quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Miguel Araújo | Balada astral (com Inês Viterbo)

renovação

Fechei o livro. Arrumei as ideias. Esqueci as palavras. 
Bati a porta. Não olhei para trás.
O grande mal, é, se caio na tentação e de soslaio, como quem não quer coisa nenhuma, olho uma última, medrosa e insegura vez. 
O menos mal é que nunca será a derradeira, escuso de me cansar, porque já se vê que não abandono a fórmula antiga do comprometimento com o que lá vai. Não me abandono.
Volto atrás e recomeço. Fechei o livro. Arrumei as idéias. Esqueci palavras. Bati a porta. Não olhei para trás.
Desci as escadas. E fui...
Todos os dias vou. E enquanto fora da rotina, repetição de permanecer protegida, estou liberta de mim. Solta no mundo. Presa ao desafio que a vida me oferece.
Por vezes sinto vontade de fugir. Para o lugar remoto e desconhecido de mim onde nunca me sentei para abrir o livro. 
Desarrumar as idéias. Lembrar as palavras. Abrir a porta. E contemplar a obra.
Por vezes dou meia volta e a volta fica dada. Acomodo-me, ajusto-me ao que está à mão de semear, se bem que nem sempre colho frutos, porque nem sequer espalho a semente, preparo a terra, preparo-me e espero que a natureza se dê ao tempo. E a mim. Se dê.
Por vezes, estou fora e dentro de mim. Quanto mais saio, mais me encontro.
Penso no livro. Nas idéias. E nas palavras. Que me levam e me trazem nas viagens. Apeadeiros, que servem para ordenar pensamentos e criar intervalos, onde encontro o mote para me reinventar, pessoa normal que quer ser feliz e nem sempre vislumbra a meta. E se recusa ao fim da viagem.
Todos os dias me dou ao deus dará, numa entrega isenta de juros, mas sonhando dividendos. 
Todos os dias desço escadas. E vou...
Se desço, subo-as. Voltar não é o fim, mas antes o início de um novo processo. 
Uma renovação.
Voltar quer dizer conhecer o caminho. Voltar, afinal, significa olhar para trás. Sem culpa. Querer recomeçar...

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

porque é domingo

Há domingos claros.
Amanheceres brancos, raiados de sol e réstias de luar. 
Desperto no dia, ao banho de cristais purificantes.
E envolvo-me, manto de luz, que me abraça a alma ávida. 
Radiante me sinto. 
Nada pode ser melhor que abrir os olhos e perceber.
Há uma verdade reconhecível nos domingos claros. Sem disso constar na condição.
São encontros com o tempo. Desejados.
Passeios, pelo meu espírito em mutação.
São braços que se ajustam à matéria. E deixam marcas na memória.
São beijos que abrem corações. E palavras que não precisam dizer.
São silêncios que falam mudos, linguagem gestual onde cabe a paz e a revelação.
Há nestes dias alvos e santos a obrigação de conjugar o verbo, que reza a história, é o maior pecado mortal se não for sentido.
E porque há domingos claros, criados para o amor, despertei para o conjugar. Ao verbo. 
Neste domingo que promete.
Nada pode ser melhor que abrir os olhos e perceber...

inspiração

É quando baixo os estores, tranco janelas, puxo cortinados, ligo o candeeiro da mesinha do lado, onde, abandonado, está um cinzeiro que não serve a ninguém, imagino-me por segundos, acendendo um cigarro e já nem sei segurá-lo, tanto ano que passou depois do último e ainda mais desde o primeiro, é nesse momento exacto com o cenário perfeito, todo encenado e orquestrado por mim, que me entrego ao abandono do corpo. 
Ao prazer da alma, que apela por acordes de uma guitarra antiga que foi também deixada para ali, silenciosamente esquecida. 
Como se não houvesse mais, quem escutasse. Quem apreciasse, quem se encontrasse, quem trinasse e gemesse ás cordas gastas e desafinadas duma vida de cantoria e de palco.
Talvez fosse boa ideia aprender a dedilhá-lha. Tenho os dedos perros, insensíveis e trementes. Talvez não seja boa idéia. 
Afinal...
É noite. Dizem-me as estrelas que timidamente se espalharam no céu e acusam o cansaço de tantos dias de temporal.
Diz-me o silencio da rua, cortado por um automóvel ou outro. 
Pergunto-me sempre para onde vai, quem levará, que noite ainda lhe brilhará, que estrela o aquecerá, onde irá terminar...
Diz-me o telefone que toca todas as noites. Certo ao segundo, mais minuto menos minuto. Como um despertador que pretende que seja, na manhã seguinte. Como que a dizer-me que não posso, não devo deitar-me ao abandono, sem eira nem beira, nem responsabilidade. 
Diz-me a tosse da vizinha, que chega por volta destas horas, todos os dias nas badaladas das oito, do sino da igreja, aqui da frente, sabe-se lá por que motivo, mas qualquer dia, se não passa, não passará, deixo escadas e ofereço-lhe um xarope de cenoura, não o faço agora porque já vesti o pijama e não pareceria lá muito bem, sobretudo porque tem coelhinhos cinzentos, desenhados, por cada centímetro de tecido azul. Na verdade, nem sei se tenho cenouras. Já os coelhos as comeram, enquanto absorta em pensamentos noturnos me deixei levar. 
Gosto da penumbra que crio. Na noite, que acredito abandonada em mim. 
No silencio do mundo e nos meus pensamentos vagabundos. 
Gosto de falar com o tempo. Entre murmúrios e suspiros.
Gosto de sentir a noite quente, fugir-me no sonho ardente de muitas madrugadas.
Gosto de abraçar o momento e dormir no esquecimento. Até que se faça dia. 
É quando tudo me grita que é noite, que o tempo cresce e se agiganta e nasce das trevas, poesia.

raízes

Pertenço a cada lugar onde fui feliz. 
Pertenço-lhes de alma e coração. 
Deixei um pedaço, em cada pedaço de lugar, onde vivi as coisas simples. 
Os quase nadas. 
O ínício das coisas sem fim. 
Ficou até um pedaço em cada suspiro, que não dei, mas queria dar. 
Em cada desejo que não desejei por falta de tempo para o desejar. 
Em cada sonho que não sonhei, mas fantasiei e adiei sonhar. 
Ficou-me nos cinco sentidos e mais no sexto, mulher que sou, o perfume das rosas, o canto dos pássaros, o gosto do doce, o lançar do peão, o sorriso do olhar. E o adivinhar...
Pertenço a cada lugar onde me dei sem mo exigirem. 
Onde amei sem condição.
Onde fiquei, por me aceitaram. 
De onde não saí por se afastarem.
Onde deixei o coração.
E é transportando lugares em mim, que me vejo a semear raízes em cada espaço onde posso ser feliz.
Eu pertenço ao lugar onde sei o que é felicidade. E ela não se afasta de mim.
Mas o que ambiciono, ser que sou, em transito, é pertencer ao mundo e espalhar pelo universo as memórias, todas, sementes que me tornem eternamente fértil. Enraizada...

o Tempo num deus dará

Esqueço que há amanhã. Está marcado no calendário. Mas não lhe dou qualquer importancia. Porque o futuro a Deus pertence e não a mim. 
O dia de ontem, esse foi meu. Mas já se diluiu na vontade de não carregar fantasmas. Não me pesar as costas frágeis e doentes. 
Sinto que a existencia do hoje me foge também. Ainda agora aqui estava e já se apressa na partida. Na vontade de se esvair, na bruma da noite. 
Entre as luzes dos candeeiros que se acenderam há pouco. 
Entre os calendários pendurados nas portas das lojas, que depressa se fecharão ás pessoas de fora. Aos atrasados e esquecidos. Aos que perderam os transportes. Aos incautos e desplicentes. Aos preguiçosos. 
Por entre os becos e esquinas. 
Por entre os silencios das horas tardias e da escuridão que caiu na cidade. 
Não abro janelas nem espreito a rua, fria e molhada da chuva choviscada, pingo a pingo, hora a hora, desde que o sol não nasceu mas devia ter surgido de manhã até que se escondeu noutro local que não aqui, no relógio que marcou o fim da tarde. 
O tempo a modificar-se. 
Rapidamente, este hoje não existirá e da memória selectiva poderá nem sequer constar. Insignificante que foi. Passando despercebidamente. Sem marca nem cor. Sem amor. Nem desamor. 
Um número branco. Branco, não. Cinzento. Que a tipografia não acautelou. 
Dizem-me que o presente é agora. E neste momento, olho á volta e não há nada nem ninguém. Nem vozes convencendo-me. Nem notícias confirmando. Nem telefones tocando. Nem o calor de um abraço. Nem um beijo de chegada. Nem mais um prato na mesa. 
E assim me vejo sendo um pouco de tudo que é feito de nadas. 
Um mais ou menos, que se equilibra e seguro nas mãos. Linear. Sem altos e baixos. Sem sequer sorrir e apaziguar o meu coração.
Esqueço que há amanhã e que pode ser melhor. É melhor para mim, por via do crédito que nem sempre uso. Tão pouco valorizo.
Acredito porém, sem muita paixão, que o tempo me é favorável, depois da noite passar. Nos amanhãs todos em que possa existir, porque difícil, foi saltar as noites de nevoeiro, as madrugadas de temporal, as horas paradas e os dias intermináveis e fora d' horas. Afastar as pessoas sem graça e que desgraçadamente quiseram ver-me cair em desgraça. 
Para provação já chegou. De relógios avariados. De intenções mal intencionadas. Escondidas. De traições mal calculadas. 
Repetidas.
Sento-me neste presente que é hoje. Não em espera. Nem antecipando momentos. Um pouco indiferente. Talvez um nada insensível. 
Espectadora de mim e do tempo. Do que o faz prosseguir. Do que o pode parar. 
Fico assim, aqui, ao deus dará que sempre dá alguma coisa, assim eu acredite que sei receber. Que sou capaz...
O tempo esse, no tic-tac do relógio de pulso, com a corda toda e pilha nova, seguirá o seu rumo com intenção de cumprir a função. E não serei eu que o pararei. 
Ontem já lá vai, hoje é o que sabemos e amanhã, quem saberá a mudança que para aí virá...
Eu não. E não me importo. 
Há muito tempo que não sou surpreendida e diz que quem não se surpreende não vive verdadeiramente. 
O que for, será...

da Chicala para o mar



para ti

Escrevo...para ti.
Ensaios duma escrita de pequenos passos, inseguros e bambaleantes, por caminhos ziguezagueados. Becos sem saída. Tara perdida.
Umas vezes avanço, outras descanso, outras ainda te aceno. Mas quase sempre páro, hesito e desanimo. Na primeira intenção, na segunda tentativa, na terceira exclamação. Num piscar de olhos ou num sorriso tímido.
Escrevo para ti. Asneiras, baboseiras, recados, dissimulações, fados ou destinos, apreciações, saudades, desejos, futuros, provocações, continuações. 
Ensaios duma escrita feita de intervalos, virar de páginas, parágrafos, pontos e vírgulas e muitas interrogações. Sempre a pensar em ti.
Eu sei que não acreditas, mas posso jurar para te provar. E se o faço, penhoro a honra e a palavra com que te escolho, minha escrita.
Se ao menos soubesses porque escrevo! 
É tão simples qual a, e, i, o, u, do tempo dos dias fáceis. Entre um quadro negro e um apagador. Uma tabuada e um problema. Uma solução. 
Escrevo para te agradar. Para te sorrir... 
Escrevo para te lembrar. E continuar. 
Para te tocar...
Escrevo por mim e por ti. Para te não perder de mim. Para não me perder. De ti.
E enquanto escrevo, guardo-te na memória.
Ficas na minha história. 
Para mais tarde te recordar.
Para te manter presente, quando deixar de escrever.
Esta é a minha vida. E tu a minha sina. Na escrita... 
Um dia, eu sei que alguém, quem sabe, tu, me irás dizer que não sei ler, nem sequer nas entrelinhas. E muito menos te sei escrever. 
E nesse dia será o tempo certo para aprender a lição. 
Enquanto não, aqui estou mais uma vez a escrever-te. Com o coração...

mal pela raiz

Que não meçam " pilinhas " ao pé de mim, que posso ficar perturbada e não responder por mim.
É que ninguém me tira da ideia que quem o faz, fá-lo porque sofre de grave deformação. Perguntem aonde?
Sei lá, cabeça vazia e pequenina, umbigo avantajado e atitude irracional.
Mas eu não tenho de pactuar com isso nem tão pouco assistir a essa obscena e estúpida forma de estar na vida.
Quando assim é e estou por perto, dá-me uma vontade desenfreada e primária de cortar o mal pela raiz. E como a minha faca
corta a direito...

m.c.s.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

nos ares de Faro


cidade velha - FARO














fotos tukayana.blogspot

voltar

foto tukayana.blogspot
O meu nome quis escrever
Na areia junto ao mar
Na esperança de Deus o ler
E não o mandar apagar

Deixei a lua enfeitar
As letras que ali espalhei
Deixei a luz se espelhar
No sonho que lá deixei

Se meu desejo se erguer
Crescer e viajar
Eu voltarei a ter
Motivo para voltar

Ao lugar onde deixei
O nome e o coração
Na praia onde emprestei
O sorriso á emoção



m.c.s.

agora sei disso



É tarde eu já vou indo, preciso ir embora, té manhã...

Cantam vozes que já foram crianças. 
Já pisaram outro chão.
Já se sentaram nas carteiras d' um liceu que ficou no tempo esquecido, duma terra abandonada.
Duma adolescencia alegre e perturbadora, inquieta e livre, onde ficaram sonhos. 
As brincadeiras, os corredores, as professoras, colegas, salas de aula, a cerca, as salas de canto coral, o bebedouro em frente á turma H, as filas da cantina e dos bolos, os tanques dos crocodilos, os sábados de matiné, as peças de teatro no anfiteatro, as missas na capela. O cheiro a aulas, amizade e futuro.
Onde moram memórias de tempos felizes. 
Voltar ás lembranças, é recuar no tempo e ter o mesmo olhar, o mesmo sorriso, a mesma esperança e excitação pela vida.
Voltar ás lembranças, é abraçar pessoas que pisaram o mesmo chão, estudaram no mesmo liceu, tiveram os mesmos professores, aprenderam pelos mesmos livros, respiraram o mesmo ar. Cruzaram-se nos mesmos dias, nos mesmos anos. E viram as mesmas cores, pintaram o mesmo desenho, subiram ao mesmo espaldar e usaram as mesmas alcunhas. Disseram os mesmos poemas. Cantaram a mesma canção.
É tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, té manhã...
Quatro décadas depois. É possível. A canção, o coro, a emoção...
O fim d' uma governação colonial, a independencia de um país, o exodo de meio milhão de pessoas nascidas e a viver naquele lugar onde fomos crianças, estudantes, adolescentes, adultas, não foi suficiente para esquecermos um tempo e um lugar que marca as pessoas para sempre e para sempre também, lhes desenhou em traços largos e livres, a cheio, a personalidade e os afectos.
Ficou-me a canção que, mentalmente canto, porque viajo pelo passado e não quero perturbá-o.
Ficou-me a certeza de que tudo o que perdi é nada, comparado com o que ganhei.
Porque a minha vida tem sido feita de viagens, encontros, abraços e beijos. Reencontros. Regressos. E desejos sempre maiores de fortalecer os laços de afecto e ternura. 
Porque a minha vida quanto mais vivo, mais rica é.
Sou feliz. E agora sei disso...

a Sul


foto tukayana.blogspot - Ria Formosa ao anoitecer

Parece outro país. E são só duzentos e tal quilómetros, mais coisa menos coisa a separar este lugar, da capital.
Um dia bonito, com o sol espelhando a ria. Calmaria...
Mangas de camisa, passeio a pé pela zona histórica. Companhia maravilhosa.
Aperitivo. Almoço. Conversa agradável, histórias divertidas. Viajando por Angola, Brasil e Portugal. 
Encontros felizes. Gravados no coração que bateu num compasso certo, em laços de amizade e de ternura. Saudade também.
Gravados na memória, para dias menos amenos. Em jeito de alento...
Obrigada pessoas. Todas.
Adorei ir, estar e voltar.

para ti

O sol toca-me a pele

Inunda-me 
De calor e tranquilidade

Tens a cor da paz
E da união
E o que me dás
Toca também o meu coração

E tem o nome de Amizade...

m.c.s.

o tempo


No dia que nasce
Na nuvem que desaba
No arrepio da pele
Sinto o inverno 
Que me envolve
E me sorri...
Recebo assim
A graça da vida
E sorrio também

Há-de chegar o dia da despedida
E o meu espírito, sem culpa
Se alegrará

Logo que os lírios do campo
E os ninhos das árvores
Reclamem o seu tempo
As tardes se alonguem
Os grilos cantem 
E os pirilampos iluminem os caminhos

Por enquanto
A chuva prepara a terra
O sol embala as nuvens 
Os bichos hibernam
As frutas sonham a sua flor
E eu faço um intervalo
No tempo sem estrelas
No mar deserto
Na falta das cerejas
Na saudade do calor

Um dia qualquer
Olharei o horizonte
E a primavera será a ponte
O caminho para a estação
Onde mora o meu coração
Mas hoje...
hoje o dia nasceu
E o inverno, de direito, me envolveu.

m.c.s.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

momento

foto tukayana.blogspot - ria Formosa
O sol tocou-me a pele
A ria acenou-me 
Bonita 
Silenciosa
Hospitaleira

Elevei a minha alma
Entreguei-me ao dia
Senti o perfume da tarde
Inspirei-o profundamente
Inspirei-me...

E pensei em ti

Que saudade...
Meu dilema
Minha felicidade
Eterno poema

O sol tocou-me a pele
A ria acenou-me
Coquete
Sorridente
Hospitaleira
Verdadeira...

m.c.s.

a viagem ao Sul

foto tukayana.blogspot - praia de Faro
Não foi a primeira vez... 
Um dia, era domingo, como me lembro bem...estava quase o almoço terminado e toca o telefone. Era de Trás-os-Montes. A Leonor, não só saira do coma, como também do hospital. 
Voltei para a cozinha para levantar a mesa e colocar a louça na máquina.
- A minha prima Leonor já está em casa.
Daí a ver o caminho para Chaves foi um ápice. O regresso foi depois do jantar e a chegada a casa foi de madrugada. 
Chaves fica no norte de Portugal, num Trás-os-Montes profundo, entre montes e serras, estradas e caminhos, pontes e pontões. 
Muralhas e história. 
Dizem que o que tem de ser tem a tal força que move montanhas. Sou eu a dize-lo e a fazer essa força sempre que algo me empurra com força, a isso.
Ontem não foi portanto a primeira vez nem a segunda, nem terceira, tão pouco quero que seja a última. Se for possível, universo, dá o empurrão para que esta dinamica não se perca e possa seguir o institinto, perseguir a vontade, dispor-me a põr pés ao caminho.
- Sábado vamos ao Algarve. 
Fiz contas de cabeça. Afinal, não foi sábado. Foi domingo. e fui também.
Há muito tempo que não ia a Faro. Há sete anos. 
A cidade está mais bonita e calma. Pode ser do inverno. 
A ilha está mais bonita também. Pode ser dos meus olhos.
E a Ria Formosa fascinou-me. Pode ser do meu coração.
Conheço-a dali e a caminho de Vila Real de Santo António. De Tavira.
Mas ontem a Ria foi mais ela. Mais minha. Mais próxima e fascinante.
Foram olhos que já viram muito, que ma mostraram. Olhos que conhecem a beleza das coisas. A alma que existe no que é belo. Olhos que selecionam.
Fui eu de alma livre e receptiva. Fomos nós, pessoas que nos encontrámos num daqueles encontros e reencontros felizes, que sabem a amor que não morre, que é a amizade que une pessoas desde a escola, desde a terra onde nascem. E as pessoas dessas pessoas, também. 
Foi um dia maravilhoso. Longe da capital. No sul. Com sulistas.
Depois, o regresso. 
Trouxe na pele uma primavera antecipada e nos sentidos o iodo, o horizonte e o carinho com que fui presenteada. 
Trouxe no bolso um dia fantástico e no coração, amigos.
Não foi a primeira vez que fiz muitos quilómetros para abraçar alguém e voltar de seguida. E não quero que seja a última. 
Sou daquelas pessoas que diz que se Maomé não vem á montanha, vai a montanha a Maomé. Não terá sido bem assim, mas é com esta energia que ponho pés ao caminho e não perco as oportunidades que me são oferecidas, algumas vezes de bandeja. 
O caso...

aconteceste-me

Desperto sonho
Caminho segura
Na seta que indica destino
Linha que traça o caminho
Rio que vai ter ao mar

Sonhei com o teu olhar...

Deste-me um sorriso
Farol do teu luar
Dei-te a minha mão
Para me guiar 

Sonhei com o teu olhar...

Aconteceste-me...
Verdade
Sonho
Ou ilusão

Aconteceste-me...
E depois disso
Foi feitiço... 
Ocupaste a vaga
Do meu coração

Sonhei com o teu olhar...

m.c.s.

há notícias, que eu pagava para não as receber


A dona Maria José era mãe do Nuno e da Margarida. E proprietária da pastelaria mais conceituada de Torres Novas. 
Na época em que frequentava esse lugar, éramos muitos os que nos sentávamos na esplanada, nas noites de primavera e início de verão. Depois cada família ia de férias e a pastelaria fechava por quinze dias, indo esta senhora para Sesimbra, terra e praia de que falava com muita saudade, no resto do ano. 
Porque a filha Margarida era estudante de dança, tínhamos uma relação muito agradável e chegada. Como se percebéssemos muito desse tema. Os filhos colegas e amigos, uniam-nos. Juntando-nos muitas vezes nos mesmos locais para vermos peças da filha e também do meu filho. Para além das grandes conversas nas noites invernosas quando ia beber café depois do jantar e ela se aproximava para um dedo de conversa. Era uma pessoa bem informada e sabia de tudo o que se passava na terra. Porque se relacionava com muita gente. 
A dona Maria José partiu há uns quatro anos, talvez. Ficou doente e quando eu soube já ela estava enterrada. 
Na época andava eu a juntar cacos, a tentar equilíbrio mental e emocional, a fazer de tripas, coração, para seguir com a minha vida para a frente, porque ma tinham destroçado e a morte desta senhora acabou por ser um pouco diluída na importãncia que devia ter tido para mim. Mas eu não estava inteira, não tinha as cinco oitavas no lugar, o meu umbigo estava demasiado grande e era o centro do mundo, na minha própria desgraça. Se é que isso serve de desculpa. Não serve. E por isso de vez emquando penso nela. Desaparecida para sempre do meu círculo de amizades, pessoa afável, simpática, com quem partilhava um qualquer tipo de sentimento, se calhar, mesmo não sendo uma coisa muito chegada, permito-me chamar, amizade.
Esta manhã, acordei sobressaltada. Sonhara com a dona Maria José. O sonho, perturbante, por estar ao balcão e ela recusar-se a atender-me, ignorando-me, perturbou-me também quando acordei.
Perguntava-me eu porque diabo tinha sonhado com esta senhora, do nada, uma vez que não pensara nela, não falara nela nem nos que lhe eram próximos, tão pouco da pastelaria ou de torres novas, perguntara-me o que este sonho queria dizer, qual a mensagem a retirar, perguntara-me se alguém de torres teria morrido, quando o telefone tocou.
Era a minha amiga Manuela. E parecia o obituário. 
Primeiro falou-me da Esmeralda, uma senhora com alguma idade, que fora minha vizinha do prédio da frente e sua empregada doméstica. Já me tinha dado essa notícia mas não se lembrava. Foi antes do Natal. Depois, de outra pessoa, a Paula, com quem em tempos privámos bastante por frequentar o nosso clube de nutrição. E por fim, 
- Morreu a mulher do Jorge. 
- Que Jorge, perguntei, já com o coração numa taquicardia incontrolável.
Esta foi a notícia. Que me abalou.
Qundo desliguei o telefone entrou uma mensagem da minha caçula, dando-me a notícia.
Abalou-me porque ao longo dos anos, desde o meu estágio no tribunal que dela tenho memória, no Notário. Era a Amélia. De olhos lindos, azuis ou verdes, conforme a cor do dia. De sorriso tímido e voz doce. Mulher do Jorge. Bancário e cantor de música ligeira e fado, poeta e radialista num tempo em que a rádio local começou e eu estava muito por dentro de todas essas lides e bastidores. Cunhada do Júlio, meu companheiro de camioneta a caminho de Alcanena. 
Dia após dia nos cruzávamos no palácio de justiça. No café da frente, na loja, na rua, nas festas, nos festivais, nas sessões de fados, em casa de algumas pessoas, na pastelaria da dona Maria José...
Eu saí do edifício há 13 anos. Fui promovida e fui para Alcanena. Os meus fins de semana passava-os em Lisboa com os meus filhos. Depois, fiquei sozinha. Deixei de ir beber café á esplanada da dona Maria José. Deixei de fazer compras na mesma loja. 
Deixei de me cruzar com ela. Soube que se tinha reformado e que estava dedicada a artes nobres como a pintura e o desenho. Fazia exposições. 
Esta noite sonhei com a dona Maria José e não percebi porque tive um sonho com ela.
Não acredito em coincidencias. E Nem tudo o que parece, é. 
Nada sei. Mas sei que fiquei chocada e triste. Com a partida da Amélia. Mulher ainda jovem, aparentemente saudável, bonita, com vida para viver muitos e bons anos. 
Pessoa que comigo privou décadas e décadas. Desde 1976, data em que entrei para os tribunais como estagiária.
Há notícias que pagava para não serem verdade. Esta era um delas.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

oiço-te

Oiço-te voz
Inventada
Soletrada
Soprada até mim

brisa marinha
flor de jasmim...

Oiço-te desejo
Que me prende
E me solta o beijo
Na pele
Na alma, por fim...

mistura de manga
maboque e pitanga, assim

Oiço-te em eco
Cordas a vibrar
Música e cor
Na fímbria do mar
Na areia a bailar
Suave rumor...

Oiço-te simplesmente
Voz que grita
Chora de dor
Ri e chama
Cala e fala o que sente
E dá voz ao amor

m.c.s.

no canto da sereia

É no silencio da noite
Que me oiço
E me adivinho 
Canto da kianda,
embalando-me sonhos de menina

Pé ante pé
Antes que me sobressalte
Me assuste e chore 
E arrependa,
Mulher, 
ainda e sempre menina
Irei ao teu encontro
E te escutarei sem medo
Silencio da noite
Kianda do lago

Um dia tinha de ser...

Quero abrir os braços 
Respirar-te calmamente
Acolher-te 
E ouvir-te 
Melodias de amor
E no canto da sereia
Te acreditarei.

m.c.s.

á passagem do Rei Eusébio em dia de reis

Quando cheguei ao Rossio faltavam poucos minutos para as três.
Não fiz de propósito. Aconteceu. Porque tinha de acontecer.
Durante a manhã estive pouco ligada à televisão. A minha preocupação é o meu computador. Ontem à noite sofreu um acidente e a par disso, julgo que poderá estar com vírus. Isso deixa-me bastante aborrecida. Triste e desanimada.
Primeiro porque não estou na posse de uma quantia que me permita adquirir outro, segundo porque passo muito tempo acompanhada da internet e ligada aos familiares e amigos através desse meio de comunicação. E a custo zero. Um pormenor de que muita gente se esquece ou não quer lembrar, porque é mais fácil criticar, quando me " manda " viver a vida fora do pequeno ecran. 
Viver a vida é bom. Mesmo se através de transportes públicos. Mesmo se sem motorista. Mesmo que, sem marido. Sem mãe e pai. 
Mesmo que longe da terra. Mesmo que, com filhos ausentes. Mesmo que a viver sozinha. Sem amigos e familiares presentes, a viverem também as suas vidas. Como querem, sem que eu as belisque.
Viver a vida é o que eu faço. E nos intervalos da rua, do cinema, da praia, dos almoços e jantares fora, de encontro com amigos, da fotografia, da leitura, do trabalho doméstico, das viagens, estou na internet. Escrevendo. Publicando. Comentando.
Falando no chat. 
Hoje o meu destino era para o centro de Lisboa.
Cheguei ao Rossio faltavam poucos minutos para as três. Para viver a tal vida que é boa e eu gosto. 
Não fiz de propósito. Aconteceu. Porque tinha de acontecer.
Uma multidão aglomerava-se junto à rua. Desde os Restauradores, seguindo até à Rua do Ouro. 
Entrara na Casa da Sorte, antes, a tentar a minha sorte para amanhã, para no futuro não me lamentar por ter um computador, meu fiel e amigo companheiro, avariado.
Ao sair olhei a praça. 
Gente esperava, pacientemente, por que a morte viera roubar a vida ao Rei. Eusébio. E os vivos estavam ali para lhe prestarem uma última homenagem.
Porque não? Sei que não preciso de me emocionar. Sei que não preciso de chorar. Sei que não preciso de me castigar e fazer-me masoquista, mas, Eusébio, o Rei, merece. A minha espera, ao lado de anónimos, portugueses, ou não, benfiquistas, ou não. Para ver o rei passar na sua última viagem a Lisboa. Para lhe prestar assim a minha simples, sentida, homenagem.
Porque foi um homem bom, simples e popular. Embaixador de um país que o acolheu e estimou, até à hora da sua passagem, para lá disso, porque há-de lembrá-lo para lá de todas as cerimónias que a comunicação social com toda a justiça dará cobertura em directo. Para lá dos tempos. Bons e maus. 
Porque foi o melhor jogador de futebol de todos os tempos do futebol português. Porque cresci a saber das suas vitórias que foram as vitórias do Benfica, o meu clube. 
Porque o meu querido pai o admirava profundamente bem como o meu querido tio, benfiquistas até à medula. 
Porque é o Rei. Um ser de excelência. Singular. Especial. Cidadão universal.
Porque também eu lhe devo muito. Alegrias para o meu clube. Vitórias e campeonatos. Sorrisos e olhares de ternura perante a sua humildade e simplicidade.
Assim, no dia dos Reis, eu, anónima entre os anónimos tristes, consternados, emocionados, chorosos, vi passar pelas ruas de Lisboa, na sua última viagem, o Rei, entre flashes, lágrimas e palmas. 
Até sempre Eusébio.

- a seis de janeiro último -
existem erros no texto como sinais agudos quando deviam ser graves e outros, porque as palavras dependem das teclas caps lock e shift e um acidente com o computador danificou estas teclas impedindo-as de muitas das suas funções. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

amor

Não te procuro.
E também não te encontro por aí...
O que não há em nós que não cruzamos caminhos?
O que os astros temem e o universo rejeita?
Porque há uma estória terminada na narrativa que o livro dispensou?
Edição não vendida, falso romance de amor?
Não te procuro. 
E também não te encontro por aí...
nas linhas desse destino que pela primeira vez se enganou. 
Silenciaram-se as palavras. Perderam-se as rimas e os versos.
Antes do poema nascer. 
Porque será que o amor insiste, em nós, não se perder?
Não te procuro. E também não te encontro por aí...
Mas se um dia a lua sorrir ao sol, o mar sorrir à serra 
e a rosa desabrochar, no silêncio do nosso olhar, saberei que te encontrei. 
E não mais de ti me perderei, amor que ainda não sei.


m.c.s.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

...

Penso-te

e sorrio...

nunca deixei de te amar...

por isso sobrevivi

por isso te penso 

e sorrio...


m.c.s.