quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Aniversário

Hoje a minha mãe faria setenta e quatro anos...
Há vinte e quatro anos e estando eu com uma barriga descomunal e com o tempo de gestação cumprido e a passar de prazo, a obstreta, Helena Lage, uma angolana do sul de Angola e minha vizinha à época, que me acompanhara a gravidez, mandou-me baixar à maternidade do hospital.Eu não queria. Não queria que o meu bebé nascesse no dia de aniversário da avó.Para além de tudo o que isso implicaria, o meu menino tinha o direito de ter um dia só dele.
Estava por tudo, porque me queria livrar daquele barrigão que me tornara um mostrengo inchado e disforme, mas nascer naquele dia, não...
Porém não tive como tirar a idéia à doutora que preparara tudo para me pôr a soro e me provocar o parto.E fui à hora marcada.E como ela dissera, passara no banco apenas para formalizar a minha entrada e circulação.Quando cheguei à ala da maternidade, percebi que não teria a minha criança naquele dia, porque não ficaria ali muito mais que um segundo.A enfermeira parteira, chefe da maternidade iria encarregar-se de me pôr a mexer do hospital para fora. Porque era odiosa e perseguia todas as doentes da doutora. Porque eu entrara ali sem um pingo de subserviência e ela já me conhecia de outros carnavais e iria vingar-se porque me apanhara numa situação mais delicada e subalterna.Porque detestava a doutora, pois queria reinar num lugar onde em tempos fora rainha e ao chegar Helena Lage acabara-se-lhe o reinado.Porque não tivera filhos.E porque era imcompetente e desumana.
Ralhou, ralhou por me encontrar dentro do serviço de obstétricia sem o papel do banco para o internamento. Não me quis ouvir e a mim não me apetecia ser ofendida por detestável criatura, como não me apetecia parir, que isso custa o diabo, e parir no dia de aniversário da minha mãe, muito menos. Dei meia volta e muito senhora da minha barriga, rumei a casa. Ninguém conseguiu convencer-me que teria que voltar ao hospital e ao soro, para ter dores, e a criança, com aquela megera por perto. Que estava domada, que estava tudo esclarecido, mas eu não voltei lá.
No dia seguinte, pelas nove horas dei entrada no hospital, calma e serenamente para ter o meu bébé.
A mãe fez anos em paz, num dia que era só dela.
Hoje fico feliz por se ter cruzado no meu caminho a megera da enfermeira.
Hoje a minha mãe faria setenta e quatro anos.
O meu bebé que entretanto se fez num homem bonito, inteligente, sensível e honesto, amanhã completará vinte e quatro anos.

Sem comentários: