quinta-feira, 30 de agosto de 2012

reflexão



Hoje é dia de reflexão.
Na verdade, há dias de reflexão.Qual a postura adequada para que todos saibamos que ali há alguém a reflectir? Silêncio é ponto de honra. Um muro, uma varanda, um patim, um banco, uma pedra.O olhar? Longe. Num pon
to que só a gente vê. Que parece que só a gente vê. 
As mãos tocando-se. Entrelaçando-se dedos. Os pés do mesmo jeito. Encaixados um no outro. A temperatura? Ambiente. Nem calor nem frio. O cacimbo já lá vai, o tempo das chuvas se aproximando…O coração, ao largo. A mente, lúcida. O interesse? O futuro. Mas, ninguém reflecte porque lhe apetece. Ou porque está para ali virado. No mapa, o continente ganha forma. O país também. A bandeira. Escolher. Eis a questão. Ser firme e não lhe escapar a mão. Mas, escolher o quê? Um número. O destino. D’ um povo. Duma nação. Na verdade, há dias de reflexão… Na verdade hoje, o meu número é par.Mas, para além de tudo, AMO-TE ANGOLA!

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

bloqueio do facebook

Fui bloqueada no facebook. 
Não consigo aceder à conta. Não consigo mesmo tendo criado outra password, como eles mandam.
Penso no meu mural. Nos grupos a que pertenço. No grupo Amigos de Angola com quem tenho um compromisso sério, pelo menos eu vejo-o assim.
Penso nas fotos, textos e poemas que publiquei. Informação que me foi dada, números de telefone, moradas, que não passei para papel, amigos e família que apenas contactava através do facebock e chego à conclusão que há gente que não presta, mesmo. Porque será que não me surpreendo?

dia de hoje

foto tukayana.blogspot
Sentada no sofá da sala, com Dona Pitanga ao lado, encostadinha à minha perna, sinto a paz das noites calmas de um Agosto já no fim.
É o verão preparando-se para me deixar. É um tempo novo p’ra mim que sempre fiz férias neste mês. À exceção dos últimos anos. Afinal, Agosto é igual a Julho ou Setembro. Janeiro ou Maio. É tempo e com ele  o que ele nos traz. Este Agosto tem sido quente. Tem sido a ponte entre um período de férias e outro mais curto, mas férias, que nunca é a mesma coisa que trabalho.
A minha manhã começou com a  tosse chegando, o nariz entupindo, a cabeça rodando. E a vontade de ficar. Na cama. Até estar farta. Para quem se deitou com as galinhas, acordar não podendo com uma gata pelo rabo e com uma gata que tem o nome de fruta redondinha e vermelhinha, apetitosa e desejada, mas não é a fruta, tentando chamar a atenção e indiferente ao meu mal-estar, é de perder a paciência e desatar a dizer palavrões porque há que arranjar um bode expiatório. Ou gata, sei lá!
Mas como sou, antes quebrar que torcer, enquanto mexer os olhinhos, os dedos dos pés e elevar o corpo para a vertical, eu vou. Eu vou trabalhar. Não pelo trabalho mas pelo dinheiro, ah pois, sejamos honestos. Já ninguém me apanharia  doente no emprego, não fosse o dinheiro que me subtraem, se  meter atestado. Já não sei o que isso é. O último e mais longo atestado foi há 5 anos quando me vi a contas com a minha cervical e não era capaz de fazer o movimento do pescoço p' ra cima e p' ra baixo para poder trabalhar no computador, nem tão pouco conseguia mexer o braço esquerdo. Mas já lá vai, tal como tudo o que veio depois de ruim e que não ajudou nada à cervical, pelo contrário, pesou-a um pouco, muito, mas nem por isso me fez faltar ao trabalho. Poderia aqui fazer uma brincadeira, pese embora de mau gosto, mas não. Vou resistir para não resvalar para o vulgar. Assim como assim, já me sinto liberta e leve de novo.
Arrastei-me viaduto acima, acenei num cumprimento a dar para o fleumático, mas a pessoa merecia. Aliás, a pessoa deitou o braço de fora antes de eu a ver. Não evitei pensar se quando me for daqui embora vou sentir falta disto.
O dia passou, como quase todos passam. Entre benurons e chás e vontade de ir à farmácia.
Na volta a casa foi o que fiz. Entrei na farmácia do saudoso dr. Pontes. E tive uma surpresa. A Catarina, filha do meu ex-médico ao balcão. Esta menina foi colega de escola da caçula. Lembro-me dela, uma menina de 7 anos. E ainda não me esqueci do que o seu pai me fez. Ou não fez. Depois, lembrei-me que é sobrinha da Zé, por  via do marido. Faz sentido, este emprego. Ainda estava de volta do meu pedido quando apareceu a dita Zé, dona da farmácia e filha do falecido dr. Pontes que era uma joia de pessoa. Olá, como está? A que respondi com um olá sorridente. Estivemos juntas no velório e no funeral do meu colega e cunhado dela, A.B.D. e mais tarde a jantar na Tasca. Cada uma na sua mesa, claro.
Lembrei-me do B. Era um gentleman. À moda antiga. Privei com ele quase tantos anos como os que tenho de torres novas. Nem mais um militar para a Guiné, dizia ele encerrando os trabalhos às 5 da tarde, ele que nem tropa foi. Escapou por pouco. Não escapou da doença…
Saí da farmácia a caminho do Modelo. Para quê? A comida de dona Pitanga. É que nem doente eu posso ambicionar chegar à cidade e ir de caminho para casa. Atravessava a rua quando um carro preto com umas mãos acenando-me, me faz olhar e sorrir. Era a Laínha. Sempre bem disposta esta criatura, sobrinha da ex-educadora de infância das minhas crias e mulher do meu kamba da Gabela, Zé António. Ainda não tinha entrado no supermercado e a mulher do Lopes, meu ex-colega aparece-me bem à frente do nariz. Má volta, com o diria o seu marido, meu ex-colega. Não a conheci. Envelheceu, claro, não vai para nova, eu é que penso que as mulheres deviam parar na idade, a partir de determinadas rugas. Não acontece, infelizmente.
Finalmente estou dentro do estabelecimento. Despacho-me rapidamente e vou a tempo de esperar uns minutos pelo TUT que passa ali em frente, às 6 e 5. Quando vou para entrar, percebo que sentadas estavam mãe e filha, minhas ex-vizinhas da Miguel Bombarda, a nora do sapateiro da Travessa e também a neta. Não a via há anos. Já no TUT, passando exatamente na Miguel Bombarda onde estas duas ficaram, avistei o Necas, passeando a velha, ou nova pasta. No fundo, a pasta. Outra criatura que podia ter sido ex. Um ex-cunhado se eu me tivesse encantado pelo irmão que se encantou por mim e queria muito que eu me encantasse por ele, mas não, coisa de pele, de vísceras, o meu  s anto não dava com o dele. Se isso tivesse acontecido,  hoje  seria viúva pois o infeliz acabou tendo um enfarte.
Hoje, na verdade só se cruzam comigo, pessoas que conheço e que de alguma forma foram qualquer coisa na minha vida mas já não são. O Necas continua com o mesmo ar de bon vivant que sempre teve e foi. Aposto que continua de costa direita, passeando a pasta e armando em rico, tentando engatar raparigas (?) um pouco mais novas que ele. É pessoa para mais de 65 anos mas nunca teve juízo. Ouvia dizer aos que gravitavam por ali à volta – Ele é que a leva direita! E pelo jeito, continua a levar. Agora com muito menos cabelo;  nos segundos que me fixei nele,  levou a mão ao cabelo, o pouco que lhe resta, num gesto de vaidade que o caracterizou sempre, uma meia dúzia de vezes.
Há coisas que nunca mudam. Quem mudou foi a Gina, filha mais velha da Lourdes, a minha ex-vizinha angolana, da avenida brasil, mãe do Alfredo da Tasca. Vi-a também quando passávamos pela Rodoviária. Bonita como sempre nos seus olhos azuis, cabelo loiro e pele branca, em nada denunciando o sangue negro dos antepassados; não fosse parecida com a mãe e poderia dizer-se que fora adotada. Bonita como sempre mas muito mais gorda. Eu esqueço-me de como o tempo passa também para os outros. Ainda há pouco a via, vestida de igual, de puxinhos enfeitados por laços de cetim, com a irmã, passeando-se pela avenida brasil, de mão dada com a Lourdes, pequenina, de 3, 4 anos e já está bem mais velha do que a mãe nesse tempo. Casou com um neto do sapateiro da Travessa.  Ficou sobrinha e prima respectivamente, das criaturas que acabaram de sair do autocarro.
O autocarro parou na minha paragem, mesmo em frente ao Ciclo. Desci. Olhei a loja da Rita, mas não entrei. Ia carregada, pois atrás das latinhas da Pitanga, vêm iogurtes, cuscuz, tofu, tortilhas de milho cobertas com chocolate, enfim 20 euros de compras, sem que saiba ler nem escrever nem sequer desconfiar, pois agora já não sou capaz de saber quanto vou gastar só de olhar para os artigos. Aliás, já nem sei fazer contas de somar. A Rita tem estado de férias e foi substituída por outra rapariga simpática mas inexperiente, que quase que de minuto a minuto, telefona para a Noémia, a patroa, para saber o preço dos artigos. Por exemplo, eu compro uma água das pedras. Vêm num pack de 6,  e têm o preço do pack. Ora a criatura vai telefonar para saber se deve dividir por 6 o preço do pack para assim achar o preço duma unidade.  Não há paciência que não se esgote e eu que tenho a mania, defeito, de acabar as frases  a quem não se despacha a falar, sei que é má onda mas o que querem? faço isso à Eduarda ( ex-colega também ) que gagueja que eu sei lá e nunca se queixou desta minha mania, fico ali à espera e nunca mais é, ora, nestas alturas, apetece-me puxar da maquineta e fazer eu a conta rapidamente. Mas não. Nem tudo o que nos apetece podemos fazer. Ó se pudéssemos!
Quando subo as escadas de casa já vou quase no céu. Acabaram-se as vistas. Os ex todos, disto e daquilo, da minha porta para dentro, só quem eu quiser e a Pitanga.
Que fim de tarde! Doente como me sinto e com esta agitação toda, volto a perguntar-me se terei alguma pena de perder isto quando me for embora. Terei? Se calhar, terei. Afinal 37 anos são uma vida. E estas e outras pessoas daqui são as pessoas com quem me relacionei e relaciono. Fazer o quê?
Quando falo com a Pitanga de cima para baixo, quer dizer, para o tapete da entrada, pois que  sempre afia as suas unhas assim que abro a porta, pois que ela praticamente se atira para fora para esse ritual que dependendo da forma como chego a casa, me desespera, mas dizia eu que quando lhe estou a propor que entre em casa, oiço: Clara? És tu? Sim, sou eu. Já aí vou, por causa do condomínio. Ainda não foi desta que bati com a porta, fechei-a à chave e coloquei a corrente. Era a  vizinha do 1º andar, que conheço desde o tempo do Bob’s, a primeira discoteca da cidade onde eu marcava ponto todos os dias praticamente, que casou com o meu ex-colega Betinho, lá está, mais um ex.
Quando às 7 me sentei, suspirei de alívio. Sobrevivi…Ufa!
Agora vai de espirrar, lacrimejar involuntariamente, e ranhosa que estou, puxar de lenço atrás de lenço. Tocou o telefone. A amiga Lídia para me dizer que já veio de férias. E esteve nisso até que quis. Horas. Contando as peripécias duns dias na Beira Alta. Depois uma cria e outra querendo saber como me sentia. Eram mais de 10 horas quando pude pensar: Enfim, sós e sossegaditas. Mas não. No facebook, uma criatura chama-me quidona. Passei-me. Noutra altura qualquer teria ignorado ou simplesmente apagava o comentário. Mas não. Hoje foi a gota d’água. Quidona? O tanas. Ainda lhe dei uma hipótese. Repetiu. Eh pá, com amigos ordinários, mesmo que virtuais, vale mais ter inimigos. Ao menos esses olham-nos nos olhos na hora de um qualquer palavrão ou insulto.
Quidona? Foi com os cães, que nem pestanejei.
Estou no fim da noite. Daqui a nada vou dormir. Espero não ter mais surpresas. Quer dizer, depende. Se for uma coisa boa, não me importo. Doente  já não fico. E posso muito bem melhorar…

terça-feira, 28 de agosto de 2012

sou humana, não é?




Os cavalos também se abatem, nome de livro, filme, frase feita, lugar comum. Muito já se escreveu a propósito. Muitos são os que a usam. Preguiça para pensar? É mais fácil usar uma frase feita? Ou porque são rápidos no gatilho?
Que sei eu?! Quase me apetece responder - eu sei que nada sei.
Cada vez sei menos, na verdade. E se por um lado me inquieto, por outro ocorre-me que quanto mais dúvidas tiver, mais perto estou da sabedoria, porque me proponho a questionar.
Os cavalos também se abatem, é mais uma resposta reflexa estimulada por outra frase do lugar comum - Uma mulher de armas.
Pergunta um pouco inconsequente - Doente? Que é isso? És uma mulher de armas.
Resposta disparada à queima roupa - Os cavalos também se abatem.
Depois, bem… fragilizada que estou com umas dores que me prostraram e me fazem sentir à mercê do universo, ao deus dará, para lá de mal, enfim, com um problema que, sozinha que vivo, não posso ter,  fico a pensar no que transmito aos outros.
“ Mulher de armas “. Como posso eu ser uma mulher de armas? Não tenho licença de uso e porte de arma. Não sei disparar. Não sou sequer uma armeira.
No máximo, serei uma armada. Não da marinha, mas aos cágados, ao pingarelho, aos cagaréus, em parva, em esperta, em mete nojo, em carapau de corrida, em boa…
Por vezes pareço armada até aos dentes, mas na verdade, nem tudo o que parece, é. Coisa de, vale mais sê-lo que parecê-lo, que por não ser verdadeiro, cai por terra, como os cavalos que também se abatem. Ou a tanga de que não basta sê-lo, tem de parecê-lo como à mulher de César e que também não se aplica aqui. Pois que me revejo constantemente em personagem, pelo que já não sei o que sou, quem sou ou porque sou. E é aqui que a porca torce o rabo. Quer-se dizer, meia dúzia de chicos espertos,  iluminados, fãs,  amigos, ou simples observadores do ser humano,  passam-me a mão pelo pêlo para me mimarem, julgam conhecer-me ou quem sabe conhecem mesmo e vêm-me qual Maria da Fonte, Catarina Eufémia ou Rainha N’Jinga num siga a marinha, para a frente é que é o caminho, que a morte é certa e não és nem flor de estufa nem pessoa de encanar a perna à rã, por isso deixa-te de frescuras que a cama é p’ra dormir e pouco mais, sendo que o pouco mais não tem forçosamente que ser na cama, e circula, que circular é viver e esse mambo aí, de gente fraca não é p’ra ti…
E é assim que dou por mim a imaginar-me essa mulher poderosa que conduz a sua vida com tenacidade, força, altivez, elegância, como os cavalos. Que afinal, também se abatem.
Dou por mim a pensar que as doenças também se combatem. Com teimosia, coragem e garra. Pelo menos os pequenos e temporários males. 
Dou por mim a pensar, claro está, que, sendo hipocondríaca, estou a armar ao pingarelho querendo ser  uma mulher de armas, armada até aos dentes, e ninguém dá por nada. Ou dá?
Dou comigo a sorrir perante a ideia que fazem de mim, que me querem transmitir e que faz melhor que um Melhoral que nem faz bem nem mal.
Sou humana, não é? 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

estou mesmo doente


Passion Pit - Take a Walk

diário

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“ Não te atires p’rá barreira, que está cheia de pó, atira-te antes a mim, que vivo triste e só…”, cantava assim aquela a quem apelidam de “ maluca “. Veste de preto, transporta vários sacos, tem uma cor morena do sol de todo o ano, desloca-se por toda a cidade, que mais parece uma flecha  e  não se mete com ninguém, não é ruim para os miúdos, nem anda ao deus dará. O que lhe aconteceu que a tornou deste jeito, em tempos alguém mo contou mas esqueci, como me esqueço dela também. Aqui chegada vejo-a e lembro-me dela de novo. É uma figura da cidade.
O fim de semana fora de portas, quando a gente não conta, é um acontecimento único. Tudo feito em cima do joelho, às pressas, planos a alterarem-se, malas a fazerem-se e zás. Um pé na praia outro na piscina. Ambos no chão que me observou e mimou tantas vezes. O coração ao alto, a mente mandando para trás da costas o que não faz falta, o espírito gozando já de prazer, eis o fim de semana. Pródigo em surpresas.
A água do mar morna. Vento fraco na noite de 6ª feira. Uma loja de roupa em segunda mão, feira de artesanato, as esplanadas do centro repletas, muita gente nas ruas quer de dia quer à noite. Esplanada. Espreguiçadeira. Toalha de praia e protector solar. O Pedro, do restaurante, a chegar-se à mesa no primeiro dia, para cumprimentar, o que achei uma delícia. A massa com frutos do mar também estava muito boa. O bolo de chocolate com bola de gelado, divinal. E a sapateira recheada? A salada de polvo? E os camarões? O pão torrado. E a manteiga…
O pequeno almoço do hotel, bom como sempre. A piscina de fora com muita frequência. O jacuzzi óptimo.
A alegria de me saber a passar o fim de semana com ambos os meus amores.
“ Não te atires p’rá barreira, que está cheia de pó…"

domingo, 26 de agosto de 2012

ai que bom...

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Quando o vi de braços abertos, sorriso de orelha a orelha, olhos brilhando numa luz única e singular, correndo para os meus braços, não cansei de repetir depois do primeiro instante de surpresa:
Ai que bom, ai que bom, não sabendo se havia de chorar ou rir de emoção e surpresa, e sem desmanchar o sorriso de orelha a orelha, braços envolvendo o seu corpo, lábios beijando o seu rosto, luz iluminando-me o olhar, percebi que fazia sentido. Todo o sentido.
Naquela terra onde fomos felizes durante tantos anos, de Janeiro a Janeiro, finalmente, ao fim dos últimos anos de ausência e desencontros, conseguimos estar todos juntos de novo.
Eu e os meus amores…
Olhei-a e ela sorria feliz e cúmplice, enquanto eu o abraçava.
Percebi que fazia sentido. Todo o sentido.
Ao longe, entre o mar e o céu, a nuvem e o sol, a gaivota e a traineira, pareceu-me ver um piscar de olhos. E um sorriso. Um aceno de mão.
Senti então um forte toque no meu coração.
Neste bonito sábado de Agosto, mais uma vez entre outras, soube, que ser feliz é isto.
Obrigada família.
 

Cegonha Carlos Paião

neste sábado foi assim

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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ovos escalfados com molho de tomate

O meu jantar hoje foi tipicamente ribatejano.
Aqui chamam tomatada com ovos escalfados. 
Em fatias de pão. 
Este prato era o único que eu não gostava até há pouco tempo. 
Agora...
Por isso cada vez mais aconselho a que nunca digam que desta água não beberei, quer dizer, esta comida não comerei. Vejam por mim...

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

da minha janela no fim da tarde


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pela manhã viaduto fora


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divagando II

Digo eu sem querer esforçar-me muito…

Sou intuitiva e por isso intuo
Sou curiosa e por isso procuro
Sou preguiçosa e nem sempre encontro

Concluo bocejando que, de nada vale achar se não me dou por achada.
m.c.s

divagando

Sou pitosga e nem sempre vejo os sinais
Portanto se achares que não estou a entender, não gesticules, desbronca-te…


m.c.s.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

diário

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Abri um olho, depois outro. Olhei a persiana fechada. Nem sinal de dia nem sinal de sono. Tentei encontrar a Pitanga. Nada. Virei-me e toquei-a. O seu focinho estava encostadinho  a mim. Nas costas. Lambeu-me a mão e deixou-se ficar. Não evitei pensar que fico à sua mercê, toda a noite. Nunca até hoje tive razão de queixa, por isso sossego o espírito. Habitualmente acordo com o despertador do telemóvel, desligo-o, e ela aparece-me de imediato. Mas há dias que se impacienta e acorda-me. Fá-lo, tentando abocanhar o  meu queixo ou nariz. Ralho e ela pára.
Não me apetece dormir nem tão pouco ficar na cama a engonhar. Ontem acabei o dia em Leiria a comer porcarias que me fizeram mal e me impediram de ter um sono sereno e repousado. Andei quatro horas no centro comercial, entrando e saindo de lojas, numa missão de conselheira de moda e cheguei à conclusão que teria saída se acompanhasse gente que se quer vestir e empiriquitar por pouco dinheiro pois que habituada que estou a olhar os preços dos trapinhos, a entrar nas lojas mais em conta ou a procurar saldos, seria uma atividade fácil de desempenhar e pouparia rico dinheirinho a quem quisesse os meus serviços. Hei-de pensar nisso…
Trato da D. Pitanga que me parece sempre esfomeada de manhã. O tempo que tenho a mais permite que relaxe e tudo faça com calma. Saio para a rua. Ela fica à entrada da porta a olhar-me cor de céu, cor de mar. Apetece-me levá-la comigo. Atiro-lhe um beijo e digo, nem acredito que digo, mas digo para se portar bem, porta-te bem, bebé. Estarei louca? Acho que não. Todas as criaturas como eu fazem isso, eu oiço-as.
Vou enfrentar mais um dia de trabalho a que o comum mortal chama turnos por estarem os tribunais de férias. Não é verdade. Os turnos são para os magistrados. Esses sim, trabalham neste período de férias dois a três dias e nos restantes estão a banhos ou não. Mas não estão onde estamos nós.
No meu percurso a caminho da boleia que estará ao cimo do viaduto, encontro a mulher do Mourão; nunca soube o nome dela e conheço-a há mais de 500 anos. Está a abrir a tabacaria. A mais de 15 metros de mim, acena-me e dá-me os bons dias simpaticamente. Já não estranho, mas se fosse noutros tempos achava que pirara, antipática como era e sempre fazendo vista grossa aos clientes que frequentavam a esplanada do jardim de que era concessionária. Mudou. Bastante. Sei porque mudou. Também eu mudei e também sei o que me fez mudar. Contudo fui pensando nisso a caminho do viaduto.
O calor aperta e cada vez mais me parece clima africano. Fico pegajosa e a sentir-me porca e ainda agora saí do banho. Tenho de apanhar o cabelo com uma mola antes de iniciar a subida. O Luís M. disse-me há tempos numa boleia que me deu até lá acima, que eram 600 metros.  Hoje são mais de 1200. Só iguais aos dias de chuva intensa em que fico ensopada, que quando cai, deus a dá numas mãos largas que me faz dizer raios e coriscos. Há uma solidão imensa e triste quando se sobe o viaduto a caminho do emprego. Os automóveis deixaram de passar porque as gentes estão de férias. Sobretudo as gentes pequeninas pois que tenho p’ra mim que a maior parte dos automóveis que descem, levam alunos para as escolas. Subindo comigo, poucos ou nenhuns.
A cidade está bonita. Cheira a verão. Mas está deserta. Ou quase. Será que quando me for daqui embora vou sentir-lhe saudades? Acredito que sim. Eu sou um pinga amor por tudo o que me rodeia.
Há uma presença atrás de mim. Passa quase a tocar-me. Reconheço-a. Ex-mulher por duas vezes duns engenheiros que conheço. A mulher ou não teve sorte ou é teimosa, porque o mundo não tem só engenheiros, há dos outros também, os tais da mula russa. Se calhar...
Está mais magra. Volta e meia vejo-a a andar à tarde. Quando era jovem era uma mulher muito bonita, com um cabelo loiro natural, penso eu de que…, olhos claros, azuis, acho, pele branca e com estilo. Está mais magra, mas nunca será magra. Porquê? Porque tem a coxa grossa. O que é que querem? A mulher vai mesmo à minha frente. E tenho de me distrair para não sentir o coração a querer escapar-se-me pela boca, do calor e do cansaço. Do desconforto.
Quando páro à sombra duma tileira, à espera da minha boleia, vejo passar mais duas criaturas vestidas desportivamente. Hoje é dia. As pessoas estão de férias neste Agosto quente e aproveitam para porem a conversa em dia, beberem um café e andarem.
Olho de novo a cidade e penso em Luanda. Quando estou aqui parada penso sempre em Luanda. Não sei porquê mas o jardim do rossio lembra-me a minha terra. Não tem nada a ver... 
Vejo o polícia reformado que mete o joelho para dentro. Não sei o seu nome. Já não me lembro. Era da velha guarda do meu tempo de torres novas. Todos os dias esta criatura faz uma caminhada. Passo por ele quando vou para o autocarro. Ou quando vou ter com a caçula para jantarmos, ou quando subo o viaduto. Parece que não faz mais nada senão andar. Deve ter apanhado um grande susto. Os homens só quando os apanham é que se resolvem a fazer algo pela sua saúde. O chefe Cardigos foi igual. Foi até operado ao coração. E só depois é que passou a fazer a sua caminhada. Passa por mim e acena-me educadamente. Fá-lo sempre. Tínhamos uma boa relação profissional. Mas nunca o via desfardado. E agora que não lido com ele há mais de 13 anos, esqueci o seu nome. Como é que é possível? É…
A minha boleia chega. Quase que me jogo para o banco. Mais um dia para viver. É a vida!


carro do fumo/tifa


António Zambujo - "Flagrante"

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Albatross - The Shadows

os dias


Há dias estranhos. Como o de hoje. Dias que não passam.
Apesar de tanto se falar do tempo que corre sem parar.
Estranhos porque não cabemos neles.
Há terras onde os dias não passam. Terras nas quais não cabemos.
Dias e terras cheios de nada.
E nós a querermos ser gigantes. E  nós, pobres de nós, pequenas formigas…
Lembro uma pessoa próxima na minha existência profissional que me dizia ser eu e os meus filhos pessoas que não cabiam nesta terra. Que a terra, pequena, para gente como nós, não nos dava o mundo que precisávamos. Na época sentia uma certa vergonha dando crédito a essa presunção. Mas que provocava alguma instabilidade no meu conformismo aparente, provocava, e acabei tomando a única atitude possível para afirmações destas que foi, deixa-me cá perceber porque raio ela diz isto, sendo que não é para me bajular. E de pensamento em pensamento fui percebendo, sobretudo quando me remetia para Luanda, mundo meu já tão intensamente vivido e a viver de novo, sempre que depender de mim. No olhar posto sobre o horizonte infinito vendo-me nele, acreditando que sou capaz e que esse mundo também é para mim, para já não falar das crias. E intrigava-me como se fazia em mim essa leitura de alma curiosa, incoformada, insatisfeita, sôfrega. Como se encontravam as palavras mágicas de ser poucochinho o lugar onde me encontrava, com o que tudo isso implicava para o meu espírito  inquieto, sonhador e ansioso de ser um pouco mais que gente comum. Um pouquinho mais…
O suficiente para não ficar metida entre quatro paredes, entre montes e serras, navegar em rio de águas paradas, andar por caminhos de becos  sem saídas.
Há pensamentos e pretensões que nem ousamos pensar alto com receio de que até os surdos oiçam e nos façam a folha. E nos tirem o retrato, que nunca é o verdadeiro. E nos façam mal, o que em terras pequenas e opressoras significa carimbado para sempre com o sentimento ruim da inveja e da maledicência.
Hoje, o dia não passa. A terra faz-se presente mais que nunca e eu não sei como me sinto. Mas que me sinto, sinto. E não gosto deste sentir que ganha um certo jeito para o abatimento e queda na minha persistência e garra. Na minha gana para vencer.
É nestes dias que me vejo sem chão onde cair morta e desanimo.
Talvez amanhã o dia me acene.
Talvez amanhã haja alguém que me diga de novo que esta terra é pequena para o meu crescimento e que se fico nela rebento-lhe as costuras.
Talvez amanhã, seja diferente.
Talvez eu acredite…

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

lá é lá


Está um calor que não se pode. A minha casa, por ser o último andar, é um forno e eu sinto-me a assar dentro desta caixa de fósforos que parece que vai pegar fogo.
A Pitanga também está toda espapaçada e cada uma para seu lado aguentamo-nos à bronca pois que parece que até ao fim de semana o cenário é este e a temperatura é sempre a bombar, subindo até aos 40 graus.
O Ribatejo é a região mais quente, a par com o Alentejo, neste país tão pequeno como uma ervilha, mas o suficiente para estarmos em Peniche de casaco e aqui a tirarmos peça a peça toda a roupa que nos aquece.
Se queria estar em Lisboa? Claro que queria. Era tudo muito mais fácil. Lá, tenho ar condicionado. Lá faz menos calor. Lá o calor é outro e eu dou-me bem com esse aconchego de crias e amigos. Lá posso sair e voltar para casa nos diversos transportes públicos e às horas que me apetece. Lá é lá…
Daqui a nada vou andar. Passear mais do que andar. Não me apetece mas apetece-me muito respirar ar puro e fresco. Senti-lo no corpo.
Bem sei que à segunda-feira nada tem a cor da harmonia. É às segundas-feiras que cometo mais asneiras, peco mais, sou pior pessoa. Por isso e porque não gosto de me sentir assim, fico por aqui.
Adeus e oxalá.

pescada com molho de caril


Pescada com molho de caril

Ingredientes:


- mimos ou medalhões de pescada
- cogumelos frescos
- 1 colher de sopa de caril
- 1 pacote de natas
- 2 dentes de alho
- 1 fio de azeite
- um pouco de água
- sal e pimenta q.b.

Preparação:

Levei o fio de azeite com os dentes de alho bem picadinhos ao lume e deixei o alho libertar o seu aroma.
Acrescentei os medalhões e deixei lourar de um lado e do outro.
Acrescentei um pouco de água e temperei.
Deixei cozinhar assim durante 10m em lume não muito forte.
Adicionei os cogumelos frescos que entretanto laminei, as natas e o caril e deixei cozinhar durante 10m.
Servi com uma salada de alface e arroz de cenoura.

paté de pato


Paté de Pato

Ingredientes:
peito de pato
2 ovo(s) cozido(s)
maionese
2 gota(s) sumo de limão
1 c. sobremesa ketchup
q.b. cerveja c/álcool

Preparação:

1. Coza o peito de pato e desfie.

2. Picar muito bem o pato desfiado, o ovo cozido, e misturar a maionese, o ketchup e um pouco de cerveja branca, para obter consistência de patê.

3. Servir bem fresco sobre tostas, como entrada, ou para rechear sandes, sobre folhas de alface.

domingo, 19 de agosto de 2012

é dia mundial da fotografia


sumo maravilhoso

foto tukayana.blogspot
Beterraba, melancia, banana, alface, sumo de laranja ( pode ser de limão ), sementes de chia. Hortelã e gelo.  

sem rede



Deixo sair a luz que prendi num canto escuro e escondido do meu ser sôfrego.
Deixo que a manhã espalhe o perfume de rosas brancas, lírios e jasmim, que florescem e  se iluminam em mim.
Deixo que o sol se erga no alto do seu pedestal, morada da minha alma sequiosa de cor, alegria e paz.
Caminho propositadamente devagar ao encontro do dia.
É domingo e há algo em mim que me fala palavras de incentivo e harmonia. E acrescenta  doce e singular melodia, a cantar e bailar.
Dever cumprido e a cumprir.
Desenho palavras de agradecimento no azul celeste, tecto meu, chão também, universo a piscar-me o olho travesso. E a sorrir.
Hoje vou ser feliz, porque quero e sou capaz.
Sem rede. Nem filtro.


turistas na Linha

foto tukayana.blogspot.com


Olhe qui béléza meu bem!
Olhe os barquinhos que você gosta de tirar foto...
Esse rio é lindo!
Praia legal, essa aí. Tanto povo…
Lembra o bondinho? Aqui eles falam ilévádorrrr…
E de repente dei comigo a ouvir esta turista, que viajava atrás de mim, completamente fascinada por portugáuu, repetindo que é légaaaaau, desde  Cais do Sodré  até Cascais.
Chegados a Cascais e apesar do mapa ser maravilhoso, disse ela, julgavam-se ainda no Estoril que “ não é tão legal como Bélém “ apesar de “ essa rua aí tem palacetes maravilhosos “. Custou-me que não soubessem aonde estavam. Levantei-me, olhei p’ra eles e disse: Já chegamos a Cascais. É estação terminal. E sorri. E fui brindada por dois sorrisos bonitos, de gente de 40 anos, com muito bom ar, e também de um agradecimento em uníssono.
Apeteceu-me retribuir, dizendo: Di nada, cára. Tudo legal.
Seguiram caminho, que de todo, não era o meu.
Ficou-me uma frase a lembrar-me os perigos do acordo ortográfico e da portugalidade:
- Lembra o bondinho? Aqui eles falam ilévádorrrr…



Ahahahahah!

Tem hora que essa minha terra, nuanda mesmo.
Mas, com jeito...vai!

paracuca

Aprendi a fazer paracuca...

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

o dia de hoje


Hoje é feriado. O último que havemos de comemorar, na boa vida. A igreja abriu mão.
Eu, que por acaso, ou não, tenho um carinho especial por esta data, não gostei dessas mãos largas da igreja, mas quem sou eu? Um número.
Senão vejamos. Bilhete de identidade. Contribuinte. Eleitor. Passaporte. ADSE. E por aí adiante…
O dia, triste, triste que eu sei lá, talvez porque já chora por saber da sua sina para o ano que vem, apresenta-se-me como um intervalo nestes dias de trabalho de Agosto que mais parecem castigo do que dever de trabalhador deste país baralhado, amuado e tramado, p’ra não dizer palavrão,  por uns e outros.
As férias dos outros dizem muito dos outros e de mim. Todos querem estender-se ao comprido e relaxar num qualquer lugar plástico ou não, e de preferência a esticar as vistas para o sonho( por vezes passa a pesadelo, mas isso…logo se vê ) que pode ser, uma caipirinha, já aí vem?, uma água de coco, também não me importava, ou para a boazuda que acabou de passar o bronzeador no corpo, isso já dispenso, não é por nada mas sou heterossexual, só por isso, apesar de estar daqui do sofá a imaginar a dita passando devagar o dito, e o vizinho ali da espreguiçadeira, debaixo dos seus óculos escuros num disfarce que a gente há muito que sabe que não é para resguardar os olhinhos mas para se resguardar duma cotovelada da parceira do lado, então o que vem a ser isto? Pergunta ela despeitada porque quem dera ter aquele corpinho de sereia, essas atrevidas vêm para aqui provocar os homens das outras, vê-se mesmo que é brasileira, ou africana, deviam correr com elas daqui p’ra fora é o que é, e tu seu parvalhão? Ainda olhas? É por essas e por outras que há tantos divórcios. Respeitinho, nem do teu filho tens respeito…Desavergonhadas!
As férias dos outros podem ser piores que as minhas mas se eles estão de férias, estão melhores que eu com certeza e eu fico assim a dar para o arreliado e como cão a roer ferro por não estar no lugar do outro. De forma que um feriado a meio da semana, naquele dia que faz a separação entre a tromba estendida, que nunca mais chega sexta-feira e o sorriso rasgado até às orelhas, já lá vem a sexta, já, já, iêeee, cai que nem ginjas, e é essa fruta boa, que convertida em licor, ainda é melhor e que faz logo lembrar lazer, viagens, férias, com passagem por Óbidos onde se bebe uma ginja de chorar por mais bebida e viagens que nos levam a sítios bestiais, repito, e é essa fruta boa que nos querem tirar. Aliás tiraram-nos já, pois que para o ano diz quem sabe que tarde piaste.
Na verdade é menos uma missa de feriado que têm de rezar os que abriram mão do dia santo.
Não sei, mas se calhar foi isso, afinal p’ra eles são todos, dias santos.
Lá está. A gente só pensa no nosso umbigo. Eu para o ano também não preciso desse feriado que curto himalaias e do qual tenho recordações bué da fixes. Vou reformar-me antes, espero. E vou bazar, bater com a porta, adeus e oxalá, vai ver se estou na esquina que a morte é certa, eu já trabalhei muito e quero os meus feriados de volta. Vai ser o contrário da frase, patrão fora dia santo na loja. Vai ser mais, patrão em casa e dia santo todo o santo dia…
Enquanto isso, olho para o dia de hoje e sinto pena dele. Escolheu chorar em vez de sorrir num sol radioso. Eu, que sou filha de Deus, vou fingir que não estou a ver, vou olhar mesmo por cima da burra, almoçar com a caçula e passar uma tarde bem boa, porque intervalos destes a meio da semana são preciosos e há que aproveitá-los. Não beberei caipirinhas, nem verei matulões passando bronzeador e exibindo músculos criados em ginásios, nem tão pouco o mar, mas uma massa espetacular me espera, o rio Almonda está aí a dizer que também é gente, quer dizer, também é lindo de ser  admirado pela gente e a caçula e o seu príncipe são as melhores companhias que eu podia ter a meio da semana em dia de descanso, no ribatejo.
Um bom dia para todos, de férias ou não. Que o passem como o desejarem. Eu não sou esquisita com a vida dos outros. Só com a minha e às vezes olhe lá…

parabéns

" Um torrejano entre três

Nelson Silva é um dos três torrejanos, todos ex-atletas da Zona Alta, que estão em Timor com uma missão mais vasta. A actividade desportiva está numa fase de desenvolvimento, depois de em 2010 ter sido aprovada a Lei de Bases do Desporto. Ana Patrícia Ferreira e Leandro Santos (este, ex-basquetebolista) são docentes na Universidade de Timor, integrando o departamento de desporto. Patrícia Ferreira esteve por estes dias em Mafra, nos jogos da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), a comandar uma delegação de Timor. Já Leandro Santos está ligado à federação de basquetebol daquele país. "



retirado do jornal  " Torrejano "

Parabéns, Leandro.
Olha só o orgulho da tua tia!!!

terça-feira, 14 de agosto de 2012

sou



Sou o mar das minha emoções
Receptáculo das paixões
Onde me vou abrigar
Inspirar
E partir ao encontro de ti…

Sou um lago espelhado
Refúgio encantado
No desencanto a que sobrevivi
Corre um rio d’águas mansas
Dentro de mim
Não há noite, não há frio
Margens e marés
Não há fim…

Espalham-se sons cantantes
E cristalinos
Violinos
Poemas errantes
Que vão desaguar
Na foz do livro meu
No salgado e imenso mar
No doce encanto do seu marulhar
Onde mora um verso teu...
Para lá da minha pele
Para lá da minha mão
Para lá do pensamento
E da memória
Do tempo…
Para lá da razão
E da narrativa duma história

Sou um mar de sonhos a reinventar
Sou feliz por te sonhar…

m.c.s.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

não há coincidências




Há dias que parece que nada acontece. À minha volta…
Há dias que dentro de mim se instala a melancolia dos dias vazios.
A  solidão do espaço e das pessoas. De mim.
E o ego deixa-me e vai por aí fora tropeçando e acaba caindo no fundo.
Há dias que peço ao Criador uma notícia, um acontecimento.
Qualquer coisa de bom.
Que me faça sair do marasmo e da mediocridade.
Que me alegre e faça vibrar.
Que me tranquilize e me faça sonhar.
Hoje foi dia.
E senti a mão do Universo. O olhar de Deus.
Não há coincidências. O que há é a força das palavras.
Dos sentidos. E dos sentimentos.
Da fé…

m.c.s.

Dia Internacional do Canhoto - Lefty-handed Day

era uma vez um domingo...




Trago uma estória a este domingo. Não é uma estória qualquer.
Aconteceu há 39 anos e era domingo. 12 de Agosto, também. Não acredito em coincidências. Acredito em memórias de elefante. Estórias fantásticas. Sonhos, amores e desamores, lembranças p’ra sempre,  sentimentos que nunca mais os arrancamos do peito. Ficam-nos na pele. Nas vísceras. Dominam-nos o coração. Marcam-nos p’ra sempre. Não há nada a fazer e se houvesse, queríamos repetir. Há estórias que as guardamos como diamantes. Há pessoas e datas p’ra todo o sempre e isso faz de nós pessoas especiais.
Era uma vez…
Domingo de cacimbo. Enfadonho. Não se passa nada de interessante.  Há domingos assim e eu não gosto. Se o primo Fernando não vier almoçar connosco e não formos dar uma volta por Luanda fora, para eu arejar, fumar um cigarro, dois ou três, se a família não quiser fazer um passeio que pode ser, a Caxito, à barragem das Mabubas,  a Viana, ou à Barra do Kuanza com paragem na volta no morro de Santa Cruz, estou feita. Não saio de casa. O tio Augusto pode ir à matiné e passar cá para me levar. É uma hipótese. Posso ainda passar a tarde na D. Arminda, minha vizinha, a aprender a falar crioulo com os caboverdianos amigos, que aos domingos os visitam p’ra matar saudades da terra longe e tocar viola, cavaquinho e cantarem mornas e coladeiras.
A mãe e o pai dormem a sesta, o pai adormece a ouvir o relato, o mano Zé faz fisgas, carros de rolamentos, anda entretido com os peixinhos que vai apanhar na ponte que vai para a ilha, do lado da Chicala (sem nós sabermos ), brinca  nos quintais dos vizinhos, com o Jorge, filho do Henrique e sobrinho do Necas, os caçadores de pacaças e veados que saem sábado depois do almoço nos jipes, e voltam com os animais mortos e pendurados como troféus, no domingo ( o pai às vezes fica com carne, se for de veado, porque diz que a pacaça é rija ) e a caçula dorme com os pais ou vai brincar com a Filú, Zé Augusto e Paulinha, para o quintal da d. Arminda.  Mas há também as minhas amigas Julieta e Faty que vivem na Vila Alice, onde posso passar umas horas, que correm parece gazela assutada.
Hoje é dia de torneio com equipas estrangeiras. A equipa brasileira que está em Angola jogará em Nova Lisboa. Já jogaram em Luanda. O Benfica também. Um acontecimento que entusiasma os angolanos. O torneio divide-se por Luanda e Nova Lisboa. O relato tomou conta das rádios. Os carros, as casas, toda a gente está sintonizada no acontecimento do ano.
Visto umas calças vermelhas, boca de sino. Camisola de malha, manga curta, azul escura e branca, oferta da D. Arminda nos meus anos que hoje faz um mês que completei dezoito. Para a maior idade faltam três mas o sô Santos se quiser e eu precisar já me pode emancipar. Duvido. Quer-me ter na mão. Na amarra. Sob a patinha. Filha minha emancipada, p’ra quê? Tem tempo. Nem pensar, isso é para aquelas que querem andar à rédea solta. Isso era o que mais faltava, enquanto eu mandar só aos 21…
Calço umas socas que comprei numa sapataria em S. Paulo. Na moda e na banga. Um salto bem alto e grosso, preto. À frente, fechadas e às barras. Azul, branco e vermelho. Fico uma torre. Tipo girafa. Já me têm chamado mas eu não ligo. Metem-se muito comigo, na rua. Um até já bateu a sua mota na traseira dum carro só para dizer besteiras e ficar a olhar. Uma dia destes a passar em frente à Mónaco um grupo de rapazes meteu-se comigo que eu até corei, mas pensam que baixei a cara? Era o que faltava. Não me conhecem. Empertiguei-me, levantei o nariz e segui o caminho. Ó borracho, queres por cima ou por baixo? E eu que sou rápida no gatilho, perante tamanha ordinarice, olhei a mesa cheia de rosqueiros e contei até 10, depois vermelha que nem um jindungo maduro fui dizendo asneiras mentalmente até estar vingada. Besugos da tuge! Eu até conheço a resposta a essa ordinarice mas ali não podia responder sob pena de sair mais humilhada ainda.
Bem, pronta que estou, penteio o cabelo que bate nas costas. Risco ao meio e testa à mostra, prendo a franja dos lados com uns ganchos brancos e outros azuis. Pinto os lábios de encarnado, risco nos olhos e rímel. Umas gotas de perfume santa clara por trás das orelhas, na curva dos cotovelos e no pescoço e já está. Despeço-me da mãe falando baixo: vou para casa da Julieta. Não venhas tarde, Maria Clara, não venhas tarde. Tá beeeeeem, digo enfadada. Agarro no maço de Baía, meto-o numa bolsa para o efeito e aí vou eu.
As minhas amigas estão ao portão. Os sobrinhos, que são crianças e adolescentes brincam por ali. Alguém tem uma máquina fotográfica. Tiramos fotografias, fazendo caras, a rir, a fazer cornos com as mãos atrás das cabeças de umas e de outras, enfim, para mais tarde recordar. Acendo um cigarro e fumo-o com o maior prazer. Se o sô Santos sonhasse, fazia-me engoli-lo. Eu arrisco muito. Vergonha é a do Nero ( o cão do Colégio ), medo, algum. No intervalo, vou fumando, pois claro. Até sei fazer bolas umas a seguir à outras parecem nuvens anãs.
Um Vauxhall viva branco com três rapazes dentro passa devagarinho e riem e falam, o habituêe. A tarde começa concorrida aqui na rua Alberto Correia. Os miúdos inicialmente divertem-se com o “ ataque “ desses três madiês, todos pipis e achando-se verdadeiros Trinitás, depois, a insistência é tanta. Tantas são as vezes que dão a volta ao redondel, que desligam. O contrário se passa connosco que estamos divertidíssimas. Eles são uns borrachos e quem não gosta deste engate barato mas divertido?
A páginas tantas, quando a noite quer vencer o sol cacimbado deste domingo de férias, e parece que os moços desistiram de investir, pois já passou muito tempo que até julgávamos que se tinham evaporado, avisto o Vauxhall ao longe, perto da Churrasqueira e da loja do Adérito. O carro passa devagarinho, e o condutor do carro, no alto dos seus olhos esverdeados, cabelo aloirado e pele branca, sorriso cafajeste e voz bonita com sotaque de branco angolano, abranda e diz: Está a fumar demais. Sabe que o cigarro faz mal? E eu que não gosto que me façam observações parvas, disparo sem sequer pensar, numa má criação costumeira: É a mim que faz…
Começa aqui a estória. A tal estória que é a estória de sempre. Aquela que foi a grande estória, sim porque uma estória só é grande se não tiver um final feliz, porque tem contornos que nos marcam para sempre. E vocês agora perguntam pelo fim. O fim? Não tem.
Uma estória que acontece quando o país está para se tornar independente pode dar um filme trágico/romântico. Pois…
Já não fumo. Há 27 anos.
Nunca mais o dono dos olhos esverdeados, voz sotaqueada, sorriso cafajeste me dirá: sabe que o cigarro faz mal?
Há dois meses atrás, num almoço do meu bairro fui eu que disse ao dono dos olhos esverdeados, voz sotaqueada, sorriso cafajeste: Sabes que o cigarro faz mal?
Conclusão a retirar. Não comecem nenhuma estória de amor de cigarro na mão. Podem queimar-se.
Hoje é um dia especial para mim. Diz que a amizade é o amor que nunca morre. Pois é. A minha estória é uma grande estória também por isso. Que o digam a família e os  amigos de longa e recente data. A existência do dia 12 de Agosto, presente na minha vida, faz de mim uma escolhida. E ser-se escolhido faz de nós singulares. Se voltasse a nascer, queria de novo ser escolhida para viver esta ou outra estória de amor para sempre, mesmo que na ausência de anos e anos. Mas sempre presente. Feita de encontros e desencontros no espaço e no tempo. Nos sentimentos.
Hoje apetece-me dar-te um abraço de um  tamanho maior do que o universo, que não caiba em nenhuma das eternidades que existirem. Obrigada G. F.


sábado, 11 de agosto de 2012

incerteza




De onde me chega a voz do desalento
E esta ausência de mim no teu ser?

De que cor pinto o meu lamento
Luto de te perder antes
Muito antes de te ter?

Porque já não espalhas conchas no mar
As suas ondas não me vêm beijar
Nem o sal,  as lágrimas temperar?

Porque não reconheço o teu chão
Porto seguro na minha paixão
Praia, caminho
Onde traçaste o meu destino
E a minha alma quer naufragar?

Ai saudade louca
Ai sina triste
Partiu ou não existe
E me deixou esta vida feita de nadas
Ai esperança vã
Esperança pouca
Ainda insiste
Teima, resiste
Neste apelo para um amanhã…

m.c.s.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

hoje é sexta-feira


A sexta-feira chegou. Tanto faz trabalhar, como estar de férias, ela chega. Rápido.
Ao domingo à noite, ainda com os pés o coração e a mente no fim de semana vejo a semana como um monstro que se ri de escárnio da minha amargura a caminho da solidão do Ribatejo a que me voto, cada vez mais e me quer estrangular devagarinho numa tortura tântrica.
É um momento. Depois os dias sucedem-se e quando dou por isso passou mais uma semana. Pelo caminho vou deixando afazeres, prazeres e obrigações, vou aproveitando outros, vou-me demitindo d’outros ainda.
Os dias passam velozes quando há objectivos. Passam velozes quando há trabalho ou quando dormimos. Quando sonhamos e quando com os pés assentes no chão e a lucidez nas atitudes, nos  conformamos. Os dias passam velozes…
Hoje é sexta-feira. Vejo-a acenar-me sorridente num piscar de olhos maroto.
O tempo é soberano, tirano e prepotente. E tem os seus tempos e seus trejeitos. Passa pela segunda e boceja, espreguiça-se e ironiza. Depois pela terça testa-nos a paciência. Quando chega à quarta, sorri tranquilo. O dever cumprido, meia-meia. À quinta o tempo é traquina e empoleira-se nas horas, nos nossos desejos e expectativas. Espreita o dia seguinte e sai à rua contente. Aguarda o dia seguinte na boa. Finalmente o tempo tem a sexta a seus pés. Na sua pele. Nas suas vísceras. E sente-se eufórico. Exageradamente leve e ansioso. O tempo é o nosso melhor amigo. Aliado.
À sexta-feira, o tempo é um menino cheio de ilusões a quem apetece dar beijos nas bochechas e apertar-lhas e agradecer-lhe estarmos vivos.
Hoje é sexta-feira. Acordei mais livre. Nem sempre o Ribatejo me deprime e prende. Em dias como hoje, o Ribatejo é amigo e dá-me uma palmada nas costas. Parece que o estou a ouvir dizer  que vá viver o meu fim de semana como quero, posso e sei fazer, a tempo e a horas.
E eu vou, não tarda muito. Graças a Deus. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

no dia de hoje


O tempo aqueceu. Só a Pitanga me faria ficar lá em cima na zona alta da cidade. A comida como sempre. As latas de atum laminado com gambas. Essa gata é uma marquesa e não há forma de reverter isso. Ela despreza qualquer outra comida que lhe ponha e prefere passar fome. Mas é a minha companhia. Para a vida…
Agora que já estou em casa, já atendi o senhor da Meo que finalmente veio pôr a minha televisão a funcionar, fiz a minha salada para o jantar e estou a ouvir as notícias, não tenho como achar piada à reportagem que a SIC amanhã porá no ar e que tem a ver com famílias que vivem sozinhas, em Portugal. Famílias que apenas são de uma só pessoa. E não tenho como achar piada porque eu faço parte dessas 800 e tal mil pessoas que vivem sozinhas. Francamente, esta realidade caiu como uma bomba na minha pele, nas minhas vísceras, na minha cabeça e no meu coração.
Hoje, 8 de Agosto, parece caricato estar a pensar nestas coisas que me deixam inquieta.
E só porque hoje, 8 de Agosto de há 31 anos atrás casei e jurei  que seria até que a morte me separasse. Não houve morte. Nem quebrei a jura.
Hoje, 8 de Agosto, afinal estou sozinha, fazendo parte da estatística. Assusta-me. Não que o casamento tivesse ido para o brejo, já não, o que me assusta é a possibilidade de não saber continuar a viver sozinha. Se falha alguma coisa. Se me incapacito. Se dou em doida…
Estava de volta da prateleira da comida dos animais quando um sorriso amarelo bailou à minha frente. Um homem mais alto que eu, mais velho, poucos anos, com um olhar um pouco mortiço, sorri e pára à minha frente. Sorrio-lhe também. Parece doente. Era um galã. Ele e o amigo. Esse, uma antiga e forte paixão minha numa época áurea. Eram os homens mais charmosos de torres novas. Andavam juntos muitas vezes. Vieram juntos de Angola, da tropa. Altos, para aí um metro e oitenta, bonitos, irradiando charme por todos os poros. As raparigas gostavam deles. Eles gostavam das raparigas e mostravam-no. Este depressa se casou e fez filhas atrás de filhas. O outro, a minha paixão, ainda hoje é solteiro se bem que com uma relação há muitos anos.  Partiram muitos corações. Fizeram trinta por uma linha. Torres Novas conhecia-os e conhece-os. Eu raramente os vejo. À minha antiga paixão e ao seu amigo. Este homem que aqui está à minha frente, muito abatido. Feito um velho. Olá estás boas Clara?
- Oláaaa há tanto tempo que não te vejo.
- Eu vejo-te quase todos os dias, digo-te adeus mas tu não olhas.
-Onde?
- A subires o viaduto.
Não evitei sorrir. Muita gente quando desce de carro o viaduto me vê a subi-lo. Às vezes buzinam e eu olho e faço adeus.
A ele via-o a correr que nem um louco por essa torres novas fora, pois sempre teve a mania do desporto. Vendeu-me o último carro que ajudei a pagar e foi meu. E em determinada altura passei a olhá-lo atravessado pois não se portou nada bem com a sua família. E passou a ter outra. A culpada disso era minha colega de ginásio. Muito mais nova que ele. Estávamos nós a falar quando ela apareceu. – É a minha mulher.
Eu só conheço a outra. Eu só quero conhecer a outra. Fiz um sinal com a cabeça. – Conhecem-se? perguntou – respondi – eu conheço. Fomos colegas no ginásio há muitos anos atrás.
- Tem boa memória diz ela. Mal sabe ela que não foi pelos lindos olhos ou pelo corpinho de top model. Sorri. Ele disse-lhe: Conhecemo-nos há muitos anos. Há muitos anos.
Desejei-lhe a ele uma boa tarde e tudo de bom e fiz uma espécie de careta à mulher.
Não sei, mas não costumo gostar das segundas mulheres, aquelas que se metem pelos olhos dentro deles e provocam ruturas em famílias estruturadas.
Saí do hipermercado e fui para a paragem do TUT. Depois liguei ao meu irmão a saber se estava na cidade. Ofereceu-se para me ir buscar. Tinha imenso peso, como sempre. Estava muito calor e o TUT não aparecia.
Estou no sofá de perna esticada a ver televisão. E no computador. Rica vida. Direi eu. Porém é 8 de Agosto e se me perguntarem se valeu a pena, respondo o que respondi à Ana quando me deixou no Modelo.
Não valeu o gosto para o desgosto. Mas tiveste os teus filhos…disse.
Pois. Não tinha estes, tinha outros, ou não tinha…que sei eu!
Um ex namorado, se calhar, O ex namorado, aquele com quem um dia sonhei casar de vermelho na igreja da Nazaré em Luanda, disse-me há 4 anos atrás:
Enquanto te lembrares disso não estarás curada.
E eu acho que são tretas. Não há doença nem cura. Não há lembrar nem esquecer. Há sim pessoas que nos fazem tão mal, tão mal que é impossível esquecermos. Sobretudo em dias como o de hoje em que se não existissem o nosso futuro poderia ser outro, sendo que aquilo que a gente não conhece é muito mais interessante do que o que a gente conhece e vive.  

Arcade Fire - Speaking In Tongues (Lyrics)

chamaste-me? Eu ouvi...




Chego ao fim do dia e olho para trás. O dia terminou. E então? Eu sei que não vale a pena chorar pelo leite derramado. Eu sou pessoa para nem sequer gostar muito de leite. Sou mais de chás…
Mas este costume de me virar para ver o dia indo embora, me despedir mesmo se o quero ver pelas costas, não perco, ainda que tudo mude.
Mudem-se os tempos, mudem-se as terras, as pessoas, os sentidos e sentimentos. Mudem-se até as vontades, a ver se eu não olho para trás a ver o sol a se pôr e a noite a nascer?
A ver se as vozes que nascem com a noite são mesmo verdade?! Se materializam?!
A ver se a voz que ouvi a me chamar te pertence…
Em pé, que sentada me contorciono e parece que não vejo tão bem. Sentada serve mais para sonhar contigo, em ti, de ti e para ti.
Não fosse a minha cervical andar mal com tanta mudança, andança e desesperança e eu ia parecer que nem aquela artista do circo Mariano que me fazia olhar pasmada de admiração que nem pestanejavam os meus olhos vidrados em tanta beleza, saber e arte.
Que nem tu. É isso. Olho para trás e a tua voz, será que era mesmo a tua voz? Vou admitir que sim, quero admitir que sim, quero muito acreditar, depois de admitir, que sim, que era a tua voz a chamar por mim. Só pode ser. Voz bonita assim quem mais tem?
Chegou o fim do dia e olho para trás. Oiço a voz que parece que é a tua e sorrio. Fazes-me sempre sorrir. Pateticamente bem sei. Mas é um começo. Tudo tem um começo e eu não quero perder o fio à meada porque se eu sorri quando tu me chamaste, supostamente queres fazer-me rir. Não sei. Alguma coisa queres tu de mim…
Ou será que sabes que a minha cervical grita ais de desespero e raiva e quiseste testá-la? Não acredito que seja teste. Até porque nem sempre passo nos testes, nem sempre tenho nota 10. Sou normal e mortal e cometo até a insensatez de sonhar com a tua voz a me chamar.
Sonhei? Olha, já não sei se foi sonho a dormir de olhos mergulhando no sono ou se foi mesmo a olhar o dia finando, a noite chegando e tu me chamando.
O que sei é que te sonho, te oiço e te sorrio, seja na hora da mudança do dia, da noite ou de madrugada. O que sei é que tu mais que miragem, voz de vento soprando ou sinal luminoso, que me mantêm aqui, és  palavra  que te quero ler, escutar e falar e até sorrir. Chamaste-me? Eu ouvi…

terça-feira, 7 de agosto de 2012

viagem de autocarro




- Então, Clara? Julgava que já cá não estavas.
- Então?
- Não estás reformada?
- Quase, quase.
- Nunca mais te vi. Ainda moras para os meus lados? Os teus miúdos?
A São é uma criatura que conheço há muitas décadas. Da minha idade. Mora  para os meus lados. Conversamos sempre,  nos lugares onde nos encontremos. É simpática. É irmã do Salvador, que apareceu morto na casa onde vivia, só. Eu conhecia o Salvador há muitos anos. Sempre sozinho, passeando pela avenida do jardim. Com passo certo. Calmo e aparentemente feliz. Deu-lhe qualquer coisa e finou-se.
Mais adiante os do costume. O Júlio algo taciturno embora sorrisse quando me cumprimentou. Vi-o antes de ir para férias, num restaurante de Monsanto, a poucos quilómetros de Alcanena e aonde fui comer leitão que por sinal estava ótimo. Quer dizer, a pele estava divinal, porque o que eu mais gosto no leitão é da pele estaladiça apesar de não gostar de coisas crocantes. Incongruências, que é que hei-de fazer? Também as tenho. Dias antes tinha-o visto na Tasca quando lá fui com a minha irmã caçula, o que já não fazia há bastante tempo e até gostei do bacalhau com natas que comi e do parla pie sempre agradável do Alfredo que deu sinais de saber da minha conversa com a Lourdes, sua mãe, dias antes na loja da Ritinha. 
Enfim, o Júlio também estava à espera do autocarro das 8,20. A senhora do Entroncamento - olha quem é ela ( é por essas e por outras que às vezes preferia que ninguém me conhecesse ) a senhora do tribunal por aqui? Então ainda não se reformou? - não sabia se havia de rir se chorar. Tenho assim ar de mais velha ou é só porque deixei de comparecer? Ah pode ser porque o meu tribunal vai acabar... Não perguntei que isso era alimentar um assunto que quero atirar para trás das costas.
A outra, ai que se me varreu o nome da outra, que é da Ribeira ou das Lapas, já nem sei bem, se até me esqueci do seu nome...
Rosa. Raios, já estava a ficar em fungas. Odeio que isto me aconteça. E acontece cada vez mais.
A Rosa, enfim, fez-me uma festa que teve honras de foguetes e tudo que é um modo de dizer mas sorrisos rasgados teve e outros tantos da Belita e da colega de banco, aquela que fica sempre na Videla e acho que é cozinheira da casa que vende os frangos para fora. As marretas hoje nem pareciam tão marretas assim. Muitas perguntas, muitos sorrisos. Grande surpresa que elas tiveram sim senhor.
E foi assim que no meu segundo dia de trabalho me vi a caminho do mesmo, no autocarro do sr. Margarido que por acaso não estava. Não perguntei mas deve estar de férias que também tem direito. 
O autocarro ia cheio que nem um ovo. A maior parte vai desaguar no mar. Na praia da Nazaré. Afinal este é o autocarro que vai para lá.
Este autocarro vai para a praia? é costume perguntarem, ao que o motorista ou a Bélita que não deixa escapar nada e tem a mania que percebe muito de carreiras só porque trabalha em viagens ao fim de semana, daquelas excursões de velhos e gente da merenda e do garrafão ( cada um é pró que nasce e nada contra ) respondem - É sim. Vai para a Nazaré. E os veraneantes carregados de sacos, mochilas, chapéus de sol, lá entram barulhentos e a procurarem os melhores lugares porque com as curvas que há até lá, ah vão sofrer pois lá isso vão. Só de pensar nisso já me apetece abrir um saco plástico. Que enjoo. Não me apanham a ir para a Nazaré no autocarro da carreira. Nem que se pintem de cor de burro quando foge, amarelo ou encarnado. 
E nesta viagem também não, a menos que as minhas boleias se neguem, estejam de férias ou tenham um qualquer percalço que me impeça de subir o viaduto e fazer-me à vida por esse meio. 

Silversun Pickups - Bloody Mary (Nerve Endings)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Minta & The Brook Trout : Falcon

diário


Há coisas que nunca mudam. E se eu quiser, até nem me ralo.
Mas é preciso querer muito e crer também... e isso é duma canseira ( cansada da tralha que trago comigo já eu estou ) e dum desgaste que até doem.
Depois duma viagem de comboio, da Pitanga zangada comigo por ter sido posta na gateira à má fila, do mano Zé me ter ido buscar a estação, enfim, finalmente em casa.
Vá de fazer o reconhecimento do terreno. Ver se as plantas ainda estão vivas ( estão ), se está tudo em ordem. Ligar a televisão.
Primeira contrariedade. A televisão não dá. Isto gira gira e vai dar ao mesmo. Não viesse eu tão cansada e rezava uns quantos pais nossos bravos e tortos,  mas por mais que eu me queira ver com olhos de ver já não me reconheço. Devo ter partido em viagem e voltei outra. Experimentei a televisão do quarto. O ecran aparece-me com uma mensagem. Não sei o que fazer e não faço nada.
Ligo o computador. Internet nem sonhar. Ora bem, isto de facto era mesmo o que eu precisava para me entreter e não pensar que queria era ter ficado em Lisboa. Queria mesmo era que fosse domingo à noite como os últimos quatro.
Liguei para as avarias. Um senhor simpático resolve-me o problema do computador e da internet. Passa para outro a fim de ser resolvido também o da televisão. Em vão. Embora seguisse todos os dados da menina que me atendeu, não consegui senão que a do quarto funcionasse. De forma que estamos assim. Sem televisão na sala. Nada que não me tivesse acontecido já e mais vezes do que aquelas que são necessárias para que a minha paciência seja testada e tenha nota 10.
Hoje acordei confusa. Estou aonde? Perguntei-me. Pois. Há muito tempo que não estava de férias quatro semanas e deu para perder o norte. Só que não perca mais nada…
Curiosamente ganhei  uma dor de cabeça que ao longo do dia foi crescendo, crescendo e que se transformou numa coisa tão dolorosa que até tenho picadas nos olhos e vómitos.
Será que foi de voltar ao trabalho? Achava eu que isso era coisa do passado; ficar doente, revoltada e triste por ter de deixar Lisboa e as minhas pessoas. Vinha eu tão bem, tão serena, tão conformada e deparo-me com todas estas dificuldades…
De facto, há coisas que nunca mudam… 

Coldplay - Charlie Brown

domingo, 5 de agosto de 2012

partida




Uma e outra
E outra ainda…


Gaivotas poisando no areal
Na hora que a terra se cala
À espera do ritual
São como orquestra
Tocando de  cor a melodia
Voando na fantasia
Deste palco em festa
Que cheira a tarde
E a maresia
E tem o sol de partida
E o barco no horizonte

Anseio beber dessa fonte…

Quão  felizes são as aves junto ao mar!
Tão livres e prontas p’ra voar!
Queria ser gaivota
E livre, na espuma ir poisar
Ensaiar o movimento da onda
Que traz e leva
E não ser preciso sonhar…

m.c.s.

não é por anda, é só para que conste

Durante 4 semanas, fui dona do meu tempo. 
Há muitos anos que não tinha férias tanto tempo seguido e temi que fosse difícil percorrer tantos dias só meus, de férias, à pobre, uma vez que sendo funcionária pública, parente pobre desta máquina do Estado fui privada de direitos tidos até aqui e que me proporcionaram ao longo dos anos, umas férias diferentes.
Estar de férias cá dentro parece limitado, quando cá dentro se traduz na mudança de casa quase e só. Torres Novas para Olival Basto e a partir daí, para os dias, os passeios, a praia, os amigos, os saldos, a leitura, reuniões de afectos, gastronomia, cinema, espetáculos de dança, esplanadas, descanso, televisão, facebook...
Tive até direito a sustos como súbita doença da Pitanga e uma tentativa frustrada de assalto na Avenida da liberdade.
E emagrecimento, coisa pouca, mas nas férias até os espelhos são kambas.
Hoje, esgotado o meu tempo de férias, feita uma reflexão sobre o que vivi e o que me foi dado, o que consegui e aquilo que desejei quando iniciei este processo de férias, adianto que caio na vulgaridade feliz de dizer alegremente que:
Férias são Férias!
Quer de costas quer de barriga, férias são obrigatórias, são imprescindíveis e dão-nos vida.
Por isso tudo, ao contrário de outros anos, não me sinto triste por estas terem terminado, sinto-me antes, renovada, pronta.
Com a certeza de que sou capaz de ser feliz, dentro da minha alegre casinha, sem subsídios a enfeitarem esses dias de liberdade e merecimento.
Eles, os tais que me governam o tempo e a conta bancária, podem tirar-me tudo mas a capacidade de ser feliz, por mais que se pintem de cor de burro quando foge, ainda não foram capazes de destruir.
Sou uma mulher de fé e acredito que Deus está comigo. Nada estará contra mim.
Fui ao longo de 4 semanas, dona do meu tempo.
E governei-o bem...
Vocês, amigos, família, amigos virtuais, grupos de poesia, grupos de Angola ajudaram a isso.
O meu bem haja a todos.
Beijos no vosso ♥ e um domingo muito feliz.

sábado, 4 de agosto de 2012

a caneta do bico d'ouro



Chegou o dia. De pontos, como no exame. Prova de redação, ditado, aritmética, desenho, tudo de manhã. Sem intervalo de recreio. Nem para comer. De tarde, leitura.
No colégio, todos ficam apavorados perante esta realidade. Dona Dina,” a fera “, inspira tanto respeito que a gente nem sabe mesmo o que é que é o quê, se medo, se o tal respeito, ou vergonha que afinal se bara
lham e dá uma dor de barriga só do olhar que a sô sôoooora nos olha que nem radiografia, para ver quem pode estar no copianço. Ela baralha também quando diz: Emídio, tens muito medo, mas vergonha é a do Nero, este é o cão da escola, que entra nas salas todas, como se fosse mais um aluno, com a vantagem que sai e entra quando quer e não faz ditados nem contas de multiplicar.
Não tenho medo de fazer os pontos, mas fico sempre gelada e com arrepios na barriga e na nuca. Mas tem uma coisa boa; é a hora de exibir a caneta do pai, de tinta permanente, parker, com bico e tampa d’ ouro. Ouro é esse metal amarelo que só podemos carregar para enfeitar na banga, nos dias de festas de batizados e casamentos porque se os mais velhos gostam, os bandidos que puxam os fios na rua até o pescoço ficar cortado e entram nas casas durante a noite para roubar que até às vezes ficam debaixo das camas, conheço bué estórias dessas, caté fico toda arrepiada, que diz que se eles ouvem barulho dos donos da casa, se escondem se enfiando debaixo das camas à espera que os donos adormeçam mas eles adormecem primeiro, ressonam e são apanhados, esses mesmos, também gostam de ouro. Não sei como era a vida antigamente mas devia ser boa. O pai e o avô dizem que antigamente, antes do terrorismo, a roupa ficava na corda toda a noite, ninguém roubava, a porta ficava aberta e ninguém entrava. O rádio tocava alto e ficava lá só, a tocar, a tocar e ninguém mexia. O portão ficava todo aberto e ninguém tinha medo. Custa a acreditar. D’onde é que saíram esses bandidos todos? Quando me vou deitar, às vezes é uma maka, tenho medo e a mãe fica no quarto até eu adormecer. De luz acesa mas com o lençol me tapando toda. Se os bandidos vierem não vejo, pode ser pensem que não estou lá. Levam o rádio de pilhas que o avô me deu e aí eu vou destapar a cara e vou reclamar se calhar até vou lutar com o bandido por causa do meu rádio, que o avô me trouxe do sul.
Já acabei os pontos todos. Falta só o desenho. Tenho sempre excelente ou muito bom , a caneta encarnada. Vou desenhar uma praia. Igual à praia Amélia. Com um dongo feito de tronco de coqueiro e um pescador com o remo, um pau comprido, a direito. Vai atravessar a água na direcção do Mussulo. Vou-me desenhar também. De pé; não sei desenhar gente sentada. Não faz mal. Fico de pé faz de conta estou a ver o dongo se afastando. A lápis de cor, da minha caixa de 12 lápis, pinto a toalha de encarnado. Um dia vou ter uma toalha de praia mesmo a sério, felpuda e fofinha, encarnada, cor de pitanga madura, igual às pitangas da pitangueira da casa do avô, onde nasci. Por trás de mim vou fazer uns montes, como se diz na metrópole. Aqui se chamam barrocas, como aquelas do Miramar de onde já fomos ver as corridas de carros e de motas também. Os mais velhos gostam. O pai então…eu também gosto de ouvir o barulho do escape, acelerando, acelerando, parece aqui na avenida, o mecânico, namorado da Quina, Leandro não sei das quantas, quando experimenta as motas na avenida e faz corridas com o outro empregado, que fica tudo a abanar a cabeça e a dizer xé, vão ver só, um dia vão se dar mal, um dia acontece uma desgraça que os desgraça…
Arrumei a caneta de bico e tampa de ouro na caixa que tem cetim por dentro parece os vestidos dos anjos, princesas e cinderelas que se passeiam na marginal de mão dada com os pais. No carnaval. Só me mascaram de negra, lá dos kimbos, atrás do sol posto que eu nem sei onde fica porque nunca fui lá. Com saia feita de vassoura desmanchada e um pano no peito, não que já tenha chuchinhas, mas porque uma menina tem de se tapar. A última vez, fui eu e a Fatinha, que até nos tiraram fotografia. Quem nos mascarou foi a Ana Maria e a Bina. Até nos pintaram os olhos com um lápis preto como as artistas das fotonovelas Grand Hotel, ou Sétimo Céu, que a mãe lê e compramos na papelaria da dona Milai na Senado da Câmara. Também já me mascarei de matrafona com roupas velhas do pai. 
À tarde os pontos terminam com a leitura duma lição. A sô sôoora escolhe uma bem difícil, para nos apanhar, mas eu leio bem. Sem gaguejar ou soletrar as sílabas. Mas fico encarnada como um jindungo maduro, de vergonha. Eu tenho mais vergonha que o Nero, é por isso que eu sei. Quando estou a fazer a prova de leitura.
Depois de almoçar volto para o colégio e me desafiam e me desencaminham, para ir aos maboques que as quitandeiras estão a vender lá nas árvores em frente à casa do Silva Camato, a casa das mulembeiras onde o mano Zé nasceu. E eu vou.Vou sempre. Kuio maboques. A mãe sempre diz: maria Clara, os maboques quentes fazem mal à barriga. Olha que estiveste à morte que até te caiu o cabelo e perdeste o andar. Lembras-te? Exibo isso como um troféu. Tive uma doença esquisita que mata. Febre tifóide. Dois médicos a tratarem de mim, a doutora Rosinda Guimarães que era do Sindicato que fica num prédio bonito da Baixa e o Dr. Costa e Silva, que tem aquele aparelho grande onde nos metemos e ele nos vê por dentro, parece somos esqueleto, mas vivo, que anda e tem medo daquelas máquinas todas. O melhor médico de Luanda, diz o pai, orgulhoso de ter feito tudo para eu não morrer. Pai é assim. Mas se orgulha de não olhar a meios para atingir os fins. Desse tempo só me lembro da minha madrinha Teresa, mulher do tio Aníbal, me visitar, com uma caixa bonita d’ amêndoas às cores . Ah, também me lembro do xarope branco que sabia mal e que eu chorava para o engolir. Tens de tomar para ficares boa e ires brincar para o quintal, dizia a mãe de colher na mão e eu a chorar, a chorar… 
O sol está forte e os maboques estão a ferver. No passeio da ourivesaria, atiro um ao chão para o abrir e comer logo ali. Gosto bué de maboques. Queria ter uma árvore só para mim lá no quintal. O pai planta couves, repolhos, e abóboras, tomate e alfaces mas árvore que dá maboques, não. Porquê? Faz mal à barriga, diz a mãe. 
Guardo os outros na pasta. Olho para ver se a minha caneta de tinta permanente está lá, não a entreguei ao pai porque me esqueci. E…nada. O coração, tum-tum-tum, tum-tum-tum, o sangue a subir às pressas na cabeça, o pescoço parece tem uma mão a apertar-lhe. Paro para ver melhor. Sento no chão do passeio da ourivesaria, o cão da Teresa Mulombosa ladra furioso e eu despejo tudo para o chão. Nada. Começo a chorar. A minha caneta, ai uêeeee minha caneta, perdi a minha caneta…
Voltei às quitandeiras. A Lourdes perguntou. Ninguém viu. Me disseram que: vai aparecer, deixa só, fica calma. Logo vais a casa buscar uma agulha de coser e atravessas a avenida. Espetas só a agulha no tronco da bananeira da colchoaria, e dizes uma reza que vou escrever. Acreditei. Ao fim da tarde escondida do pai e da mãe escapando dos carros e dos machimbombos que passam para a Terra Nova e Cazenga, espetei a agulha na bananeira e voltei. Fui dormir sem jantar. Não tenho fome mãe. Vês? Foi dos maboques quentes, diz-me ela tomada de razões. A miúda deve estar doente, não quer comer, diz ao pai.
Rezei para o Sagrado Coração de Jesus pendurado na minha cabeceira, faz favor meu jesus se me roubaram a caneta do pai faz o ladrão se arrepender, mas se a perdi, faz aparecer.
Não apareceu. Até hoje. O pai perguntou por ela e a mãe disse que eu não sabia responder. O pai não fez nada. A sô sooora entregou os pontos. Tive 200 a todos. O máximo. Excelente na minha praia desenhada e pintada a lápis de cor. Levei para casa para o pai assinar. 
Cheguei feliz mostrando. Sô Santos disse: Não posso assinar. Só assino quando a caneta aparecer.
E aí percebi que ia apanhar uma coça de cinto. Porque a caneta não apareceu. Pela primeira vez na vida o pai serviu a vingança fria e chegou-me a roupa ao pêlo quando eu julgava que estava tudo esquecido. Serviu-me de emenda. Nunca mais perdi ou deixei roubar qualquer outra caneta parker, de tinta permanente e bico e tampa de ouro. 

m.c.s.