sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Voo de Regresso

Assim que deixei a Milú e entrei na sala de embarque, senti-me na Selva.
Não por estar sozinha. Essa, é uma condição que nesta altura da vida, aprendi, devagarinho, a gostar, e hoje me dá um grande prazer.
Mas, porque me deparei com uma realidade que me desagradou e poderia ser hostil, se não estivesse preparada.
A sala a abarrotar. Dois voos para acontecerem. Um para Lisboa, o meu, e outro para a Alemanha. A fila para este último já estava formada. Gente variada. Com mulheres, homens e crianças, brancos e negros.
As cadeiras da sala, estavam praticamente, ocupadas, com indivíduos brancos com mais de 40 anos. Alguns, poucos, jovens também. Mulheres...nenhumas. Para o meu voo, claro.
Percebi, de repente que ia viajar para Lisboa, num avião a abarrotar de homens que trabalham na construção civil, em Angola, e que vinham passar o Natal a Portugal com as famílias legítimas.
Abstenho-me de contar como fui olhada e seguida nos gestos, logo ali, no início da viagem.
E isso, pesou de imediato, para desejar viajar, não com portugueses, mas com angolanos. Estes, são bem mais civilizados.
No autocarro que me levou ao avião, a mim e aos outros, tentei apelar à minha capacidade de paciência e indiferença e consegui. Também havia gente normal, como eu.
O meu lugar fora escolhido na Agência e eu sabia qual era pois para Luanda fora o mesmo. Do lado direito, na ponta, do corredor.Para poder esticar as pernas e levantar-me sem incomodar. Junto da casa de banho.
Nunca mais viajo que não seja junto à porta de emergência.
Nesse lugar que eu a partir de agora vou querer, viajava um indivíduo daqueles que descrevi e com um corpanzil de gigante.
Que assim que pôde, deitou a cadeira para trás, no limite do permitido. Fiquei logo com o senhor " no colo ". Sabia que poderia fazer o mesmo para descansar mas não me apetecia. Quando a refeição chegou, pedi à menina que dissesse ao passageiro da frente que endireitasse a cadeira. O senhor surpreendeu-se que eu quisesse comer, pois ele negara a refeição. Estava confortável... no meu colo, concluí.Olhou-me com um olho para cada lado pois era estrábico e com ar de poucos amigos. E eu mentalmente pensei " aiaiaiai, querem ver que vou ter aqui um problema e não estou com pachorra para me calar? ".
A Susete, depois da refeição e quando as luzes se apagaram para que descansássemos, veio de novo junto de mim. Percebeu no espaço que eu vinha, disse-me que baixasse a cadeira para dormir e pela primeira vez e única, tentei fazê-lo. Não consegui. Como sou muito naba nestas habilidades de abrir coisas; portas, cintos, etc, etc, pensei que era eu a falhar. Ela tentou e demos conta que a minha cadeira estava avariada.
Jesus Maria. Viajar com alguém que eu não queria, a menos de 50 cms, de mim e não me poder recostar era pedir demasiado à minha boa vontade, mas que tive que apelar aos anjinhos para esse esforço, tive. A Susete chamou um colega, um miúdo, com aspecto de indiano, que foi sempre, ao longo do voo, muito delicado, simpático, comigo. MAs este não me resolveu o problema. O avião ia cheio e não havia alternativa. Todos os lugares estavam ocupados. Pediram-me desculpas. Ele, o miúdo, disse-me que reclamasse. Perguntei pelo livro de reclamações. Que não havia.
Boa, Srª TAAG. Deixa-nos no mato sem cachorro e venham daí 1.200 Euros para viajar para Luanda.
Mas ele aconselhou-me que fizesse a reclamação numa folha de papel e que a entregasse depois. Explicou-me a Susete, que essa ocorrência, iria ser denunciada no relatório de bordo, por ela. E tinham outro passageiro nas mesmas circunstâncias que eu.
Pediram-me muitas desculpas. Falaram de forma a que o meu vizinho da frente ouvisse. Nem assim o senhor foi mais simpático e subiu a cadeira um pouco de forma a que eu Respirasse. Tive um certo alívio porque estive a conversar com a minha amiga, nesse espaço que fica à frente da porta da emergência, andei no corredor, enquanto aquela enchente dormia, ressonando e de boca aberta, num despudor feio e deprimente e a casa de banho serviu para me distrair e esquecer que não sendo claustrofóbica, podia ter um ataque de pânico por me sentir tão íntima de um brutamontes, que ressonava como um porco e mostrava uma bocarra feia e enorme.
Vendo o trajecto do avião e vendo-o aproximar-se de Portugal, pelo Algarve, a coisa melhorou. Estávamos já a descer. O meu MP3, funcionou a noite toda, um luxo para mim, que não me detive em filmes do vizinho do lado, que entrou mudo e saiu calado e só se levantou uma vez, aproveitando uma saída minha, à casa de banho.O plasma nas costas da cadeira do dito passageiro " abusado "impedia-me de ver fosse o que fosse, porque tudo o que visse seria em plano inclinadíssimo, o que me faria enjoar concerteza.
Já o vizinho do lado esquerdo, das cadeiras do meio, se eu lhe desse troco, viria em alegre cavaqueira todas as sete horas. Sorri, sempre, que se me dirigiu mas não disse frases com mais do que 3 palavras e percebeu que ele não era a minha praia e encaixou. As minhas idas à casa de banho, fizeram alguns risinhos, olhares daqueles que não gosto nada e comentários. Sobretudo quando me viam com a Susete.
Uma viagem diferente das outras que tive.Pior, bem pior.
Durante o voo, ensinei a casa de banho a homens e mulheres, que tentavam abrir os aposentos dos assistentes de bordo, julgando ser ali a casa de banho. Ninguém, mesmo ninguém deu essa informação e a todas as horas as pessoas chegavam e ficavam especadas ou tentando abrir uma porta que não é suposto abrir.Dei o meu lugar a uma mãe com uma criancinha que devia estar pronta para fazer nas cuecas e como tinha um indivíduo a seguir a mim, fiquei para o fim, porque ele prontamente ocupou o meu lugar na fila. A decisão de deixar a criancinha e a mãe entrarem, fora minha e ele nem pestanejou. Coisas tão simples e insignificantes que eu pergunto-me como serão estas pessoas na vida...
Num avião, por sete horas apenas e o mundo em que vivemos,retrata-se ali,num exemplo feroz do que hoje somos. Egoístas e mal educados. A forma como trataram os assistentes de bordo, como se fossem mais do que criados, a forma como se comportaram com os outros, faz-me ter medo das pessoas que hoje regressam a Angola para trabalhar, ou que vão pela primeira vez.
Quando, no meu emprego, percebo, que os seus registos criminais têm quase sempre cadastro...
Angola precisa de gente boa. Inteligente, determinada, trabalhadora e amiga.
Fiz uma boa viagem, porque cheguei e bem. Não me deu o treco e ainda que me dissessem que voltaria a viajar numa cadeira avariada, para Luanda, sempre que possível.
Para Luanda, nem que fosse a pé...mas por amor de Deus, com estas pessoas NÃO!

4 comentários:

Mimi disse...

Olha kaluanda:é muito fácil pôr os da frente no seu lugar. A mim também já me aconteceu ! Mas eu, baixei a mesa, agarrei numas cartas de jogar, e bati-as na mesa com força. Ele não tujiu nem mugiu. Doutra vez, ainda fiz melhor.
Deitei-me , tapei-me e com os pés dava pontapés na cadeira da frente como quem tem mau dormir. E olha que resultou sempre. Endireitavam-se logo !!!

Com que então 1200 kuanzas para Luanda ? Olha eu pago 1200 EUROS !!!!

m.c.s. disse...

Oi amiga! Pois é, são 1.200 Euros. Sou eu, baralhada ainda. Isto agora vai levar tempo, eu sei.Já vou rectificar.
Bravia menina. Eu não sou capaz de chegar a esses extremos porque fico com vergonha de o fazer. Falar, desancando, isso sim, mas não ganhamos nada com isso.
Como se diz na nossa terra e já foi motivo de riso, todo este tempo, comigo e com a tua irmã, é o problema que tamo com ele memo, vamo fazer como então?

mimi disse...

Pois, mas eu sou escorpiona e quem mas faz, PAGA. Porque palavras não resultam. Dizem que estão no seu direito - e estão - e gera-se logo ali uma discussão e assim eu fico na mesma. Logo: não resolvo nada. Agora, não os deixar descansar também, é que é bom para eles verem se gostam!

m.c.s. disse...

Amiga, tenho disso na família, a Langela, o meu irmão e mais, são escorpiões, eu como sabes, sou do signo da mãe Eduarda, caranguejo, manso, mas que tbm mostra as unhas quando menos se espera. Mas agora, amiga, as minhas unhas andam muito roidinhas. Se quiser até nem me ralo...Desejo que tudo corra bem amanhã ok? Vou rezar por ti, tá bom? Vai correr tudo mto bem. Beijinhos