sábado, 7 de novembro de 2009

Hoje é Sábado

Quem me conhece sabe que eu gosto de sábados.
Mais do que de qualquer outro dia.
Sentava-me no patim da casa, eu e o avô,ali na avenida brasil.Víamos regressar do trabalho, o povo, que vinha da Baixa.Direitos ao muceque. Marçal, era o mais próximo, ficava nas costas da avenida.
Muitos conheciam o " patrão " Carvalho e saudavam-no respeitosamente. Das obras em que ele era o mestre, dali mesmo, da casa, que tinha estacionada à porta, a velha carrinha azul. Da loja do meu pai...
A luz do sábado era mais brilhante e o sol mais quente.
O cheiro de sábado era mais forte, mais perfumado.
Uma mistura de essências que me extasiavam e comprometiam os sentidos.
Em frente da nossa casa, as quitandeiras assavam mandioca, bombô, batata doce, ginguba e castanha de cajú. Vendiam kissângua a quem passava e era comum ver trocar o passo logo no início da tarde, aos mais viciados.Da padaria, mais ali, ao dobrar a esquina, chegava o cheiro a pão quente. Acabado de sair do forno. A velha chaminé cor de tijolo expulsava o fumo sem parar.O avô, depois de tanta súplica, choro, bater de pé e embirração, decidia comprar-me o pão dos sábados. Um pão especial, de farinha mais especial ainda, que só faziam nestes dias bons de fim de semana.Era redondo, mais branco que os outros pães e rematava em bicos, por cima.Chamavam-lhe o pão espanhol. Era mais caro e nem todos o podiam comer.
Na loja do Sr. Miguel os negros sentavam-se à porta, comendo peixe espada frito, no pão.Ficavam por ali, comendo e bebendo muito, ouvindo música em altos berros, das telefonias fanhosas e velhas.
No areal em frente à casa os cães de todos nós, brincavam com os miúdos e sentado no muro da ourivesaria, no prédio do Sr. Frende, um garoto solitário lançava um papagaio às cores. Podia ser o meu irmão se já tivesse nascido.
Por todos nós, meninos daquele tempo, e daquele lugar passaram papagaios às cores, carros de rolamentos, arcos de aduelas.Carrinhos de lata.Bonecas de " Las Palmas " que falavam, diziam mamã e até davam uns passos.
Por todos nós, nos sábados felizes passaram as brincadeiras daquele tempo.Corridas no areal, de pés descalços.Concursos de carros. A cor dos carros. Que escolhíamos. Eu tinha quatro anos. Mas sabia as cores. O avô fazia batota e miúdo que jogasse comigo, perdia sempre.
Os céus, ali, o nosso céu da avenida brasil, estava colorido como um arco íris.Os papagaios de papel competiam com os bandos de pássaros e com os pombos correios do pai da Lisete,a mais antiga amiga que tenho. Desde que me conheço. Desde que nasci.A par com a Berta que morava a seguir à ourivesaria e vinha cada sábado, sentar-se ao pé de nós, de mim e do meu avô.
Em frente à casa, havia várias mulembeiras, carregadinhas de fios, tão fortes como cordas, que serviam de baloiços e eu e a Berta escapávamos da segurança e do olhar do velho Carvalho e subíamos às árvores e andavámos de baloiço até cairmos e nos sujarmos de terra barrenta e vermelha da minha terra.
Os sábados da minha infância determinaram esses outros, da adolescência, da praia, dos namorados, das " mornas" e " coladeras " das escapadelas à Baixa. Das conversas com as amigas.Eram tempos bons aqueles, em que o sábado cheirava a sábado e nós, eu e o avô deixávamos correr o tempo numa preguiça perfumada,que nos perturbava os sentidos.
Determinando este dia como o dia melhor da semana.Ainda hoje...

1 comentário:

EE disse...

Pois é Clarinha! gostei desta tua viagem ao passado! Transportaste-me até Luanda e quase me pareceu sentir o cheiro que África tem.
Andei muito pela Avenida Brasil numa altura em que vivi no Bairro Terra Nova e podes crer que fui lá muito feliz. Foi a época melhor que passei em Luanda. Elizabeth