segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Homem do Saco

Nasci na Avenida Brasil. Antiga Rua do Saber Andar. Onde o asfalto chegou tarde, já eu era gente, pequenina, mas gente.
Uma avenida enorme, comprida, a perder de vista, no meu olhar pequenino, como pequena, era a minha idade.Cheia de mistérios, sobretudo lá para o lado dos Eucaliptos, indo para a Terra Nova.
Dali podia aparecer tudo, incluindo " o Homem do Saco ".
Eu fui uma criança difícil. Feliz, mas muito rabina.
Dava que fazer, sobretudo à minha mãe, que sabiamente, tentava manipular.
Desobediente, respondona, birrenta e mimada ( de costas quentes do avô e do tio ) ninguém me travava a não ser o " medo " das ameaças do meu pai, que passava à prática algumas vezes.
A única forma da mãe me controlar, era a ameaça, com o Homem do Saco, ou o Velho do Saco.
Funcionava porque eu tinha verdadeiro pavor dessa figura que não conhecia, nunca vira, mas que advinhava, ser, sinistra. Pois, se metia os meninos maus no saco e os levava das suas casas, famílias e amigos...
As minhas vizinhas e amigas, mais velhas que eu, julgo terem sido cúmplices da minha mãe. Diziam-me que já lá vinha o dito cujo, ao fundo da avenida, dos eucaliptos para cá e eu apavorava-me com a idéia da perda do bem tão precioso que eram as minhas pessoas e da possibilidade de ficar nas mãos de tão demoníaca criatura.
Mas nunca o vi.
Porém imaginava-o. Um homem atarracado, com uma corcunda enorme, vestido como um pedinte, com remendos,um cajado aos ombros e na ponta do cajado um enorme saco de sarapilheira. Pesado, volumoso, cheio de outros meninos mal comportados.
Esta idéia de Homem, Velho do Saco, perseguiu-me durante anos.
Quando passei ao papel da minha mãe, controlei-me sempre, mas nem sempre o consegui. Mas esta figura não a construí para os meus filhos porque me traumatizou durante muito tempo e assombrou os meus sonhos.
Hoje, vi o Homem do Saco...
Ninguém me ameaçou. Não precisava ser castigada.
Mas vi-o. O meu homem do saco, da minha infância.
Um velho corcunda, com um cajado aos ombros e não um, mas dois sacos, pendurados.
Caberiam neles vários meninos. Eu não. Cresci...
Lembrei-me da minha mãe e sorri. Por segundos fui criança e acreditei de novo...
Afinal, as mães não mentem. Eles andam aí...
À espera do deslize...
Será que esta aparição súbita e extemporânea é um sinal?
Não. Eu porto-me sempre bem, e quando me porto mal, ainda assim, porto-me bem.
Vim aqui contar, porque dizem que devemos falar do que nos inquieta para afastar os fantasmas.
Não vá o diabo tecê-las...

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