brasil. Quando eu comemorava aniversários ele rompia a barreira do corredor, que separava a loja da sala e entrava para me dar dois beijos de parabéns e comer uma fatia de bolo.
Tratava-me por Clarita e sorria de orelha a orelha cada vez que me via.
Um dia, quando tinha dezasseis anos, adoeci. Parecia uma coisa simples, mas complicou-se bastante. O avô tinha deixado Porto Alexandre para ser internado na casa de Saúde de Luanda por via d' um problema pulmonar e ali permaneceu algum tempo. Depois convalesceu em nossa casa e mais tarde partiu de novo rumo ao sul, onde o esperava mulher e filhos. No dia em que viajou para o seu destino, fui parar ao hospital. Não sei se de pena, de dor de ficar de novo sem ele, de saudades, ( eu fui sempre, completamente apaixonada pelo avô ) se de quê, que não sei até hoje. 
Sei que a minha tensão subiu, deixei de comer, entristeci, emagreci bastante e tornei-me hipocondríaca do nada e vai-se lá saber porquê.
Na fase em que já estava a entrar nos eixos, no caminho de regresso do liceu para casa o senhor Setas saiu-me ao caminho. 
Parou, fez a costumada vénia, tirou o chapéu e estendeu-me a mão para me cumprimentar. 
- Clarita, como estás? 
Respondi que estava bem mas ele insistiu.
- Já estás boa? O pai anda preocupado. Muito preocupado contigo.
- Porquê? Perguntei surpreendida. 
- Porque ficaste doente. Um dia destes vi-o tão triste que lhe perguntei o que é que tinha. Até chorou. Disse que estava com medo que não melhorasses. Com medo que perdesses o ano na escola. Anda muito triste, o teu pai.
E nesse momento eu cresci. E angustiei-me. Pelo pai. Pela preocupação e tristeza do pai. Não sabia que os pais choravam pelos filhos, que o pai, chorava por mim. Por tão pouco. Achava eu...
E percebi que o amor de pais é o mais forte que existe. E nunca mais olhei o senhor Setas do mesmo jeito. Se lhe tinha respeito, passou a ser um ser sagrado. 
E nunca mais olhei sô Santos, o meu pai, do mesmo jeito. Eu há muito desvalorizara os meus achaques e no meu egocentrismo nem me apercebi do mal que provocara nas pessoas que me amavam, o meu estado de saúde.
Nesse dia compreendi que amava o meu pai acima de qualquer suspeita. E que o amaria para todo o sempre. Incondicionalmente.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

hoje, porque sim

Guardo memórias antigas. 
Tão antigas que me convenço que são do ventre da mãe. 
Do colo do pai.
Queria reunir numa grande festa de comemoração de vida, quem me carregou nos braços, me beijou o rosto, me acompanhou na escola, me ensinou a ler, me contou estórias, me limpou as lágrimas, me disse adeus.
Gostava de parar o tempo. Manipulá-lo. Imortalizá-lo.
Enfeitá-lo de fé e esperança. E não sofrer às lembranças. 
No meu percurso, não apaguei o que vivi, quem amei, no ontem e anteontem que ficou para trás. 
Não ocupa espaço. É cósmico. É energia.
Vagueia entre o coração e a memória. 
É a minha história. 
E eu apaziguo-me do que já vivi. Recebo o presente e espero o futuro. 
Hoje o dia é de ontens. Aninha-se nesse tempo remoto. 
Partiste tão cedo para o passado, pai...

na posse duma estrela

 Eu já desconfiava que tinha uma estrela...
Bruxa não sou. Mas pareço, nesta adivinhação que a sina me dá. 
Alguém reafirmou a minha intuição. Com créditos...
Senti-me brilhando por aí, qual sol de verão prolongado.
Qual estrela de mar, rainha das águas prateadas. Salgadas. Amadas.
Qual constelação iluminando a terra dos sonhos, que hei-de sonhar.
Qual estrela de Hollywood bonita e elegante, famosa, brilhante.
Qual estrela da tarde, iluminando caminhos, percorrendo as estradas, atravessando as pontes, para a felicidade.
Hoje sinto-me poderosa. Não é todos os dias que nos dizem que temos uma estrelinha...
Não por isso. Mas por acreditar nisso.
É caso para dizer que hoje me sinto abençoada.
A bem dizer... estrelada. Clara já eu sou...

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

em dia de greve do metro ( ontem )

O compromisso, assumi-o antes de saber que havia greve do metro. Mantive-o apesar disso. O 36 está aí para o que der e vier. E na pior das hipóteses está o barraqueiro ou a rodoviária para não falar dos taxis. Estes, só se de todo não lhes puder escapar. Porque os preços escaldam. Só por isso, claro. Quem não prefere andar de taxi? Eu nem sou masoquista. 
Antes de sair de casa vi as entrevistas aos utentes do metro, hoje, dos transportes públicos a funcionarem. Quase todos revoltados. Quase todos intolerantes. Quase todos contra tudo e todos. Quase todos a favor dos seus umbigos.
Cheguei à paragem do 36. Deparei-me com uma fila nunca vista. Não costumo sair de casa em dia de greve de transportes. Fi-lo hoje por via do compromisso que não quis desmarcar. E também, para quê disfarçar? Para ver como a cidade funciona em dia anormal e condicionado pela greve. Afinal não sou kunanga? Não sou senhora de mim própria? Não gosto de observar? 
Na paragem do 36, fiquei a ver navios mais de uma hora. Passou o primeiro completamente lotado. Nem sequer parou. O segundo apenas iria até ao Saldanha. O último, finalmente me serviu. Entrando empurrada e empurrando, deparei-me com um espaço cheio e confuso. Fiquei junto dos lugares para deficientes. Na paragem antes do Campo Grande uma das passageiras ali sentada ergueu-se e eu sentei-me. Não havia deficientes físicos por ali se bem que gente completamente desprovida de senso e educação, era mato. Quase pedi desculpas por estar bem disposta, sendo que qualquer mal encarado recebia aplausos.
Junto ao motorista um aglomerado como se estivessem a fazer um comício ou melhor, em conspiração.
Um homem senta-se atrás de mim. Ao lado de outro muito mais jovem. O primeiro critica.
- A que propósito é que se amontoam na entrada quando têm lugar aqui ? Nem deixam entrar os de lá de fora. Parecem bichos. 
- Sua estúpida, diz uma mulher que fura o grupo e aparece junto de mim. Está ali colada ao motorista e não deixa passar ninguém. Deve querer aquecer o homem. Gargalhada ( quase ) geral. Encorajada pelas gargalhadas, repete, sua estúpida...
Assim passámos o Saldanha quase uma hora depois de ter deixado o Senhor Roubado.
- Não sei o que é que eles querem mais, ganham mais de 2.000 euros, só os maquinistas, porque os da manutenção limpam 1.500. 
O país de tanga e estes palhaços a brincarem às greves. Ainda se acautelassem os direitos dos utentes...eles que façam as greves deles mas não nos prejudiquem.
- Se não fosse para ser assim não adiantava nada, diz o rapaz que vai sentado ao seu lado. Embora que não seja o governo que eles prejudicam, porque esses já lá têm o dinheiro dos passes. E deslocam-se em grandes bombas, não precisam dos transportes.
- Você é da Guiné? pergunta o mais velho.
- Não. Sou angolano.
- Angolano de Angola ou já nasceu aqui? 
- Angolano mesmo. Aqui estou só a estudar. 
- Aquilo lá está a ficar bom...
- Já esteve pior, mas enquanto a educação e a saúde não estabilizarem não fica bom.
- Sou amigo do filho d' um que já lá estiee a fazer grandes obras. 
- Quem? Soares da Costa? Mota Engil e ainda há outro. Teixeira Duarte.
- Desse mesmo. 
- Eles agora também estão mal. O governo fez um acordo com a China e os chineses como são mão de obra barata são os preferidos. Pior é que os edifícios estão a ruir. Mas alguém está a ganhar com essas negociações. 
O autocarro pára nos Restauradores, para outro carregamento. Sai muita gente também. Começam a aparecer lugares sentados. 
Alguém toca para a saída no Rossio. Finalmente a minha paragem. Saio sem dificuldade nem atropelos. Desta já me safei. Logo ao regresso, se verá. Entre mortos e feridos alguém há-de escapar. Espero estar na lista dos sobreviventes a uma greve que reconheço como legítima e que respeito porque é da minha natureza fazê-lo. 


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

até um dia destes...

A porta fechou-se. 
Desceste as escadas. Em voo antecipado.
Nas asas que te dei. Que conquistaste. 
Que usas. Em jeito repetido. 
Em vão, tento que esse gesto não me seja sofrido. 
Oiço vozes de mim dizendo que não vou chorar, não vou chorar, não vou chorar...
Sento-me no sofá da sala.
Rola vagabunda uma lágrima rebelde e desobediente. 
Uma voz do meu eu mais lúcido diz que respire fundo. 
Porque não há forma de não doer.
Não há forma de me habituar.
Ficou um silêncio que me magoa.
Ficou também a certeza de que és uma casa cheia.
Fiquei só, de novo. 
Até um dia destes...

Vivam os noivos

Como diria o mwangolê, está a sair um casamento búlgaro aqui ao lado. Paredes meias com as minhas.
De facto eu não sou cusca. Mesmo nada. 
Porquê? Porque fui apanhada de surpresa...com música ensurdecedora, muito acima dos decibéis aconselhados; ele eram trompetes, flautas e clarinetes. Como deve mandar a tradição.
Também uma fila descendo barulhantemente as escadas; convidados, e familiares ( conheço alguns ) vestidos a preceito e para o efeito. Eles de branco, fato completo, brilhante, de doer as vistas. Elas, de vestidos de noite, longos, rodados e cheios de folhos, como se vestiriam as damas nas festas antigas, com um toque de exagero piroso no brilho, mas pronto, cada um veste-se como quer e gosta...e pode. Saltos agulha e cabelos artisticamente penteados. Maquilhagem exagerada. Bonitas, espampanantes e alegrezinhas, a bem dizer.
Alguns dos convivas transportam para baixo, doces e bebidas e uma limusina branca na rua aguarda pela noiva que se fez esperar mais que a conta, dada a impaciência dos restantes, que esperavam na rua.
Fui surpreendida por um casamento mesmo ao lado de mim. Paredes meias. Mas gostei de ver a animação da festa que envolve este acto antes tão importante e para toda a vida e hoje banalizado e que já não é a carta fechada, mas sim, um e-mail, descarado e breve muitas vezes mandado por terceiros e acabando com a vidinha a dois. Felizmente que para alguns povos ainda é levado a sério e os convidados não se chegam a arrepender do dinheiro que gastam, do tempo que perdem nos retratos e da seca que é no mais das vezes.
A estes noivos desejo uma vida feliz. Como nada sei, não sei se serão meus vizinhos. Eles são mais que as mães por metro quadrado, por isso não me admirava que aqui ficassem a viver. Mãe, pai, nora, filho, bebé e a noiva já cá vivem. Há tempos apresentaram-se. Simpaticamente. A noiva desfaz-se em sorrisos quando me vê e já me abordou por causa do meu perfume. Cheira muito bem, senhora. Disse-me, ao mesmo tempo que me olhava de alto a baixo, sabe-se lá porquê. 
Enfim, já cá vivem tantos que mais um, dois ou três, o que é isso? Pormenores sem importância, para eles que saíram das suas terras para procurarem uma vida melhor por terras lusas. Dá vontade de rir, mas fazer mais o quê?
Vivam os noivos! Que casaram hoje. E são meus vizinhos. Será bom prenúncio? A ver vamos.

descomplicando

Nos tempos que correm, Lucidez, para mim, significa descomplicar.
E num círculo vicioso, descomplicando, a vida me torna muito mais lúcida.
Digo eu não querendo complicar...

m.c.s.

domingo, 6 de outubro de 2013

reflectindo

Perante altares sagrados, mais terrena e vulgar pessoa me vejo e sinto. 
Digo eu, lendo geniais obras primas, pérolas, com que enfeito a minha necessidade de sonhar. E de ser desenhadora de escrevinhadelas.

m.c.s.

pleonasmo

Manter um espírito feliz é uma arte do coração.
Uma inspiração da alma criativa.
Eu quero ser uma eterna parideira da felicidade.
Digo eu, prenhe de esperanças...

m.c.s.

a propósito

No meu percurso, Maturidade, significa desvalorização.
Perante os fracassos. 
Significa, juntar e embrulhar os desapontamentos, colocá-los na beira do caminho em recipiente próprio, não os valorizando. E seguir adiante. 
Num misto de amor próprio e determinação. Quem sabe, memória curta, coração robusto e renovável?!
Transformá-los em experiências e ensaios para os sucessos.
Cada vez mais, sou madura...digo eu!

m.c.s.

porque é sábado e porque sim

Onde estou? 
Puxo o lençol. Tapo a cara e ponho a descoberto uma alma sedente de sol. São os primeiros raios entrando pela janela, no tecto.
Há uma gaivota esvoaçando por cima da minha cabeça, por cima do sótão da casa. Por cima da minha noite pequena. 
Parece lhe estou a ouvir o chamamento para o dia. Para o rio já ali, que até parece lhe posso olhar a partir daqui. Parece me está a chamar para me debruçar à varanda e inspirar o ar conseguido da manhã.
Sem pressas, nem relógio marcando tempos programados, repetidos, escusados, oiço o sino da igreja próxima. Parece desperta acordes em mim, sem fim. D' um passado que não tenho por aqui. Parece quer provocar arrepios de pele. Parece quer inventar borboletas brancas esvoaçando. Cânticos. E coros, cantando-os.
E oiço vozes de gente pequena brincando na travessa empedrada do bairro que adivinho daqui porque lhe vejo as escadinhas, subindo para a tradição do fado, da boémia e inspiração, dos mais velhos. 
É sábado e isso muda quase tudo. Até a vontade de permanecer deitada, pés doridos da caminhada da noite, verdadeira empreitada de obra muito apreciada. Até a preguiça reinante, merecida e desejada.
Porque é sábado, este dia assinalado no século de então, perdurando através do calendário do tempo e dos homens, comemorado com orgulho e abnegação,  há uma luz, semáforo verde da minha esperança de o passar tranquila e em segurança. Sinal perfeito para um dia com tempo de história, de pátria de quem a ela pertença. Mote para a contemplação, para a alegria e para os pequenos nadas que o tempo de agora oferece de bandeja, outono mascarado de verão. Puxo o lençol. Vermelho, de moderna forma de estar. Gosto disso. Aprecio quebra de tradições e costumes. 
Deixo o rosto a descoberto. Olho o tecto falso deste laço verdadeiro que me prende ao espaço, ao bairro, ao ser que aqui respira noite e dia e sinto-me pronta para mais um dia. De sábado. De amor. Nesse laço eterno na minha eterna forma de sentir, prendendo e desatando a vida e quem pari. 
Onde estou? No lugar onde o universo me coloca para me brindar. Na rota do amor mais puro. Na curva da sua chegada. E aqui quero permanecer enquanto for sábado. Também por o ser...

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

desejo

Quero uma sina fácil.
Dias simples. 
Pertencer a um lugar e cuidar das raízes. 
Parar para escutar a voz da minha alma. 
As vozes do mundo que me abraçou na nascença.
Saber o que quero. Saber o que preciso. 
Saber o que posso esperar.
Sentar-me. Deixar o horizonte para trás. 
Rodear-me das lembranças e envolver-me de histórias. 
Abrir o álbum e sorrir às memórias.
Reconhecer o meu povo, minha família. E amá-la.
Respeitar o voo dos pássaros e as ondas do mar. 
Receber da terra, campos de papoilas e girassois.
Quero uma sina fácil.
Vozes bonitas, mil ecos de risos e canções de esperança.
Nos rostos negros das crianças. 
Rosas brancas cheirando a colo de mãe. 
E o colorido das buganvílias enfeitando o muro, assento da minha solidão.
Flores de frangipani espalhando o perfume pelas manhãs.
E quero na facilidade dos dias, tardes longas e noites estreladas.
Madrugadas sonhadas.
Mão amiga. Olhar sorridente. Palavra cumprida. 
Silêncio prometido. Meta alcançada. 
Quero uma sina fácil. Um dia...vou conseguir.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

estado d' alma

Por vezes sinto-me vagueando pelo passado, alma que não cabe no presente.
Por vezes sinto-me vinda do futuro, chocando nas almas que vivem no momento.
Por vezes, muitas vezes não sei em que tempo caibo. 
Não sei se tenho o tempo a meu favor. 
Não sei se tenho alma. Se a entendem.
Se sou uma alma livre ou uma dor d' alma.
No mais das vezes deixo falar a alma, não importa a que tempo pertenço.
Não importa se duvido dela. Se duvidam dela.
Queria ser uma alma em busca do tempo certo, d' um caminho, uma luz.

m.c.s.