sábado, 27 de março de 2010

Episódio

O motorista, um homem novo, de estatura alta e com um ar tranquilo ( era só o ar ), trabalhava.
Aproximou-se um colega e ele disse-lhe: Viva à Páscoa, viva à Páscoa!
Então percebi que o homem estava nervoso. Eram mais que as mães de putos imberbes, a caminho das férias no...paraíso. Porque nem pais, nem irmãos chatos nem a santa terrinha. Só eles mais eles. Uma viagem de finalistas. E o motorista cada vez mais nervoso.
A mim, mandara esperar pois eu não ia para a terra dos putos e convinha que a minha bagagem não fosse misturada.
Quando finalmente estava tudo arrumado, procedeu à verificação dos bilhetes, dirigindo-se às massas. Sendo o autocarro de 2 andares, quis saber onde me sentaria. Estava rodeado de vários rapazes que faziam questões. Ouvi-o responder " lá em cima ". Poderia ser comigo, ou não. Voltei a perguntar.
O homem azedou, completamente.
Tive que responder. Não que me custe. Não que não goste de uma briga. Não que não merecesse.
Mas fi-lo de uma forma que nada já tem a ver com o passado.
Não estou para me ralar, para me cansar, para me desgastar. Tentei dizer ao senhor que não sabia se a reposta me fora dada a mim. Claro que o fiz da forma que mais gosto de o fazer que é irritando-os, e só porque se são mal educados levam o troco. Não há nada a fazer...
Disse-lhe que ele estava nervoso e que teria que ficar calmo, porque eu queria para mim uma viagem calma.
Bem, o sr. motorista espumou de raiva. Que se ao fim da viagem tivesse algum defeito a pôr que pedisse o livro de reclamações, que falava português correcto, e aí percebi que para além de nervoso, é complexado. A cor a ditar os complexos. É mestiço. A culpa da cor a manifestar-se.
Lá entrei, procurei o 45 no andar de cima e sentei-me.
A meio da viagem, parámos num área de serviço. Eu aproveitei para comer uma barra de proteinas e quando estava no último bocado, o senhor apareceu à minha frente. Pareceu-me mais calmo e apeteceu-me meter-me com ele. Perguntar-lhe se já estava melhor, mas abstive-me. Estávamos todos com cara de tacho, provocada pela viagem e por isso, só por isso, deixei-me ficar caladíssima.
Quando finalmente chegou a minha vez de dar por terminada a viagem, vi o sr. motorista com o meu troley. Agarrei-o e quando ia para agarrar no saco que anda sempre em viagem comigo, ele com o meu saco na mão mas sem mo entregar perguntou-me:
Já está melhor?
Ri-me. Eu?????????
Você é que estava mal disposto.
Peço desculpas, está bem? Os miúdos puseram-me nervoso. E esta noite quase não dormi.
Chegou um familar meu de Angola...
Você é angolano?
Sou. Porquê, você também é?
É, né?
Peço desculpas. Tenha uma boa estadia.
Apertou-me a mão, sorridente e lá foi a vida dele.
Ele há coisas...

2 comentários:

Catarina disse...

Ah afinal de contas, o senhor motorista no final deu o braço a torcer... Sabe sempre bem, não é?

Maria Clara disse...

Claro. Quando parámos em Aljustrel, eu percebi que o senhor já estava a ponderar um arrependimentozito, pela forma como olhou para mim. Estive para me meter com ele, mas...não quis grandes confianças. Depois no fim, gostei da forma honesta que mostrou assumindo a atitude incorrecta que teve comigo. Nem sempre isto acontece. Aliás, é raro acontecer.Enterneceu-me o facto de ser angolano como eu. Foi a cereja no topo do bolo.Muitos beijos, Catarina.