quinta-feira, 31 de julho de 2014

a propósito do dia da Mulher Africana

Que importa a mim a cor da pele, branca, pálida, morena do sol e do mar conforme a estação, se Deus me desenhou na alma, o mapa desse continente mágico, feiticeiro, imenso e lhe depositou fontes de água cristalina e pura onde me banho amor gigante que me jorra do coração africano, raiz da minha raiz, que não vem do planalto nem da savana, tão pouco do deserto ou dos rios que correm para o mar. Mas vem-me da alma. Gémea, de África, que tenho. Alimento e me mantenho.
Da história. Dos escravos e dos contratados. Das plantações de café, cana e algodão. Do kisangi e do djembê. Do semba e da kizomba, do kimbundo e da gajaja.
Da terra vermelha barrenta e da acácia rubra, das manhãs brancas e do sol vermelho de fim de tarde. Da quitandeira e do jornaleiro. Do pé descalço correndo livre na brincadeira. Dos cheiros. Das cores e do sotaque.
Vem-me das kiandas, das noites quentes e húmidas, das estórias de assombração, almas penadas e feitiçarias, hienas e leões.
Que importa a mim a cor da pele se nasci livre e sem fronteiras emocionais, do ventre duma mãe que me pariu nesse mapa sem limites, nessa terra abençoada?
Que importa a mim a cor da pele se cresci entre a mistura, misturando-me nela? Tomando-lhe a tonalidade colorida de sentimentos maiores? Paixão, respeito, admiração, compaixão e união. Pelo lugar onde nasci.
Ser africana não é uma questão de pele. É antes, uma questão de Amor.
Sou africana sem remorso, sem vergonha, sem complexo, ou arrogância.
Sou africana porque nasci em África, alma gémea desse chão, desse grito, dessa fé, dessa indignação, desse abraço, dessa esperança.
Sou africana porque sim. De alma e convicção. De coração.

m.c.s.

P.S. Parabéns, hoje, Dia da Mulher Africana, a todas as mulheres que têm na alma o mapa do amor e de África.

terça-feira, 29 de julho de 2014

à procura do meu lugar


...naquele dia, chegara ao fim uma etapa. Mas eu não sabia.

Na ingenuidade africana dos vinte anos, na leveza dos dias fáceis, na alegria de tudo ter, a pureza do meu ser levava-me  a  imaginar um intervalo mais  ou  menos  longo  de ausência,  conforme os astros, os homens, a sensatez, os interesses, a família e eu própria. Apenas um intervalo.
...naquele dia, faltou-me o chão. Àquela  notícia  na rádio  que  todos  esperavam. E ansiavam. Eu, não...
Na minha alma sonhadora ainda podia  acontecer o milagre.   Apesar da  razão me  dizer que era o fim dum ciclo, o coração queria continuar a acreditar no sonho de uma terra livre aonde eu saberia qual o meu lugar. O de sempre. De pessoa  apaixonada  pelo seu  trabalho,  sua casa,  sua rua, seu bairro, suas pessoas. Sua vida.
...naquele   dia,  as  malas  foram   feitas à  pressa,   porque   era  urgente  partir.  A  solidariedade internacional ditara aquele, como o  derradeiro dia, a  derradeira   noite,  para  respirar  o cacimbo duma Luanda ferida de morte. Abraçar os que amava e deixar cair os braços no vazio. Para iniciar o longo e doloroso rol de lágrimas que verti depois. Para me despedir. Do meu lugar...
...naquele   dia  abandonei  os  meus  sonhos.  Fugi  dos fantasmas,  cedi  ao  medo,   atrevi-me  ao esquecimento e à substituição.
Abandonei os meus sonhos e fechei-me na minha concha. Morri-me e senti a perda. E sofri. Numa dor d' alma. E amadureci dolorosamente.
...naquele dia não mudei o destino. Mudei-me eu. Mas  nunca mais  encontrei  um lugar  que fosse meu. Ainda hoje, trinta e nove anos depois, persigo  o caminho de volta, para finalmente regressar a mim.

m.c.s.

P.S. faz hoje 39 anos que deixei de morar na minha terra, mas não de lhe pertencer

matemática?

Somo dias para dividir as tristezas. Multiplico sonhos para diminuir os medos.
Mas nem assim a matemática acerta no meu estado d' alma, porque o coração não sabe fazer contas que me possam beneficiar.
Digo eu, a pensar num problema que possa resolver a meu favor.


m.c.s.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

baú


Viveste no pó do baú
Nas folhas daquele diário
No poema inacabado,
Na memória
E na história por narrar.
Viveste no relógio parado
No cacimbo gelado
No tempo, que tudo cura
Passa e há-de apagar
Os sonhos que sonhei
Os beijos que então dei
E os futuros por sonhar
Viveste, lembrança feliz
Voz a suspirar
Promessa e oração,
Pele, paixão, canção
Letra que queria cantar
Viveste a ajudar
Invernos de alguma dor
Matando a espera
A tristeza
E a monotonia...
Viveste na nostalgia
De te viver, meu amor.

m.c.s.

a Ilha de Luanda

A Ilha de Luanda ( Ilha do Cabo ) de hoje. Pela objectiva do meu sobrinho.



confeitaria Royal na Luanda de outros tempos

A pastelaria do meu imaginário da criança e adolescente que fui.
Aqui percebi a pastelaria requintada.

comunicação

É nos meus silêncios, que a dor e a tristeza escrevem esse estado d' alma.
Estrangulando-me a voz. Bloqueando-me a mão.
Impedindo-me de ser feliz.
Enquanto existirem palavras em mim, não há mal que me perturbe ou domine. Porque estou na leitura dos dias fáceis.
E a comunicação acontece. Sem dislexia.
Aquiete-se quem de mim gostar se for ouvindo a minha voz. E for lendo as palavras que sei. E direi.
Digo eu, a pensar que há quem não me saiba interpretar.

m.c.s.


hoje


Hoje,
Não ontem nem amanhã
Hoje,
Quero o teu sorriso rasgado
Os teus olhos entrelaçando os meus
Os meus braços se abrindo ao redor dos teus
Num abraço tão apertado...
Onde o mundo sou eu em nós
E o meu coração toca o céu
Hoje, faz-se cedo, nesta tarde
Que foi e é um sonho meu...
Chove a esperança
E a presença
A bonança
Sem palavras nem alarde...
Hoje trazes-me a paz
E de volta o meu respirar
É tão forte o que me dás
Que suspenso quero, o dia de hoje
Neste meu jeito eterno de te amar.

m.c.s.

é domingo

E o domingo chegou
E amarelou-se de sol e luz
A brisa veio beijar a alvorada
E a liberdade do movimento
Me encantou
É domingo
Dia certo para ser feliz,
Diz quem sabe
Quem ama e já sonhou
Diz quem quis
Navegar pela esperança
Soalheira
Visionária
Necessária
De bonança...
É domingo
Sétimo dia
Na magia
Truque antigo inventando
Um arco-íris à numerologia
É domingo, na fantasia!

m.c.s.

sábado, 26 de julho de 2014

constatação triste

Às vezes sinto-me como fralda descartável. Confortável, utilizável e para deitar fora.
Digo eu, enquanto desligo o telefone, a pensar nos mijões e merdosos que me querem usar.

m.c.s.

jogadores de futebol

Acho piada aos jogadores de futebol.
A propósito de Bebé, a nova aquisição do Benfica.
Diz que é mais um para AJUDAR.
O Benfica é uma instituição de beneficência ou quê?
Ajudar uma ova! TRABALHAR, que é para isso que lhe pagam. E bem, tenho a certeza.
Homessa!

m.c.s.

a propósito de avós

Ele é lembrança de choro de pai.
No dia derradeiro em que a notícia chegou. Que partira...
Ouvira dele falar vezes sem conta, que nem sei contar. Ouvi depois ainda mais, na saudade que nunca mais teria encontro com o amor. Filial.
Era um homem rude, de estatura mediana. Trabalhador. Pastor, agricultor, negociante de gado, no fim foi até caseiro de quinta, de senhores. Era homem de palavra, reconhecido como tal, não precisava assinar para nele se acreditar, homem de muitos silêncios e de muitos olhares. Ordens. Respeito. Dele não tenho senão as memórias das memórias do seu filho. De seus filhos. D' um tempo distante e perdido entre montes e serras, rios e contrabandistas. Fronteiras, giestas e estevas. Suor, família, sobrevivência, garra e coragem. Chamava-se Francisco. Transmontano de gema. Da solidão e do poder, de ecos e saber.
Era pai do meu pai.
Ela foi uma constante. Na minha vida. Apenas de ouvir falar. Foi doença. Foi dor e saudade, exemplo de mulher coragem que muito sofreu num tempo difícil que o bicho papão se alojou no seu corpo até que a vitimou.
Ela foi venerada. Chorada. Falada por alguns. Diziam que teve azar. Foi campa no cemitério. De Santana. Na Estrada de Catete.
Com nome. O meu. Flores, regadas com o regador. Ela foi as minhas manhãs de domingo. Dias de finados. Companhia com o avô.
Ela foi uma presença que abandonei deixando p' ra trás, quando parti para longe. E ela ficou. Sepultada. Ela foi ansiedade, desejo ardente, recuperada, quando voltei ao lugar que tinha deixado décadas atrás. Ela foi emoção, quando me dirigi ao talhão onde estivera sempre, na minha memória afectiva.
Chamava-se Rosalina das Dores. Mulher da Beira Alta, perto do Caramulo. Entre a serra e o sopé. Camélias e palácios reais.
Era mãe da minha mãe.
Ela era olho cinzento e pequenino. Carrapito e pele branquíssima. Alta e elegante. De negro vestida. Meias nas pernas e lenço na cabeça, de viúva fora de tempo que cedo viu partir o seu par. Voz de comando, sabia ser doce e calma. Sorriso envergonhado. Muita educação.
Foi companheira de quarto e de cama quando nos foi visitar e ficou até se fartar. Foi compincha e cúmplice, na minha adolescência. Foi presença. Foi alguém a quem aprendi a amar. Diziam parecida comigo, eu com ela, nos feitios. E nos defeitos. Na autoridade, persistência, amuo. Na imaginação para qualquer situação. No exagero e dramatismo. No porte altivo e seguro. Na determinação. Herdei até o nome dela.
De seu nome Clara, transmontana orgulhosa, criou oito filhos, e mais quatro, que crianças, perdeu. Trabalhou no campo e em casa. Fez queijos, encheu chouriços, farinheiras, alheiras, fez paios, salpicões e presuntos. E ainda foi cozinheira na escola da terra. Fez pela vida e pelos filhos, pela família e pela aldeia. Foi estimada por todos e p'ra todos era a senhora Clara. Era a mãe do meu pai.
Ele era o super-herói. Pai na vez de pai. Mãe na vez de mãe e também na presença de ambos. Era o meu defensor. Cuidador.
Ele era jipe azul. Pepsi-cola. Pão espanhol aos sábados. Aos domingos Cazumbi e tiro aos pratos. Chicala para um banho rápido. Cemitério e Correios. Passeio. Cantorias. Balões de hélio. Feira popular. Salinas e Corimba. Piqueniques. Ele era homem alto, bonito, olhos pequenos, sorriso malandro, pele queimada do sol. Humor, educação, cerveja preta. Deitar cedo e cedo erguer, seu lema. Ele era Académica de Viseu. Belenenses. Se tivesse que escolher. E homem sem vícios. Diferente.
Generoso. Alma boa. Rigoroso, Exigente. Respeitado. Sábio. Auto-didata. Experiente. Mestre de obras. Empreendedor. Poupado.
Lutador.
Ele era deserto do Namibe, Moçâmedes e Porto Alexandre. Ele era Natal, encontro. Festa de família. Era cartas que iam e vinham e esperança.
Ele era António Rodrigues de Carvalho. Pai da minha mãe.
Ele é o avô Carvalho, meu herói, meu avô, meu grande amor, meu tudo.
A razão de tentar ser quem quero ser, pelo exemplo do que foi.
Eles são os meus avós, hoje e sempre, para sempre apesar da eternidade a separar-nos.
E se um dia for avó quero ser um pouco do que todos foram, um pouco do que cada um me deu. Se assim for, tenho a certeza de que os netos me vão admirar e mais que tudo, amar. Eternizar como eu os eternizei.

( in) directamente do Kilamba

E de repente estou a ver a TPA. E a cerimónia de abertura dos Nonos Jogos Desportivos da CPLP. E de repente dei comigo a sorrir.
Hoje não estou a ver a TPA apenas porque é uma estação televisiva da minha terra.
Há poucos dias alguém amigo, que vive em Luanda, me disse, que numa quinta-feira, viu a minha filha na televisão, porque sintonizou o canal da CMTV ( que já se vê em Angola ) e eu, angolana de mão cheia, senti uma emoção enorme por ter uma filha que é vista em Angola por angolanos, ( não confundir com vaidade ou outros sentimentos menores ).
Hoje estou a ver a TPA, não por causa da minha filha, claro que não, mas porque o meu sobrinho integra a comitiva de Timor Leste que se deslocou a Luanda para participar nos Nonos Jogos Desportivos da CPLP e como tal, está ali de corpo presente, a vivo e a cores, na minha terra, no pavilhão multiusos do Kilamba, com os desportistas timorenses. Sabê-lo ali numa cerimónia tão importante como essa, enche-me o peito de orgulho e mais emoção.
A vida é isto. Uma surpresa. Feita também de alegrias e emoções. O mundo, uma ervilha. Nada é por acaso. E não há coincidências...
E eu? Orgulhosa me sinto do trabalho que este menino-homem do meu sangue, filho e sobrinho de angolanos, com uma bisavó sepultada nessa minha terra, desempenha em Timor Leste. No campo da educação e do desporto.

digo eu

Não tenho ilusões. O que tenho são sonhos.
Digo eu, certa de que o passado não volta mas confiante de que o futuro pode chegar.


m.c.s.


o Louvre

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obrigatório para turistas - Torre Eiffel




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Evidentemente que não sendo a primeira vez que visitava Paris a prioridade não foi visitar a torre. Ainda assim, ela surgiu no meu campo de visão mais do que uma vez durante esses dias de turismo pela cidade luz.

última noite em Paris - 5 de Julho 2014

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quinta-feira, 17 de julho de 2014

numa volta ao Porto











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de Gaia para o Porto






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Por estas bandas há três semanas.

estação de São Bento - Porto



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dia de aniversário








sábado, 12 de julho de 2014

parabéns para mim

Nem sempre mulher nem sempre criança.
Andei pelos intervalos a aprender a ser gente. Ainda hoje vou tomando ensino aqui e acolá, por onde calha a sabedoria dos mais velhos e mais espertos, dos mais simples e amigos. Dos mestres.
Cortei o cabelo. Deixei-o longo. Vesti casacos, despi -me calor. Calcei sapatos, chinelos e botas. Andei descalça no chão vermelho do barro da terra-mãe.
Usei a bata, usei o sistema. Cantei baladas, cânticos de igreja, ouvindo discos, cassetes e outros que tal.
Estudei os mapas, soube-os de cor. Aprendi a nadar, a brincar e a escorregar. A evitar perigos maiores.
Comi gelados, quitaba, maboques. Também o pão, que o diabo amassou.
Vi nascer gente. Embalei-a nos braços. Pari outros tantos. E amei-os placenta. Abri-lhes as portas que outras se abriram depois.
Vi partir gente. E sofri. Parti também eu para outro lugar. Sem regressar.
Chorei lágrimas de sangue, derrotas, fracassos. Traída que fui, morri-me por dentro. Ressuscitei e não mais me matei.
Renasci da dor. Criei argumentos, defesas, deixei os lamentos. Arrependimentos...
Trabalhei mulher, mãe, anos a fio. Profissional. Pus ponto final e conheci um espaço de mim que não esperava. Mas me aguardava.
Orei e agradeci. Clamei por vitórias e consegui.
Teci a linha que na minha mão tem nome de destino. Sina. E sem desmerecer, sem sequer saber sigo-a com fé.
Acordo manhãs, nevoeiro e chuva, frio e gelo. Derreto-o e acendo a lareira, apanho o sol, que me há-de aquecer.
Deito cansaços. Fracassos. Vazios. Algumas decepções. E solidões...
Sonho na esperança do dia merecer. Ao fim deste tempo quero muito viver.
Já tive um ano, dez, vinte, trinta e cinco, cinquenta. Tive até cinquenta e oito. Há pouco.
Hoje quero a memória de tudo o que fui, conservar. Sou parte de mim e de outras que fui. Sou cinquenta e nove anos de vida e aprendizagem. Subindo degraus. Tropeçando. Algumas vezes parando ou até recuando.
Sei que não aprendi tudo o que a mulher que sou precisa aprender.
Por isso me desejo um caminho futuro para percorrer.
Parabéns a mim. Feliz aniversário também. Obrigada, pai e mãe. Filho e filha. Família e amigos. Dona Pitanga. Professores. Colegas. Vizinhos. Pessoas do bem. Universo e tudo o que me fez crescer e ver mais além.

m.c.s.

Chegou o dia 12 de Julho


obrigada Universo!


terça-feira, 1 de julho de 2014

apesar da eternidade


Ele era a minha raiz. Minha saúde. Muleta.
Dia de sol e de chuva também. Rebuçados de mentol.
Bolos da Royal. Ida à praça. À praia e ao futebol.
Ele eram quadras de Aleixo. Fado cantado. Desgarrado.
Minha saudade, no olhar saudoso da terra longe.
Família e passado.
Casa e trabalho.
Ele eram sonhos. Tantos...
Ele era um sonhador. Ingénuo e alegre sofredor.
E de estórias, real contador.
Ria e chorava sem vergonha de chorar. E encantava.
Ele era um misto de passado e futuro.
Dono do tempo, que muito amava.
Ele era Inquietação. Persistência. Teimosia e sedução.
Ele era coração...
Amigo. Marido. Pai, filho, Irmão. Tudo era. Tudo foi, na perfeição.
E eu amei-o ainda e depois de menina. Respeitei-o e admirei-o mulher.
Ele é o meu pai, sô Santo (s), aquele da minha devoção.

m.c.s.

P.S. Hoje, dia 1 de Julho, primeiro dia do nosso mês, sô Santos completarias 89 anos. E mais uma vez não me esqueci. Apesar da distância a separar-nos, pai. Da eternidade ...