quarta-feira, 27 de agosto de 2014

por amor

Já fui ao céu e voltei 
Nas asas d' um albatroz
Despi-me de trapos ricos
Organza, seda pura
Vesti a pele dos anjos, 
Acetinada, nua...
E cantei e bailei 
Ao som da melodia
Trompetes, harpas, 
Vozes santas
Ternura...
Oásis de festa
Alegria...
Não fosse estar no céu 
Estaria numa orgia
E o olhar sábio dum deus 
A abençoar, eu teria...
Já fui ao céu e voltei 
No sonho de me perder
Mas não vi nada de meu
Nem morada, poiso certo
Deste sentir meio ateu
Que me há-de converter...
Já fui ao céu e voltei
Nas asas d' um albatroz
Que encontrei
Para voltar a viver...
Que me prendeu e soltou
E livremente o sonhei
A lembrar-me de quem sou
Já fui ao céu e voltei
Já morri e ressuscitei...

m.c.s.

a propósito de meet


Encontro é o acto de ir em direcção a outro, ou outros. O contrário de ir em direcção a..., é, ir Contra.
Logo, aquilo a que chamam MEET está errado, porque não se trata de um encontro mas de um desencontro feito de violência com agressões que podem ser graves e até fatais. 
Sabemos que há bairros problemáticos. Crianças crescem à rédea solta.
Desintegradas, marginalizadas, carenciadas. De tudo, até de afecto.
E sabemos que a injustiça social cresce à medida que a crise aumenta e que os governantes nos crucificam.
Uns mais que outros estão nesse barco que flutua mas que pode ir ao fundo a qualquer momento. 
A moda dos encontros entre jovens chegou a Lisboa. Diz que para se conhecerem e deixarem assim de ser virtuais, as amizades conseguidas nas redes sociais. Parece-me bem. Porque não?
Há no país, empresas bem sucedidas que promovem actividades, um dia de semana, no ano, para os seus empregados se aproximarem e se conhecerem melhor e assim se entrosarem no sistema. Já trabalhei para um encontro desses, organizado pelo Alfama-te, um peddy paper divertido e também ele, à semelhança da empresa, bem sucedido.
Há de vez em quando, encontro de motards, de religiosos, de antigos combatentes, de antigos estudantes, de emigrantes, antigos companheiros de tropa, de antigos moradores numa região, ( acontece muito connosco, os que deixaram Angola aquando da independência do país ou ainda antes ). Por norma todos esses encontros visam o prazer da comunhão. E têm o objectivo de avivar memórias, partilhar experiências, sorrir, gargalhar, brindar à vida, serem felizes. Há rituais semelhantes em todos eles. A comida, a bebida, a dança e a música. As longas conversas. As histórias. Os beijos e abraços. 
Nestes encontros há pessoas de todas as nacionalidades, crenças, dos dois géneros, de várias idades, de todos os estratos sociais, de cor de pele e etnias diferentes. 
Nunca ouvi que se envolvessem em escaramuças e se agredissem com armas brancas ou arma de fogo. 
Então pergunto, porque razão estes grupos de jovens vindos quase todos de bairros suburbanos e problemáticos de Lisboa, promovem nas redes sociais o tal MEET se acabam-no, envolvendo-se em pancadaria, perturbando a liberdade de cada um, instalando o medo e mesmo o pânico em colegas, amigos e cidadãos que não fazem parte desse encontro, desafiam as autoridades e fazem vítimas entre estes ?
Será que estes encontros não são senão tentativas de destabilizar a sociedade lisboeta, o cidadão anónimo que quer fazer a sua vidinha em segurança? Será que não pretendem ajustar contas, dar azo à agressividade que têm dentro de si, vingarem-se em público mas cobardemente a coberto de um colectivo que tem muita gente boa?
Tenho p'ra mim que isto que está a ter proporções que é urgente analisar e anular é um derradeiro propósito de tomar pela força um poderzinho que se sustenta no terror. Quando jovens de quinze, dezoito anos se armam para um encontro de semelhantes é preciso actuar de forma firme e dura. Sob pena de gente adulta morrer de medo de se cruzar com gente pequena que anda louca, à solta pela cidade. 
Não quero deixar de ir à Expo, ao Vasco da Gama, ao concerto de Anselmo Ralph, à Póvoa de Santo Adrião ( hoje havia um meet marcado nessa localidade aqui muito perto de mim ) ao Cais do Sodré, ou a Carcavelos porque um grupo de miúdos mijões, alguns problemáticos ( coitadinhos ) resolve que é quem mais ordena. 
Hoje ouvi um psicólogo falar sobre o assunto e concordo plenamente com ele. É preciso ser-se duro com estas iniciativas que põem em causa a segurança e a liberdade de todos. 
Claro que tudo isto digo eu, que não gosto de julgar ninguém, mas também tenho direito à minha liberdade, que dizem que começa quando a dos outros acaba.

( Ontem 26.08.2014 )

por mim e pelo amor


Passavam uns minutos das oito quando cheguei à rua.
O ar fresco da manhã transportou-me para o Ribatejo e para o tempo da sirene da fábrica dos tecidos, que tocava pelas oito horas, alertando-me para a hora de sair de casa. Num vai-te embora mês de Agosto, beber o batido. Bater a porta. E num ver se te avias, toca a andar a subir seiscentos metros de viaduto a caminho da minha boleia para o trabalho, na vila vizinha. 
A rua está limpa, o ar húmido e há ausência de pessoas a caminho do emprego. Leva-me a pensar que está muita gente de férias ainda. 
O metro chegou um minuto depois de mim. Ainda assim a esta hora, a estação está cheia. Uns com a lancheira outros com o jornal, outros com chapéus de sol e sacos de praia e outros ainda carregando o corpo e a alma que ainda dorme a esta hora da manhã, a saber pela quantidade de pessoas que vai de olhos fechados, apenas os abrindo quando o metro chega à sua estação. Ou quem sabe os fechará para não aturar o vizinho da frente, que é um cusco, um atrevido, um mal educado, espaçoso, ou mal cheiroso. Um chato.
Chego ao Campo Grande em doze minutos. Espero mais quatro. Entro de novo e sento-me onde tenho lugar. Há vários, vazios. Na verdade confirma-se. Está tudo a banhos. Mais doze minutos e saio na estação do Rossio, saída da Praça da Figueira. Volto atrás para jogar no euromilhões. Mostro o último boletim. Tenho prémio. Oito euros e quarenta. Já o anterior tinha seis euros e tal. Não há duas sem três, dizem. Acredito. Um dia sai. De novo as lembranças do passado a bailarem-me à frente do presente. Sô Santos também acreditava. E jogava. E esperava. Um dia, sim, um dia sairia...
Atravesso a praça. Dois sem abrigo dormem ainda, deitados nos respiradores do metro. Os taxistas mais adiante, em círculo, conversam animadamente. O 15 pára para levar os turistas até Belém. Turistas e não só. Já o tenho apanhado. 
Finalmente estou na rua. Agora é subi-la. Um cansaço. Fico com os bofes na boca mas não desisto. Disseram-me, ah porque podias vir amanhã fazer panquecas para o nosso pequeno almoço. Daquelas. De farinha de centeio. E eu aqui estou. Cinco minutos depois da hora combinada. 
Toco três vezes. Toco sempre essas três vezes desde que somos família. Como um código. Descobri que usado por muitos filhos e muitos pais. Não faz mal. É o hábito. Não vou mudar.
Subo as escadas. De madeira antiga. Vem-me à memória a casa primeira aonde vivi, na rua dos Albardeiros, na então vila de Torres Novas, hoje cidade. Do Almonda. Vem-me à memória o pai, a mãe, a loja. As escadas onde caí num dia 26 tal como hoje, que faz 26 anos que Carlos Paião partiu, mas de Novembro, aniversário da mãe. E o açúcar, para o bolo que lhe ia fazer, espalhado. E eu a desmaiar. E a mãe assustada. Foi só um susto, mas nunca mais esqueci. A queda, a casa, as escadas, a mãe...
Subo degrau a degrau, que rangem debaixo dos meus pés. É um prédio de 1800 e tal disse-me o dono da casa num dia de aniversário de alguém. A porta abre-se. O sono espreita. Abro as janelas de par em par. O sol entra banhando de luz a sala que se espreguiça. Do prédio da frente uma voz ecoa num fado gemido, daqueles fados da desgraçadinha que não supunha, mesmo num bairro típico, fazer-se ouvir a esta hora da manhã.
O amolador de tesouras ouve-se também. Não o vejo nem à sua bicicleta. Sim, fazem-se sempre transportar numa bicicleta. Mais uma vez dou um pulo ao passado remoto, quando o mano Zé fugia a sete pés do som do instrumento do amolador de tesouras. Diz que quando aparece muda o tempo. Já mudou, dado que choveu durante a noite e no norte Deus a dá.
Começo a preparar a massa para as panquecas. Farinha de centeio, ovos, leite, raspa de limão e manteiga derretida. Não ponho nem açúcar nem sal.Tudo na liquidificadora. 
Na mesa o doce de morango, a manteiga de amendoim, o mel, queijo, chá e pão de sementes. 
Estão óptimas, disse. Olhei-a. E sorri. É disto que eu gosto...
Por isso venho lá do diabo mais velho, logo de manhãnzinha, para partilhar momentos. Em família. E um pequeno almoço com panquecas de farinha de centeio, quentinhas. 


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

o nome do blogue



Não é meu, o barquinho.
Mas tem o nome deste blog e descobri-o na marina de Cascais. E não pude deixar de fotografar. Pois claro.

domingo, 24 de agosto de 2014

é o eterno amor


É chegada a hora das verdades esquecidas. Escondidas, ignoradas.
É chegada a hora de contemplar o tempo que passou depressa e se apressa hoje a deixar-me assim...
De coração gelado, apertado. E mãos frias e vazias.
É chegada a hora do abraço, da prece e da entrega na mão de Deus.
Mais uma vez é chegado o dia de dizer adeus, cá estarei para o que der e vier e para o regresso brevemente, também.
E entre a hora que chegou e a que há-de chegar é o meu sentir de sempre, sempre presente, para te ver partir e p'ra te ver voltar.
É chegada a hora, de novo, te ver voar.
É o amor mais antigo. Incondicional.
Neste eterno jeito de te amar.

m.c.s.

não me dêem nadas


Não quero ouro nem prata
Nem qualquer jóia da coroa
Não quero estrelas nem luas,
O sol do meio dia
Nem do barco, a sua proa
Não quero futuros
Promessas
Nem piscar d' olhos
Ou gestos similares
Tão pouco palavras bonitas
Nas vozes caladas, em espera
Ou mãos que não sabem tocar
Lábios que não querem beijar
Nem sorrir
Ao dia, a acontecer
Não quero portas abertas
Reposteiros decadentes
Flores pintadas
Por corações amputados
Vaidosos e dementes
Não quero padrões, ordem, coragem
Para a ausência de presença
De vida, por viver
Não quero provas,
Apagões, sombras, desculpas,
Contas de somar
Não quero arrecadar
Futilidades,
Sótãos
Cromos de colecções
Ou lágrimas de crocodilo
O que eu quero é poesia
Nua, crua e honesta
Útil, solidária, humana
Sem rima rica nem pudor
Onde vença a magia
De cada um ser o autor
Não me dêem nadas...

m.c.s.

domingo, 17 de agosto de 2014

pequenos, grandes sois



Há sois escondendo-se na luz da lua, que banhou o sono, de quem deita os cansaços d' um dia de verão, mais um, que não aqueceu os sonhos. 
Tão pouco os esqueceu ou os desenrolou. 
Suspendeu-os. No novelo por bordar, linhas que hão-de alindar, dias de inverno, parados. Desgastados e gelados. 
Lenço para limpar saudades. Verdades mais que mentiras.
Tristes histórias vividas. Desertos por desbravar. Difíceis. Areia monótona e fina. Igual. 
Lágrimas. Vazios.
Há sois que ainda não nasceram e já eu os pressinto. No calor que adivinho na pele. No arrepio nas entranhas, no sinal vindo dos céus. 
Aroma de rosas brancas, sem espinhos nem arrogância. Ou altivez.
Chuva de estrelas cadentes... 
Há sois escondendo-se em mim, habitando a minha alma em busca. Num crescendo.
Há no sol pai, mãe, tudo, uma gestação latente para o meu mundo pequeno, grande, tudo, não terminar. 
Neste verão e depois. Quando a chuva-tempestade se anunciar. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

eu sou e sempre gostei de ser...


Diz que somos 10% da população mundial.
E olhamos o mundo duma forma diferente.
Diz que já fomos considerados anormais e descriminados.
Considerados feiticeiros, ou frágeis. Que somos mais chegados ao grupo dos disléxicos.
E que somos no grupo dos sobre-dotados, predominantes.
Pensamos mais rápido.
E se há artistas, criativos e gente de sucesso no mundo, estamos lá em maior quantidade.
Diz que 40% dos ratos, gatos e camundongos também são como nós. Albert Einstein, Benjamin Franklin, e Alexandre o Grande também eram. E um dos quatro da Apollo também.
O Presidente Obama idem.
Mas também célebres como O Estrangulador de Boston, Jack o Estripador, e Osama Bin Laden o eram, mas…
Uma pesquisa norte-americana indicou que há mais chance de gente como nós serem génios. 20% das pessoas que compõem o MENSA (maior, mais antiga e mais famosa sociedade que reúne pessoas com altos QIs), fazem parte do grupo.
Outro estudo também descobriu que formados no ensino superior são em média 26% mais ricos do que os outros.
Quem somos? Somos os canhotos.
Na minha família somos três gerações diferentes. Sou eu, o meu filho caçula, David e o meu sobrinho-neto, Isaac.
E gosto. Muito. No maior orgulho. Pertenço a um grupo minoritário e discriminado. Mas não faz mal. Sempre gostei de ser diferente.
Cadeiras de braço sempre foram uma complicação. Abre-latas, colher de bebé, coser com agulha, cortar com tesoura, fazer tricot , garfo de sobremesa e tantas outras pequenas grandes actividades que nos oferecem dificuldades que os destros nem sonham, mas são todas vencidas, porque ninguém disse que viver era fácil. E dado que o mundo em geral é destro tudo foi feito para facilitar o grupo maioritário, como o aperto de mão, por exemplo.
Apesar de ser avessa a dias mundiais disto e daquilo, ser canhoto é ser diferente e isso nunca vai ser mudado, a menos que as mulheres comecem todas a parir seres canhotos e o mundo passe a ser equilibrado e em consequência deixe de haver necessidade deste dia assinalado mundialmente como o Dia Mundial do Canhoto. Até lá, nessa improbabilidade, comemoro o meu dia, porque faço parte desse mundo de gente que usa a parte direita do cérebro e assim a ordem dada é para tudo fazer com a mão esquerda.
Parabéns a nós. Canhotos do mundo.

domingo, 3 de agosto de 2014

a Voz


A voz tem poder. Em mim. Comunicar é tão importante como respirar.
Com arte e beleza não é uma necessidade, é um prazer.
Por isso me rodeei sempre de gente que fala com talento. E a quem Deus deu o dom da comunicação e o timbre bonito, que me encanta.
Gostar de alguém é admirar. Pela voz também. Sobretudo pela voz se aproximam, me aproximo de pessoas.
Uma noite destas, estando a jantar num restaurante da cidade, ouvi uma voz que se destacava de outras. Conhecida. Marcante.
Olhei. Era um homem. Que não conhecia. Voltei a ouvi-la. À voz.
Algo me dizia que o homem eu não conhecia, mas a voz, sim. Voltei a olhar. E as suas feições não me eram estranhas. Um rosto de homem maduro. Feições grosseiras. Que se amenizam quando fala. Que o tornam interessante. Mas de onde é que eu conheço o dono desta voz fantástica que já se cruzou com a minha?
E foi uma inquietação. Pensei no Olival Basto. Não, ali nada é tão interessante. E se houvesse uma voz destas eu lembrar-me-ia com certeza. Percorri os meus lugares de visita, frequência em Lisboa e também não.
Gente de Angola...passei tudo a pente fino. E negativo. Aquela voz, naquele corpo, não cabia em nenhum dos angolanos que conheço.
Fui para Torres Novas. São muitos anos nesta localidade e muitas vozes me ficaram retidas. Gente que canta, que declama, que faz rádio, da política, do tribunal, advogados, juízes, arguidos, um sem número de vozes e rostos a desfilarem. E não.
Nada é pior do que sabermos que conhecemos algo e faltar-nos a lembrança que nos dá a chave do enigma.
A voz calou-se. O homem levantou-se com a sua família. Várias mulheres de idades diferentes. E crianças. Olhei-as também para tentar encontrar a ponta do nó. Não o desfiz. Nem quando ele me olhou. Será que me reconheceu também? Julgo que sim.
- De onde é que o conheço? Apeteceu-me perguntar, pois estava a tomar proporções assustadoras esta minha incapacidade para o reconhecimento e isso leva-me a outros detalhes preocupantes como sejam o do senhor alzheimer poder instalar-se.
Não perguntei. Faltava-me tentar Alcanena, local onde trabalhei mais de uma década. Com contacto com o público. Num quase tu cá tu lá com algumas pessoas que precisavam dos serviços. Mas este não era um " cliente " como chamávamos a quem nos caía na sopa a toda a hora pelos piores motivos, pois que o cliente do tribunal não é senão o tipo que não se tira de lá porque anda a contas com a justiça. Eu tinha a certeza que não. Aos " crónicos " nós não conhecemos pela voz, conhecemos pelo instinto. De sobrevivência.
Foi já em casa que de repente se deu o clique. E lembrei. Um economista duma empresa da região, que ali foi tirar registos criminais. E ficou à conversa comigo, pelas duas vezes que lá se dirigiu.
Reposto o reconhecimento, a voz vestiu o corpo e partiu. À sua vida. E eu deixei-a ir. Que gostar de vozes não me escraviza. Harmoniza-me.
Olhe, senhor economista, desculpe se não o reconheci. A sua voz não deixou. Ganhou proporções de estrela. Mas, uma vez que também tenho uma estrelinha que me protege e ajuda, aqui está. Cheguei lá, para meu sossego. E seu. Não fosse eu persegui-lo.

aqui mora Deus

Aqui na Barra do Dande, parece o mundo se esqueceu desse lugar e o lugar se esqueceu do mundo num acordo que esse último agradece.
Aqui por estas paragens o dia tem sempre cara de domingo. Ou dia santo.
Parece o tempo parou e a gente passa para outra dimensão. Parece há uma oração no ar. E uma luz no alto para nos guiar. E abençoar.
Aqui o rio dá-se encontro com o mar, o sol reina, calor e cor, acolchoando as águas, de prata. A roupa cora no estendal de capim, que nasce da terra vermelha e seca, cacussos grelham no carvão, os kanucos tramam esquemas, os barcos ficam na beira do rio, uns, carcaças antigas, outros esperam segunda-feira, cães latem, o kota passeia a catorzinha e as galinhas do mato correm livres.
As cadeiras espera condição, nas esplanadas, se ocupam dos forasteiros, os grupos de populares na sombra das árvores perto da água, gargalham, as máquinas disparam fotografias, barbeiros cortam cabelos, os jipes levantam poeira.
Aqui o silêncio faz eco, a paisagem se agiganta, a garganta dá um nó, a pele se arrepia, os olhos ajudam a emoção, as lágrimas se escapam e choram sem pudor nem rigor.
Aqui parece Deus chegou. E se instalou. E nos vem receber. E nos abre os braços num abraço maior, muito maior que o universo.
Aqui se ouve a voz de Deus, se sente a sua presença e é obrigatório respirar profundamente. Olhar o horizonte, atravessar a ponte e sorrir. Mandar parar o tempo. E ser feliz.