domingo, 31 de março de 2013

ser um albatroz...


Alguém muito especial, me ensinou tudo o que sei sobre o albatroz.
Alguém que amava os albatrozes. E de barco, com os binóculos apontados na direcção destas aves de grande porte que fazem dois metros de abertura de asas, assistia horas perdidas ou encontradas, ao voo rasante que faziam felizes, acompanhando os barcos que navegavam ao sabor das ondas e no marulhar do mar, para sul. O sul mais a sul que este sul...
Alguém que nos sucessivos e ansiados encontros com os albatrozes os tratava por amigos e os sentia amigos, numa elevação espiritual singular.
Alguém que me transmitiu que o albatroz é uma ave que gosta de viver livremente mas que uma vez no ano vai para terra para acasalar. E constituir assim família com a sua parceira de quem é fiel a vida toda. 
O albatroz reconhece a sua parceira no meio de uma grande povoação de aves. A que conquista de novo ou mesmo aquela que é antiga. Como o faz? Dançando.
Nos movimentos se entendem e se reconhecem...a dança como instrumento de linguagem para a sedução. Para o entendimento...
Alguém muito especial que amava tanto o albatroz que dizia que se um dia voltasse de novo queria voltar albatroz.
Alguém tão especial que é dono desta frase que eu tive a felicidade de receber de presente, num passado, passado já há algum tempo, o suficiente para muitas vezes duvidar se existiu ou foi fruto da minha imaginação, mas que ficará para a eternidade:
- Gosto tanto, tanto, tanto de ti, que acho que te amo. 
E hoje, só porque é sábado de aleluia, o pequeno aparelho de televisão transmite um programa sobre o albatroz, gosto de dança, de fidelidade, de sedução, paixões, convicções, espiritualidade, de declarações de afectos e aprendi a amar o albatroz, afirmo que:
Eu queria ser um albatroz...

Na sexta-feira santa


Não conduzo. O carro, esse deixei-o ir quando o levaram. Como deixo ir quem de mim se quer afastar. Se vai é porque não me pertence. Se pertencer, de certo volta. Já dizia alguém que inventa pensamentos, ditados e outros ditos e quem sabe mexericos.
Mas voltando à vaca fria, como não conduzo, eis-me aqui deixando-me ser conduzida. 
Viagens atrás de viagens, ele é de autocarro, ele é de comboio, sempre carregada que nem uma burra, p' ra não dizer, como se diz por estas bandas, que nem uma mula, porque fica feio, nunca achei piada à palavra até porque quando algum branco ou negro chamava de mulata a quem nem era branca nem negra a resposta invariavelmente era: Não sou filha de mula, acompanhada de mil palavrões que não a tornavam, à dita, melhor pessoa. E confesso que fiquei traumatizada com essa ofensa e por isso mula é animal que não tem a minha simpatia. 
Burra está de bom tamanho porque é isso que sou, foi isso que fui. Mil vezes burra de acreditar que quem tem uma vez motorista, para sempre motorista.
Hoje em dia e embora me custe admitir olhos nos olhos da minha inércia,, o acomodar baila-me no pensamento e também uma frase batida: Agora já vais tarde, maria clara. Agora tarde piaste, que é mesmo assim. Até porque burro velho não toma ensino e deixá-los aos que gostam e sabem, conduzir e conduzir-se que eu que não conduzo, aposto com o maior entusiasmo na possibilidade de ser conduzida. Porque é a tal coisa, quem não tem cão caça com gato. E dessa espécie percebo eu...
Não há automóvel, há autocarro.
E eis-me aqui apreciando as paisagens verdejantes da lezíria. Alagados os campos com a chuva que é mais que muita, o povo ribatejano habituado que está, não lastima a sua sorte.
Onde não há água há giestas amarelas embelezando os caminhos. Já não há retorno, e pode chover até os cães a beberem de pé, pode chover a potes, pás e picaretas ou a cântaros que a primavera se instalou na natureza e até o calendário nos diz que não tarda nada e a hora muda.
E eis-me aqui a pensar que se acaso conduzisse não poderia apreciar a beleza da natureza. Não sei se sou eu a mentalizar-me, se sou só eu arranjando desculpas para os fantasmas criados e que impediram fortemente essa prática corrente e que só não o foi para mim porque nunca peguei o touro pelos cornos porque lá está, existia um motorista que gostava muito de o ser e nunca me incentivou a sê-lo também.
E eis-me aqui, convertida em viajante nesta sexta-feira santa, dizem que sexta-feira da Paixão de Cristo, e quem o diz é da terra que à época, na igreja, tapava os seus santos com panos roxos até que Jesus ressuscitasse. 
Foram tempos, foram crenças, foi outra terra, outro lugar...
Enfim, dou comigo aqui, pensando que afinal aconteceu-me fechar-se uma porta e abrir-se uma janela do tamanho do mundo para nela me empoleirar e daí poder viajar...ate ao fim do dito mundo que me sorri mais desde que a porta se fechou. Desde que dispensei, a pedido, o motorista que me conduzia e não me incentivava a fazê-lo. 
Na verdade, há males que vêem por bem e me dizem que é um facto não conduzir mas sou conduzida pelas mãos de Deus o que é uma benção e o meu mundo não parou de crescer.
E eis-me aqui, reflectindo porque hoje é sexta-feira santa e estou em viagem...

reflectindo

A intransigência é uma falsa questão. Engana e enfurece o próprio.
Castra-o.
Digo eu, que não gosto de beber do meu próprio veneno.

o último dia, a última vez




Acordei cedo. É o meu último dia de oficial de justiça. Em Alcanena. 
Sempre me considerei funcionária do tribunal de Torres Novas, numa posse conferida pelo estágio e pelos anos de funcionária que ali trabalhei, mais de 20, porém foi em Alcanena que passei a última década e mais uns trocados e onde recuperei alguma tranquilidade no desempenho das funções. 
Nunca pensei que o processo de soltar amarras a obrigações que duraram 34 anos, fosse tão pacífico. Sei quem é responsável por isso mas adiante, sempre em frente que atrás vem gente e isso já não interessa nada se estamos na rampa final. Não há como voltar atrás, não quero voltar atrás. 
Houve no meu acordar sobressaltado ao longo da noite e no meu madrugar um sinal de que nada se faz num estalar de dedos nem tão pouco se fecham portas sem olhar para trás. Eu não o faço. Porquê? Porque eu sou passado. Construí-me e reconstruí-me nele até chegar aqui. Não me persegue...muito, mas isso são contas de outro rosário.
Às 7,30 estava pronta e não evito censurar-me por não ter sido assim ao longo dos tempos. Andei a fazer tangentes ao sono, ao banho, ao pequeno almoço e aos autocarros e boleias, às horas, num rés vés campo d'ourique stressado e muitas vezes escorregado e acabado no chão em quedas aparatosas e sofridas. 
Liguei à minha boleia. Não respondeu. Adiantei-me para o computador. A fim de ver as últimas. Alguém d'um grupo a que pertenço se passou da marmita comigo ( educada e polidamente ). Não sei se estou a envelhecer, até porque hoje é último dia no activo, se não me reconheço a deixar a falar quem comigo se quer pegar ou não concorda, não sei se porque não estou para aí virada, merdices, cansam-me. Nego-me a fazer parte delas. Não me apetece, acho enfadonho, pequenino e pouco inteligente. Cansei do diz que disse. As redes sociais têm esse perigo. A bílis das vesículas que têm pouca saúde, castigadas que são pelas coisas gordurosas, a carência de chá, só que tomassem o de caxinde e o ócio a deixarem falar o espírito um pouco doente também dá por vezes momentos de alguma crispação que não faz bem a ninguém e nada se aprende senão por vezes engolir sapos que são de difícil digestão, convenhamos. 
As redes sociais já sabemos têm de tudo e tem também gente que acha fantástico o facebook mas o propósito maior é o de cotucarem quem por lá anda calma e serenamente e a passo certo. Será que não nos acompanham na passada e ficando para trás se vitimizam disparando em todas as direcções? Não o sei. Isto sou eu a reflectir sobre pequenas divergências, pequenos incidentes. Braços de ferro numa força que comigo ficam a ganhar porque eu nem na língua a tenho, temos pena. 
Acabei desligando o computador porque tenho mais vida para além disso e hoje é o meu último dia no tribunal. 
Isso sim, parecia que não mas está a mexer comigo. Depois do livro de ponto assinado não mais colocarei a minha assinatura nos dias. Não terei mais faltas nem férias. Não me sentarei mais na secretária nem entrarei com a minha password no computador de trabalho. Não conversarei com a estrangeira que vem tirar o registo criminal para obter residência em Portugal nem contarei mais nenhuma certidão. Ao telefone não voltarei a dizer: Estou sim, Tribunal de Alcanena, boa tarde...
Isso sim, está a dizer-me que é a última vez. Que foram muitos anos. Que se acaba aqui a minha carreira. 
Que serei reformada, aposentada, livre ou lá o que fôr.
Já estou na rua, a caminho do autocarro. Esta será a minha última viagem com o Rosa, com o Júlio, com as múmias paralíticas do banco da frente, sempre prontas para afiarem as unhas a quem chega, aquelas a quem sempre chamei velhos do Restelo, com a senhora ucraniana que já me tem oferecido boleia que nunca precisei, com a outra que vem do Entroncamento e com todos os ocasionais. 
Na rua o ambiente é o de sempre, de quem trabalha e tem de se deslocar. O TUT passa apressado como que a dizer-me que são 8 e 10. Apresso mais o passo. 
- Querem ver que até hoje perco o autocarro?
Mesmo no último dia, na última vez, há coisas que nunca mudam...


aleluia...


Toca o sino da igreja
Aleluia, aleluia 
É sábado e o sol brilha
E ensaia uns passos de dança
Ressuscitando a minha esperança
No homem...
Na idéia d' um ser tão justo
Tão sábio e tão humilde
Espalhando a fé, a doutrina
No mar, no monte e na mina. 
Há gaivotas esvoaçando
Há vozes ao longe chamando
Há até no madrugar
A Páscoa a fazer-se notar
Aleluia, aleluia...
E o mundo está tão diferente
Tão injusto e descontente
Sem vontade de orar...
É sábado e acordei
Renovando votos de paz
Perdidos, mas que encontrei
Nos dias que já vivi
Nas penas que já sofri
Nos sonhos que quero sem fim
Para o povo, que o merece
E também p'ra mim
Aleluia, aleluia
A esperança é última morrer
Já dizia o pensador
Que acredita na palavra,
Na força da intenção
Cristo em nós vai viver
P'ra sempre permanecer
Se o aceitarmos no Amor...
Já me diz o coração. 

m.c.s.

sábado, 30 de março de 2013

boa Páscoa...


Boa Páscoa...

Uma criatura chega a uma idade que já viu quase tudo. Já passou por quase tudo, já ouviu quase tudo. O quase que falta é o que nos mantêm interessados na vida. E ainda nos vai surpreender.
Esta noite recebi um convite para jantar num restaurante todo XPTO, na baixa, mais precisamente na Praça da Figueira, a escassos metros do local onde vou dormir. E aceitei de olhos fechados. Na hora. A companhia, a melhor do mundo.
Meu pulmão, meu coração, meu aconchego.
E fui. E fomos. E o restaurante é óptimo. A comida muito boa, os empregados muito simpáticos e a relações públicas cinco estrelas. Chama-se Honra e pertence ao Olivier. 
Até aqui, tudo normal, foi mais um jantar. Gostei bastante e amei estar de companhia da minha cria mais velha que hoje particularmente estava linda, faladora e bem disposta. Mas foi mais um jantar. 
De regresso a casa, um grupo de pessoas jovens estava parado à boca da passagem para a travessa. Dois dos jovens sentados nas escadas de acesso à travessa bebiam cerveja como o fazem no Bairro Alto ou no Cais do Sodré . À nossa passagem quase que em uníssono os dois jovens disseram um boa noite sonante que me contagiou respondendo-lhes no mesmo tom.
Mas não ficou por aí. Ao chegarmos à travessa, como que tivessem andado a semear jovens idênticos pelas ruas da baixa, outro encostado a uma parede, mijava. Perdoem-me a palavra mas dizer que estava a urinar, ou a fazer xixi, é pouco. A criatura mijava mesmo para a parede. Contra a parede. À socapa. Na calada da noite. No escuro. 
Mas esta forma de verter águas, como se diz aqui na tuga, fazer menores, como se diz na minha terra nada tem de surpreendente. Os homens têm a maior facilidade em desapertar a braguilha e aí vai disto que é democrático. E a culpa foi das mãezinhas deles que quando começaram a andar e pediam para fazer pipi, as próprias agarravam neles, coitadinhos dos meninos, os seus ai jesus, escolhiam um sítio recatado perto de uma parede e zás. Se o pimpolho não conseguisse, ainda faziam o típico xxxxxxxxxxxxx, para que fosse embalado e desatasse a fazer os ditos menores. Todos sabemos que temos culpa.
Por isso nem articulei um som que fosse, passando ao lado e com o olhar longe daquele espetáculo deprimente.
O que me surpreendeu foi que enquanto a criatura desenvergonhada vertia águas agarrado à minhoca, dizia: Boa Páscoa! 
E eu que cheguei a esta idade e já ouvi quase tudo e mais um par de botas nunca tinha ouvido votos de boa Páscoa, enquanto alguém mijava. Mas, porque a idade não deixa que me desconcerte, retribui ecoando na travessa: Boa Páscoa para si também.
Acontece-me cada uma!...

quinta-feira, 28 de março de 2013

ponto final

E pronto...ponto final numa carreira de 34 anos.
Zás! Bati com a porta.
Não quero olhar para trás, mas não sou pessoa de virar costas só porque sim...
E isso custa...
Acho que vou chorar...longe dos olhares indiscretos.

Se fosse lamechas dizia agora que: Quero o colo da minha mãe.
Eu sou lamechas...

quarta-feira, 27 de março de 2013

Joe Bonamassa & Beth Hart - I'll Take Care Of You

Viva...


Há dias que a felicidade me acorda para a vida e eu percebo que acordar é o início d'um dia 
singular. Digo eu, que sem motivo especial estou de bem com a vida. Viva...

m.c.s.

constatando


Quanto mais velha, mais lúcida. Quanto mais lúcida mais indiferente aos mal intencionados. 
Digo eu, que faço vista grossa, hoje mais que nunca. 
Será dos óculos?
Não me parece, pois ainda hoje foram bem limpos, é mais de...ah deixem p'ra lá, pois estou 
nessa de - vozes de burro não chegam ao céu.

m.c.s.

terça-feira, 26 de março de 2013

a minha manhã


Nove e qualquer coisa. Saio de casa. Há pouco chovia por isso é urgente o chapéu.
Na rua não está frio nem chove. Olho adiante enquanto penso que devia morar mais perto do metro. Que canseira! 
Quando já avisto a passagem aérea que vai do Sr. Roubado a Odivelas, passa o metro.
- Merda! Pouca sorte. E eu cheia de pressa...
Quando vier de vez para cá tenho de voltar ao passe. É muito mais prático e económico, penso enquanto tiro o cartão verde que fiz no domingo com algumas viagens. 
O metro chega entretanto, que, apesar de eu estar de férias, a vida continua, o país não pára e é terça-feira. Vai cheio que nem um ovo. Nem um lugar disponível. Agarro-me ao varão enquanto aperto a minha carteira de encontro ao peito não vá o diabo tecê-las e umas mãozinhas  astutas me roubem. O computador na pasta de traçar e nas mãos, dois sacos e o chapéu de chuva. 
Dê lá as voltas que der ando sempre com a casa às costas. É quando assim é que me lembro da minha ex-vizinha, mãe dos índios e mulher daquela criatura mansa  que eu sei lá, tão mansa que quando ela se pôs ao fresco, a criatura não desmanchou o sorriso pateta que exibia, chovesse ou fizesse sol. Quando me avistava ao fim da rua ou se cruzava comigo dizia: Olá vizinha, sempre carregada de sacos. Não sei se era uma cassete que disparava ou  se tinha razão. 
O homem barrigudo de camisola encarnada toca-me na mão que agarra o varão. Áspera e calejosa arranha-me os dedos. Grunhe, que é o termo, uma desculpa e olha para o lado.  A rapariga negra de cabeleira postiça e rosto bonita, assiste e apesar de estar ao telefone, olha-me nos olhos, ergue as sobranceiras e sorri. Saio no Campo Grande abandonando a linha amarela e corro para o metro da linha verde. Corro sempre. Deviam estar mais sincronizados nos horários. Entro na última carruagem. 
De novo me agarro ao varão. Ocorre-me a dança. Pisco o olho ao meu eu mais divertido. Havia de ser bonito se eu endoidecesse e desatasse a despir-me para iniciar a dança do varão. Han, maria clara? Estás mesmo boa ou piraste de vez? 
Apesar da hora ser de ponta, das caras carrancudas, dos jovens ouvindo música através dos fones, alheios ao que se passa à sua volta, apesar das pressas, não estou nem contrariada nem mal humorada. P'ra quê? Começa o corre corre dos pedintes que com latas, garrafas d´agua cortadas ao meio e vazias, vão passando e numa cantilena demais conhecida vão chamando a nossa atenção.  
Na estação dos Anjos entra alguém que quase me leva pelos ares. Senta-se de seguida como que por milagre. Uma mulher ainda jovem levantara-se para que se sentasse. Balançando-se para a frente e para trás, o jovem é olhado por todos os que vão à sua frente. Os movimentos assemelham-se ao que os autistas fazem. Atrás dele entrou um cego que já conheço há dez anos nestas andanças. Pedindo e batendo com a bengala na caixa de madeira, chamando a atenção, é mais isso. O jovem levanta-se e tira umas moedas do bolso das calças. Tenta falar com o cego, mas apenas sai o som não articulando palavras. Todos olham de novo para o jovem. Sai a pessoa que ia ao seu lado. Ele oferece o lugar à mulher que ia no seu. Ela recusa. Eu sento-me. 
Ele olha p'ra mim. à frente dele uma mulher toda empiriquitada olha-o.  Ele mexe-se nervoso. Na estação seguinte levanta-se e muda de lugar. Inicia o baloiçar. Mais uma vez todos os que vão à sua frente o olham. 
Saio na estação do Rossio. Na saída da Praça da Figueira. Junto às escadas o homem de sempre. Alto moreno de barbas. Umas vezes tocando outras quieto. Os cães junto dele. Do outro lado os cobertores e os sacos. No domingo, este homem que agora está calmo como sempre que aqui passo o vejo,  falava inglês  como se não houvesse amanhã. Repetia esquizofrenicamente, funk you, funk you e eu que não costumo estar nem aí apeteceu-me dizer-lhe funk you p'ra ti também, meu. Hás-de cá vir pedir-me uma moeda que te conto um conto, mas ia acompanhada e calei-me.
Não chove em Lisboa. Saio para a rua. À boca do metro uma loja que vende camisas e camisolas, casacos e outras peças. D'um mau gosto que até arrepia. Do interior, música aos berros. Um homem de camisa aos quadrados numa extensão do mau gosto da sua loja, lê o jornal. Indiferente à música e a quem passa.
Escuto a música e sorrio. Africana. Faz sentido o sentido de oportunidade. O mundo é dos espertos. Os africanos passeiam-se entre as praças do Rossio, esta e a da estação dos comboios.  Deve ser um chamariz. Olho de novo. Não bate a bota com a perdigota. Ninguém ali é africano. A música não é conhecida. O que me surpreende. Porque se fosse, Irmãos Verdade, Bonga, Paulo Flores, Tito Paris, fazia sentido. Os portugueses gostam. Mas esta música é daquelas que só quem bebe água do Bengo, senta na esteira com a lavadeira da casa a comer feijão d'óleo de palma, compra doces de jinguba na rua, ou gosta de múcua, cola, gimboa, insulta em kimbundo, é que gosta.. Sente-a porque a tem nas entranhas, nas origens, nas raízes que nascem e crescem dentro e fora de si. Dentro de nós...
Avanço pela praça atravessando-a. As pombas indiferentes à minha passagem correm sem levantarem voo  As gaivotas misturam-se em busca dos pedaços de pão e restos de comida que sempre ali existe. A cor do dia assemelha-se ao cacimbo de Luanda. Inspiro com força. Como se o ar da minha terra atravessasse o Atlântico e chegasse até mim para me desejar bom dia.  Sinto um arrepio na pele. Não, não estou em Luanda...ainda. Isto é Lisboa, numa manhã de primavera. Estou de férias e tenho que ir ali mas volto já...   

conversetas com o eu que há em mim...


Chove no Olival Basto. E eu que preciso de ir para a Baixa de Lisboa, já já daqui a meia hora...
Estou um pouco farta deste tempo húmido, pegajoso, melancólico e feio. 
- Como é que é Primavera? Impõe-te minha! 
Ou estás na tua e nós que nos tramemos?
Andas a pedi-las...
Vê-se mesmo que és mulher ( cai-me o carmo e a trindade ). A fazeres-te de díficil e cara. 
Olha, se eu te prometer uma atençãozita, assim em modo de poema, mudas isto?
É que não sou só eu que reclamo e olha que eu não sou de grandes queixas. Todo o mundo neste retângulo de terra aqui no sul duma Europa castigadora que tem uma mulher horrorosa a lixar-nos a mona, os bolsos e a vidinha, todo o mundo mesmo, diz que se ao menos os dias fossem de sol...
Esperança, Primavera, esperança. Tu sabes do que falo. Perfume das flores, sol, dias maiores, encontro com o mar, sonhos coloridos. Preparação para a praia. Fins de semana alegres. Calor. Gelados e sobremesas. Saladas e cerejas. Cerejas, Primavera... ai quem mas dera já cá.
Noites estreladas, luas cheias espelhando a sua luz nas águas do Tejo, grilos, pirilampos...
Olha, queres música mas eu não estou p'ra dá-la. Basta por agora até porque estou cheia de pressa. 
Bem, tenho de procurar um chapéu de chuva e fazer-me à vida, à capital, ao dia que me espera mas não muito. Quanto baste....
Assim como assim, acordei. A minha gente está bem e hoje é terça-feira. Quem sabe me sai o euromilhões?
Isso é que era! Passava já por cima da primavera, olha, temos pena, mas era mesmo assim, e instalava-me no verão do meu sonho desta noite. Sem olhar para trás...
 

segunda-feira, 25 de março de 2013

viagem


Mãe é Mãe...e não há nada a saber. A dizer. A fazer. 
Quer dizer, mãe mesmo ignorante e silenciosa, faz tudo pelas suas crias. Tudo quer dizer tudo...
...deita-se às duas e meia e acorda às seis. Perdida de cansaço e sono. Pálpebras pesadas, securas, dor de cabeça. Preocupação e aperto no peito.
Olha a sua cria nos movimentos de preparação para mais uma saída, de lágrima no olho. 
Não quer chorar. Mas o lábio e o queixo já estão a tremer...e o coração, ai o coração, apertadinho. Mil tenazes sem dó. Magoando, magoando...
O estômago parece que cai na fraqueza mas não há fome. 
A saudade começa ainda na presença. 
Um telefonema para a praça de taxis diz que está na hora. 
Lá fora chove um chuvisco teimoso, cadenciado e frio. No lusco fusco da manhã se iniciando, o coração de mãe se acinzenta. 
Sacode a cabeça, olha o vôo dos pombos por cima do rinque em frente da casa. Olha os verdes sem fim da primavera que pinta de esperança o monte que a separa da cidade grande. E eleva os olhos aos céus.
- Meu Deus, protege o meu filho.
O abraço chega quando o taxi estaciona em frente da casa. O abraço parte...
Fica o calor, a voz, o aconchego. O amor. 
Fica a vontade de o ver feliz. A sua cria...sangue do seu sangue...
- Estás tão bonito, meu filho! recorda. 
Fica o sorriso complacente de filho que dá o desconto, ao amor de mãe cego e surdo.
Fica o cheiro, a pele, o beijo. O amor. 
- Meu Deus, protege o meu príncipe...

família

foto tukayana.blogspot

renascer


Nasce a flor no meu jardim
Neste sábado de primavera
Espalha-se o perfume de jasmim
E o sol vem até mim
Num doce e morno abraçar
Embrulhado de quimeras
E canções de embalar
Nasce a esperança
Numa ambição redobrada
Na nova estação.
Brota-me a emoção
Tatuada na minha pele
E no verso que me faltava,
Ao poema por inventar
Nasce a vontade de amar...
Tocam sinos dentro de mim
Preparam-se foguetes p'rá festa 
Chamo a fanfarra e o kimbanda
Ofereço a mão para a sina
E nas linhas vejo caminhos
E pontes
Que me levam p'rá outra banda
Onde quero ficar
Bebendo nas velhas fontes 
Para voltar a sonhar...
Ofereço-me às noites estreladas
À lua que enfeita o céu
E também às madrugadas
Ao chão barrento me ofereço
Ao crepúsculo feiticeiro
E ao albatroz do sul
Que a voar é primeiro
Ofereço-me às tempestades
À onda e ao seu marulhar
Ofereço-me feliz
Qual alegre petiz 
Ao desejo de recomeçar.

m.c.s.

explanação



Dizem que as mulheres são invejosas, ciumentas, más com as outras, suas semelhantes.
Trabalhar com mulheres? Deus que me livre. Todos dizem. Até mulher. 
Fala barato, estão aí. E intriguistas.  Linguarudas, inconvenientes, maldizentes. Mesquinhas, sarcásticas, snobes e outros " atributos " menos nobres. 
O homem diz que ela é um bicho raro, complicado, medroso,  moído e muito chato. Que cabeça de mulher ninguém entende, nem ela.  Que chora com razão e sem ela. 
Quer tudo o que não tem e tem tudo o que não precisa. Se ofende à toa, ri do que não tem graça e nem sempre tem graça quando ri.  Diz que é obstinada, mandona, regateira. Quer ter sempre razão. Que muda de humor como de cueca, quer estar sempre onde não está e se acha muito. A rainha do sabá. 
Diz ainda que mulher é burra e inventou até a loira para dar " pancada ". 
Diz também que fala demais...
Não é?
Eu que sou mulher sei que é assim. Homem descomplica mas foi atirando farpas e a mulher caíu que nem patinho e acho até que para agradar ao homem, concordou, mesmo se não é loira. Claro... A descrição é perfeita parece que estou a ouvi-la num falso e íntimo momento de intimidade. Depois, enfiou a carapuça e vestiu a camisola desse " bicho " raro, desse ser que ninguém entende nem ela. E muito depois arrependeu-se e revoltou-se, sendo que podia dizer-se que já foi tarde, mas não, ainda foi a tempo. Digo eu e todo o mundo que tem olhos na cara para ver...
Os tempos estão aí a dizê-lo.
Mas enquanto isso, mulher foi parindo e dando seres; mulheres e homens. E criando umas e outros de forma diferente. Para não serem semelhantes. Deu nisto. Chegamos aqui neste ponto da vida. 
O caminho foi árduo para a mulher, favorável para o homem. 
- Ah porque ele saiu de casa para ir pescar e caçar enquanto ela ficou na caverna passivamente esperando alimento, dizem. 
Ah pois é. Ainda hoje, de lazer, de vaidade, de precisão de instintos duvidosos, o homem sai de casa para caçar e pescar e muitas vezes aves raras e nem um dedinho apontando. Que mulher pode até disparar,  ferir, mas não mata.  No mais das vezes...
Enfim, mulher é isso tudo aí na pior das hipóteses e dependendo do ponto de vista. Até por ser espontânea e  genuína sabe olhar-se ao espelho e vislumbrar um ser com todos os supostos defeitos e qualidades. 
Sabe ficar quieta e se interrogar, embora o mundo ache que está calada porque está triste, amuada, inventando sarna para se coçar, ou congeminando alguma para se vingar, se evidenciar, ou mesmo só para se envaidecer. Só para o seu melhor viver. O tal bem-bom que dizem que mulher gosta. E...? Bem-bom todo o mundo inteligente devia gostar.
Ah e não batam mais no ceguinho, martelando na tecla que mulher quando não quer sexo inventa dor de cabeça. A cabeça de mulher pode ser inventora mas se calhar por isso mesmo de vez em quando doi ( até de ouvir tanta baboseira )  e quando doi não há passagem de mão pelo pêlo que alivie e convença que é remédio. Mulher sabe o que quer e quando não quer não há nada a fazer. Como sempre devia ser...
Sou mulher. Conheço esse mundo feminino porque sou observadora e não cusca. Porque sou curiosa e não quadrilheira. Porque a minha inteligência tem que jogar a meu favor e não porque sou burra, teimosa, abelhuda ou oportunista. 
Conheço a mulher porque me conheço um pouco nesse limite que quer queiramos quer não, existe, e ainda bem e posso dizer que mulher é complicada porque o mundo a complicou. Num oportunismo feroz. Num salve-se quem puder e quem vai poder vai ser o homem. Mas também porque mulher gosta de ser muitas coisas. Do desafio. Do risco. De se pôr à prova e de se ultrapassar. 
Gosta de desfazer nós. De fazer da sua vida, palavras cruzadas. 
Gosta de estar na sanita, falando ao telefone e lendo a última página do seu livro preferido ao mesmo tempo que se olha no espelho e descobre mais uma ruga, enquanto ralha com o cão que está a roer o seu chinelo e acabou de fazer um buraco na sua collant acabadinha de estrear e que lhe custou os olhos da cara... 
Sou mulher. E gosto. Nem me imagino não o sendo. Ou imagino? Pois. Se não o fosse, queria ser assim como sou. Seria um problema porque homem recusa ser curioso, sensível, sonhador, ter medo, dúvidas, angústias. Homem que se diz homem quer ser durão, caçador, machão. E os outros, os que não o são, não são...
Se eu fosse homem seria com certeza dos outros, porque defendo que homem e mulher é tudo a mesma coisa. Ser, criatura, pessoa sem sexo nem distinção. Apenas mente e coração.
O resto, é opinião. Pormenor. Detalhe. Nunca condição.
Gosto da minha existência. Porquê? perguntarão.
Porque sim, responde a mulher. Porque...enfim, paro aqui ficando para uma próxima a explicação pormenorizada da questão,  porque por ser mulher é também isto. Um defender acérrimo da nossa posição, uma longa explanação acerca do assunto.
Uma seca, dirão os machos. Uma seca porque não falo de sexo, de gajas, de engates. E a elas parece que as estou a ouvir: Que seca! Apre! Estou eu aqui a perder tempo! A cansar a minha beleza...Porque não falo de fazer o amor, de gajos e de flirts. 
Afinal, não somos todos humanos? Bruxo! A massa é a mesma. É que o segredo não está na massa mas no que lá se põe...
O segredo? Chama-se conteúdo.

Já sou Titivó

Bem vindo Isaac!

Kaluandas minhas kambas

As Kalus em Luanda num almoço de fraternização onde eu não estive fisicamente mas de alma e coração acompanhei esse sábado feliz.

quarta-feira, 20 de março de 2013

PilotCAM View into Luanda, ANGOLA

day after


- " O meu pai é o melhor pai do mundo " disse uma menina de 6 anos, talvez...
- Porquê? Perguntaram-lhe. 
- Porque me protege. Disse a menina.
Pai é para isso mesmo. Para proteger as suas crias. 
Pai é para Amar. Até ao infinito. 
Para lá de todos os céus, do Universo, da Eternidade.
O meu pai amou-me até à exaustão. 
Para lá dos seus limites. Para lá do possível. 
E sim, como a menina disse, protegeu-me sempre. Protege-me...
Sim, o meu pai foi o melhor pai do mundo.
Sim, o meu pai está presente na minha vida. Em cada atitude, em cada decisão, em cada olhar, em cada pensamento, em cada expectativa...
Amo-te pai.

em jeito de retrospectiva



Uma criatura começa a trabalhar cedinho. Vinte e poucos anos. Desconta para a reforma anos a fio vendo essa mesma dita reforma lá longe. Como algo que pode nem acontecer de tão distante que está. Até se aborrece de ver os descontos na folha de vencimento. Quando lhe contam o tempo de serviço faz contas e ainda falta tanto...
O tempo passa. Anos mais anos e nós nem damos por isso. 
Chega um dia que temos cabelos brancos e vamos a correr pintá-los. Os filhos já não são crianças nem adolescentes. Vão para a faculdade. 
Há uma frase recorrente sobretudo quando estamos fartos de tribunais, magistrados, colegas, advogados, presos, autópsias, julgamentos, processos, público, mas na qual nem nós acreditamos: Quando me reformar...como remédio para todos os nossos aborrecimentos, para as nossas prisões e deveres.
E a reforma ainda nos parece distante. 
De repente alguém nos diz que deviamos ir a Lisboa. À Direcção Geral. Que temos mais a ganhar que a perder. E a gente até acredita. E sem pensar muito vai. E sem pensar muito porque se o fizer desiste, até faz o requerimento e entrega-o.
E pensa depois: Será que fiz bem? E algo diz dentro de nós, que sim. Algo forte. 
Foi assim comigo. Como que a mão de Deus a tocar-me e a acenar-me. Como que Sô Santos e Dona Celeste, avô Carvalho, todos os meus entes já noutra dimensão, o Universo a gritar-me que fiz bem. 
Nunca soube explicar muito bem porque fui tão fácil de convencer mas na verdade nunca me arrependi de a 28 de Dezembro de 2011 apanhar o autocarro para Lisboa e chegar ao Campos da Justiça determinada a deixar lá o meu pedido para a reforma. 
Esqueci depois. Nos meses seguintes tudo aconteceu e se passou com normalidade. 
Quando parti o ombro e fiquei em casa dois meses pude perceber muita coisa. Adquiri aí nesse tempo de imobilidade e incapacidade, paciência, a paciência que não tinha. Que me permitiu voltar ao trabalho e esperar pacientemente por este dia. O dia da minha carta de alforria como costumo dizer por brincadeira. 
Chegou. Hoje. Há quem não acredite no que está para além de...
Há quem ache que o destino é uma fantochada. Mas na verdade hoje estava com uma pessoa que gosto muito e que já não via há muito tempo por força das alterações nas nossas vidas, quando abri a caixa do correio. E foi essa pessoa, minha amiga do peito, a primeira a dar-me os parabéns. E eu não acredito em coincidências. Mas fez sentido que ela estivesse comigo nesse momento já que esteve presente quase sempre nestes últimos 6 anos. Em momentos muitos difíceis. Em momentos muito bons também. Mão de Deus, pensei eu.
Serei desvinculada do serviço a 31 de Março. Também faz sentido. E sobre esta data não darei qualquer explicação mas se a desse vocês sorririam e abanariam a cabeça afirmativamente. Na verdade há mudanças grandes que a gente tem de viver. E há fins que dão lugar a reinícios. Renascimento. De facto não acredito em coincidências...
Tenho a certeza de que vou ser feliz. Não é arrogância não. Tal como me surpreendo da forma serena, bem tranquila como recebi essa carta, também serenamente sinto que vou ficar bem. 
A fé por vezes é apenas acreditarmos em nós e no universo. O resto...o resto acontece.

( 18 de Março de 2013 )

terça-feira, 19 de março de 2013

hoje e sempre

Sempre no meu coração, Pai.

chegou!


segunda-feira, 18 de março de 2013

domingo, 17 de março de 2013

luanda junto à velha igreja da nazaré


não tão de repente assim...


De repente surgiu uma saudade. De ti... 
Vá lá, não tão de repente assim, porque ela mora no meu coração permanentemente. Ocupou-me as águas furtadas, todas as assoalhadas, há quase quatro décadas e permanece. Até quando? Até sempre... num direito de usocapião.
Talvez seja mais acertivo dizer que, uma saudade avassaladora. Com palpitações e aperto no peito. 
Paixão. Daquelas que não pensamos, não comemos, não dormimos , não discernimos. Não interessa mais nada, focados, cativos que estamos no motivo de tão dominador sentimento. 
Com imagens formadas nas cores do arco-íris, os cheiros fortes, os sons intensos, os movimentos selvagens, o sorriso pateta que sempre se me desenha no rosto e na mente se te penso e sinto para lá do horizonte, a lágrima brincando de toca e foge e um desejo incontrolável de fazer as malas e partir...
De repente sonhei sotaqueado, belo e gargalhado. Sonhei coloridamente. E quis chegar. 
E quis entrar no ritmo da cidade, apenas entrar...
Apenas filha, amiga, parente. Apenas mulher, alma livre e primária. 
Solta, leve e inconsequente. Apenas kaluanda. Apenas angolana.
Apenas eu...ao encontro de mim.
De repente, tão de repente, que acordei neste sábado simpático da europa e mais uma a somar a tantas vezes, percebi, que mesmo quando mergulho no inconsciente que o repouso me dá, tenho áfrica acordada, em mim. Queimando de tanta paixão. Alimentando-me de tanto amor.
De repente, não tão de repente assim afinal, surgiu uma saudade feroz. De ti...

sexta-feira, 15 de março de 2013

quarta-feira, 13 de março de 2013

foz do rio Kuanza - Angola


esperando o Papa


Tenho estado a pensar que tenho uma paciência invejável. De Jó.  
De corno. Deve ser da experiência... 
Ai! Perdão, mil vezes perdão, pelo palavrão. 
Não percebo isto mas saem-me uns palavrões enquanto aguardo. 
É que paciência tem limites e bem sei que de esperas se faz a esperança mas não estamos em época de bons prenúncios por isso estou mais para o ditado que diz que quem espera desespera. 
O cortinado mexe. O povo vibra. É desta que vamos saber quem é o novo Papa. 
" Habemus Papam" diz o decano.
Já vai sendo horas digo eu para com os meus botões, meu Deus!
Será Francisco. Gosto do nome, chará do meu mano Zé. 
Jorge Bergoglio arcebispo de Buenos Aires, de 76 anos. 
Pronto já temos Papa. Com nome. 
Com rosto. 
Com bom ar. Voz poderosa. Expressivo. Gosto.
Gosto. De um Papa cuja origem é de um país colonizado. 
Que Deus o ajude. E a nós também. Que o Mundo melhore.

terça-feira, 12 de março de 2013

reflectindo

Costumo contar os passos que dou para saber o terreno que piso.
Digo eu, que gosto de saber a quantas ando.


m.c.s.

uma janela virada para o mar


Há uma nesga de dia entrando pela nesga que foge do cortinado da porta da varanda.
O sol escondido pelo sono, aparece. Dorme-se no quarto. Profundamente. Pé-ante-pé chego-me à vidraça.
As dunas parecem falar-me. Levantam as suas areias em sinal de cumprimento. Nunca vi areia mais fina. E branca. Ontem, no entardecer, o vento brincava com ela, atirando-a ao ar. 
Executando danças exóticas, movimentos insinuantes, num espetáculo voluptuoso...
Mais adiante o mar espreita. Silenciosamente. Acena-me a onda que se levanta e se vem render à praia do meu amanhecer.
Nesta manhã bonita de domingo, as gaivotas trazem-me recados que não quero interpretar. Um bando de gaivotas pequeninas segue os surfistas que vão ao encontro do prazer, da aventura.
Do mar. Do seu marulhar. 
Doem-me os gémeos. Porque se chamarão assim? A minha ignorância é medonha. E depois, os meus não devem ser bem gémeos. A perna esquerda tornou-se menos musculosa depois duma crise que me ia atirando para a cama por muito tempo. Esta hérnia já me provocou dissabores de vária ordem, um deles criar-me constrangimentos, quando abordei a Dona Lena, minha costureira de eleição. Gosto dela. Do seu jeito. Ó minha senhora! Diz ela a cada minuto. 
Acho-lhe piada...
- Ó dona Clara, a senhora acha que eu ia fazer uma perna mais apertada que outra? Sou poucochinho mas não tanto.
- Não sei dona Lena, o que sei é que a perna esquerda está justa e a outra não. Aconteceu aqui qualquer coisa de estranho.
Vesti, despi calças, foram medidas em cima da mesa profissional vinda duma fábrica de confecção onde trabalhou e que faliu. E era ela quem tinha razão. 
- Veja minha senhora, eu sei que sou tonta e podia ter-me escapado, mas desta vez a culpa não é minha. E não era. Era da minha hérnia que mirrou os músculos da dita.
Ela sabia do pânico instalado quando quis vestir as calças xadrez a preto e branco e simplesmente não passaram das coxas. Horas antes de embarcar para o Funchal. Ou o casaco beje do fato tipo colonial, de linho, que parecia um saco, horas antes d' um festival de pequenos cantores ao qual concorria com uma letra ( que ganhou ) e inevitável, a subida ao palco. E a última foram umas calças de cetim pretas, horas antes d' um casamento. Ficaram tão más tão más e ela apanhou um susto tal que decidiu comprar tecido igual e fazer-me outras e não me cobrar qualquer quantia pelo trabalho.
E os gémeos ( os meus, falsos ) que não deixam de doer!
Ontem à tarde fui usufruir da piscina interior. Aquecida numa temperatura perfeita.
- Quer fazer a aula de hidro-ginástica?
Ham e tal e coiso, aula? Professora? Grupo? Não me parece.
- É giro. Vai gostar, continuou a menina bonita e elegantemente trajada de acordo.
E sim. Fiz a aula. Uma hora fazendo todos os exercícios pedidos, ordenados, sorridos.
- Não vão? Tem vergonha? perguntou-me, quando mesmo na parte final pediu que nos puséssemos em fila, fazendo comboio. Sorri-lhe e disse que não. 
Ó minha senhora! Como diria a dona Lena. Vergonha eu?
E os gémeos que me doem tanto. Foi da aula. E das caminhadas.
Olho as gaivotas pequeninas. Cinzentas. Voando em bando. Como se de andorinhas do mar se tratassem. Serão gaivotas? Ou andorinhas? O horizonte lá longe. E os meus sonhos também.
O despertador toca. Olho a cama. Fim de semana romântico...Não. Não é o lugar certo. O quarto demasiado grande. A cama com medidas escandalosamente exageradas. As paredes brancas e a da cabeceira, castanha. E os tapetes? Não, não é um fim de semana romântico.
Regresso para o interior. Para me arranjar para o pequeno almoço. Gosto desse ritual dos hotéis. A sala das refeições é comprida e clara. O jantar de ontem não correu muito bem. 
Uma espera que nem o pai morre nem a gente almoça. E a espetada demasiado pequena. Umas rodelas de chouriço à mistura. As batatas fritas, pré-congeladas. Não lembra ao diabo. Os doces foram oferta. Julgo que para salvar a honra do convento. Não salvou.
Como podia tratar-se de um jantar romântico num fim de semana romântico? Nem as velas à mesa faziam lembrar romance. Faltava o piano. As flores. Uma dança a dois. Morangos e champanhe. Chantily. Digo eu, que leio sobre jantares românticos.
Decididamente, se tiver um fim de semana romântico não será aqui.
As gaivotas pequeninas a intrigarem-me... serão gaivotas ou apenas andorinhas do mar?
E os gémeos que não param de doer-me. 
Sempre que venho para este lugar ando até à exaustão. À beira-mar. 
- Como é que estás? pergunto à minha companheira de fim de semana que só agora acordou.
- Doem-me os gémeos… disse ela.
E assim começa a minha manhã com a certeza de que este não é o lugar certo para um fim de semana romântico. Mas tem uma janela virada para o mar.


sábado, 9 de março de 2013

viajando


O meu tempo começou há poucas horas. 
É sábado e supostamente devia estar ainda aquecida pelos lençóis térmicos num Ribatejo que acordou solarengo mas gelado.
Tudo preparado, o computador fechado, colocado no saco que lhe pertence, não reclama. O seu tempo comigo também é feito de algumas viagens. Conhece estações e carris. O Tejo, o Douro, o Sabor, o Almonda, o Sado, ouve o mar bater nas rochas do molhe leste e no farol do Cabo Carvoeiro. Conhece até o sorriso e a delicadeza do motorista da camioneta da carreira, sabe deus para onde e dos expressos aos fins de semana. Conhece os mergulhos dos veraneantes na piscina do hotel Praia Norte. Conhece Paris, Madrid, Genéve. O Algarve e Trás-os-Montes. Conhece Angola e os aviões da TAP e da TAAG.
Que hei-de dizer do meu computador senão que é um companheiro de todas as horas mesmo as mais tardias, fáceis e difíceis horas, fiel quanto baste que a cega é p'ra animais de 4 patas como o cão e o meu computador não ladra. Nem me lambe as feridas.
Toca o telefone. É o sinal. Para descer. Alguém que devia estar no vale dos lençóis, porque será que se diz vale de lençóis? 
Nunca percebi mas como sou pessoa de lugares comuns também digo, essa pérola de pessoa aguarda por mim na entrada. Desligo. 
Agarro nos sacos e desço. Na rua, olho a generosidade, de óculos escuros, cabelo molhado colado à cabeça, roupa desportiva, sapatilhas e um sorriso onde ainda não se vislumbram rugas, nem sequer de expressão. Aquece-me a alma. E o estômago. Porquê? 
Porque foi onde as emoções se instalaram quando há quase 6 décadas o meu tempo começou. Pouco romântico, mas tendo em conta que sou Caranguejo, diz que é mesmo neste órgão que a sensibilidade se faz presente e o fragiliza. Dizem e eu acredito. 
O saco pesa. Habituada não estranho. Não me aborreço, não reclamo. Doze minutos me separam da estação do comboio que me levará para a capital. Aquele que pára em todas.
- Porque não vais no intercidades? 
- Porque sim, respondo. Sempre. Mas como sempre, não me fico por resposta tão arrogante. Até porque me dizem tal como eu o diria: Porque sim, nao é resposta. E não. Se querem ver alguém a fritar é dar respostas destas. Eu fico podre se as receber.
E passo a explicar. Gosto de explicações. Acho que devemos dá-las. Dou-as a mim própria, até porque me estou sempre a pedi-las que até meto nojo, mas é do hábito. E depois, fica tudo claro, pratos limpos. Sem equívocos nem desculpas, assim o queiram os intervenientes. P'ra tudo é preciso compreender. Acreditar. Humildade para escutar.
No caso a explicação é esta: Gosto de viagens. De paisagens. De ter a possibilidade de perceber o que está para além da janela aberta e nua de cortinas. Do estendal repleto de lençóis de flanela aos quadradinhos e às florzinhas, dos atoalhados com aplicações em renda e panos de cozinha arrematados com picô ou lá como isso se chama que a caçula é que está bem dentro desse assunto pois que é a rainha do croché. Eu dispenso porque não há pachorra para dar ao dedo e à agulha. Aprendi. Não vou dizer que não. O suficiente para me surpreender há 4 anos em Luanda quando a Filú, filha da minha querida Arminda me recordou que aprendeu croché comigo. Eu que já nem lembro quem mo ensinou. Mas fiquei orgulhosa, vaidosa, para ser franca, por aquela kanuca dos anos 70 que colocou Clara de nome na sua filha caçula em jeito de homenagem a mim que até fiquei parece aquelas pessoas que fizeram qualquer coisa de extraordinário em prol de alguém ou da comunidade e viram o seu nome em nome de rua onde todos passam e lêem. 
E sim, gosto de ver o rio correr por entre a lezíria, por entre margens verdes da primavera antecipada e sonhar pontes que me unem a tempos que serão meus assim o universo o queira e por isto e muito mais, gosto de chegar a Lisboa num comboio pachorrento e sem desigualdades. Todos iguais. Igual à vizinha da frente que lima as unhas despudoradamente, ou a do lado que colocou óculos escuros para desistir da paisagem e deixar o sono apanhar-lhe o subconsciente. Igual ao puto chato que a cada minuto diz ao pai: ÓOOO paiiiiiiiii, paiêeeeeeeeeee, quanto falta? Paiiiiiiiiii, já chegamos?
Os 12 minutos chegaram para atravessar a passadeira de madeira, despedir-me da generosidade que me transporta o saco.
-Boa viagem e bom fim de semana. Retribuo. Entro no comboio. Começa o meu tempo de viagem. Pouca-terra, pouca-terra, curicuteléeee, e vem-me à memória o Duo Ouro Negro e viajo para outro tempo nas asas da imaginação que me da a canção que a cantei todinha no meu coração.
Páro. De me envolver com o meu passado por dá cá aquela palha. Hoje não. Não me arrancarei lágrimas de sábados distantes. Não hoje. Sou feita de tempos e hoje o meu tempo caminha para Santa Apolónia. Para a Baixa. Para almoço em família. Conversas.
Hoje o tempo é de multidões. De punho levantado e bolsos vazios. Na voz, Grândola vila morena, na atitude a indignação. Direito à revolta. À manifestação.
Destino - Lisboa - Santa Apolónia. Paragem Azambuja. São 9,33. As cidades acordam. Para trás ficou cidade do Almonda. E a Pitanga. Instalada no pufo vermelho p'ra gatos. Olhar azul celeste intenso. Como que a dizer-me: Já vais não é?
Passa o rápido. Enquanto isso penso com saudade noutros tempos e lugares. Não. Hoje não é dia. É tempo de civismo. De luta. De voz. Em coro. União. A mesma mensagem e intenção. Hoje vou dar-me voz porque ainda é tempo. E para além disso é dia da mulher angolana. Que quer dizer bravura, persistência, sabedoria e fé. Na qual faço fé desde que me conheço. Tal como faço fé no dia de hoje. Que não me desiludirá. 
- Paiiiii já chegámos? Quando é que chegamos? 
Finalmente. Entrada para o metro. Stª Apolónia, Terreiro do Paço. Os media preparando-se para a cobertura do grande acontecimento. Ou não. Sigo pela rua Augusta. No meu destino coloco o dedo na campainha. Três toques. O nosso sinal desde sempre. Abre-se a porta. Subo as escadas. Sorrio. Cheguei.

( sábado 2 de Março 2013 )

divagando para não desesperar na espera




Sentei-me. No banco de pedra da minha vontade de ficar à espera sabe-se lá de quê. Sabe-se lá porquê.
Há muito tempo não encontrava o banco certo para te esperar e agora que decidi esperar sentada não sei se fique não sei se vá ao encontro da tua indiferença. Ou serão dúvidas, incertezas, incapacidades?
Enfim! Estou entre as dez e as onze e já vai sendo horas de me decidir, dirás tu, ou direi eu, porque é a tua indecisão que me confunde a vontade e o tempo para te esperar. 
Diz que quanto mais a gente se ( a )baixa, mais o rabo se nos vê. Olha, nesta fase da vida, neste cansaço de esperar mas porque a esperança é a última a morrer te digo que tanto me faz como me fez que me vejam as vergonhas. Até costumo dizer que desde que tape a cara para não saberem quem eu sou, podem ver tudo.
Mas vamos ao que importa. Nós dois que é como quem diz, ou melhor, quem queria dizer, um mais um. Dá sonho. Poesia. Palavras bonitas, desejos. Dá uma grande confusão de ideias mas dá sobretudo inspiração. E se acrescentarmos a terra ao nosso desejo de a abraçar dá uma saudade do pôr do sol a fugir de nós, na praia e do perfume das acácias que floresceram há pouco, que encontramos já já o grande motivo em comum para partilharmos o banco de pedra onde te espero sabe-se lá porquê, sabe-se lá para quê.
Olha, esquece. Na verdade o banco de pedra onde me sentei foi uma escolha minha. Provocar-te, também. E deixar-te a batata quente na mão. Já basta o que basta e por isso, pratos sobre a mesa.
Ou te decides...ou te decides que comigo não há nins. Vale a pena esperar sentada ou isso quer dizer que eternamente ficarei a ver navios ? Bem sei que o meu banco fica mesmo em frente ao mar do nosso encanto, aquele que nos levará para lá do horizonte e nos fará encontrar a kianda, e também sei que é uma grande indelicadeza fazer esperar uma senhora, que o sou, não é preciso dizeres-mo, mas tenho dias que penso naquele ditado que nem o pai morre nem a gente almoça e parece que te estou a retratar nessa nova atitude de negação ao que é para lá de evidente.É inevitável o nosso encontro. Porque os desencontros que já nos demos não são coincidências porque não as há. E nada é por acaso. 
Sentei-me. E espero sentada. Não faz sol nem sombra. A chuva é daquelas, molha tolos, por isso estou a salvo e um banco de pedra é o lugar certo para uma bela prosa. 
Sabes que mais? Aposto que não espero em vão e um dia...bem, um dia me darás razão. 
Só mais uma perguntinha, demoras muito ou fazes serão?

sexta-feira, 8 de março de 2013

hoje

foto tukayana.blogspot
Não sei se é da chuva, se é do frio do inverno, se da tarde que cai, 
Não sei o que tenho, porque tenho ou se tenho motivo a provocar esta tristeza, 
esta saudade...
Não sei se porque deixarei a cidade, o rio, o castelo,
não sei se por me envelhecer na solidão voluntária que busco tantas vezes...
Não sei se porque a casa está vazia, há um perfume no ar e uma tranquila penumbra, um abandono do corpo , um entorpecimento da alma, fragilidades,
não sei se é da culpa, ou desculpas
Não sei se porque simplesmente existo, há uma melancolia toldando-me a vontade. Acinzentando-me o crepúsculo. Hoje...
E anoiteci-me chorando...

para um mundo mais justo, lutemos

Bora lá Mulher fazer alguma coisa por nós. Para que deixe de ser assinalado. Para que o seja diariamente.
Para que sejamos iguais. E o mundo mais justo.

quarta-feira, 6 de março de 2013

terça-feira, 5 de março de 2013

ser mãe


E...pronto, volto à forma primitiva. Ao lugar de sempre. De espera e saudade. De prece e esperança. 
De orgulho, respeito e amor à distância, onde me vejo sempre lambendo a cria que há-de chegar depois de partir.
Já não toco à campainha para ver a porta abrir-se.
Já não preparo a refeição com o coração nem recebo o beijo doce que nunca será de judas. 
Não passarei o serão no sofá onde nunca me sento nem acenderei velas por toda a casa. 
Já não serei mais mãe que qualquer outra personagem nem terei a minha alma completamente tranquila.
Não serei ouvida nem aprenderei um pouco mais. 
Já não receberei elogios, nem sorrisos francos. Nem lerei preocupação na transparência do olhar que me observam, olhos transparentes, nem me sentirei amada.
Já não respirarei a dois pulmões.
A minha casa já não será um lar...
Terei de voltar à forma primitiva. Tem de ser e o que tem que ser tem uma força que provoca duras penas, mas, ou vou em frente ou...vou em frente.
É nestes dias que me queria enrolar em posição fetal, recuperar a minha placenta na terra de todas as terras e mais que mãe voltar a ser filha e regressar ao ventre da minha mãe. 
Para voltar a nascer. Mais forte, mais corajosa, mais animadora e crente. Uma rocha. Com coração. Mas uma rocha inderrubável. Para aprender a ser Mãe.