terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A Caricatura

Hoje, pela manhã, encontrei uma caricatura.
Feita por um artista, não sei se o verdadeiro artista, mas que diariamente, ou noturnamente ali estava na Marina de Vila Moura, recebendo os pedidos e satisfazendo os veraneantes.
Eu tinha essa ambição. Ser caricaturada. Tinha uma curiosidade, quase obsessão, por saber como aquele artista do lápis e do traço, me via.
E uma noite espequei-me em frente do dito cujo. Fiz parar a família, tipo - Alto e pára o baile. Agora sou eu.
Vou submeter-me ao carrasco voluntariamente. Em nome da curiosidade mórbida de perceber o que sou para além do espelho amigo, lá de casa.
E ganhei a tal coragem. Na minha vez, sentei-me, muito tesa. O senhor, endireitou-me a cara, virou o rosto, puxou-me o queixo e disse-me que olhasse numa direcção ao jeito dele.
Sujeitei-me, mas o espetáculo é que era evitado. Os assistentes que páram, que olham o traço, espiam a nossa expressão, abanam a cabeça concordando ou discordando, sorriem, gozam...é o preço. Queres festa, sua-te a testa, pois claro.
Quando o homem do lápis dá por finda a sua arte, e mostra o trabalho, eu, espio e não vejo nada.
E saio dali, num pernas para que te quero, depois de pagar o que me é pedido.
Claro que a curiosidade matou o gato e segundos depois, estou a desenrolar a pérola do oceano duma noite de verão.
Não me reconheço. Os meus olhos jamais me despiriam ou vestiriam, deste jeito. Alías, foi um virar-me do avesso e inventar a possibilidade de ser outra, nesta ou noutra vida, paralela, se calhar, porque eu e esta, achei eu, não podiamos encontrar-nos pois não seria boa idéia.
Vi-me assim do pé para a mão com uns olhos enormes, de peixe, uma bocarra qual Moura Guedes,um nariz arrebitadíssimo, uma cova no rosto que mais parecia um buraco, uma franja pela testa enorme, uns brincos de tamanho gigante,um decote quase obsceno e abaixo do decote, puro cilicone.
Por amor de Deus, senhor artista. Inspirou-se em quem?
Esta não sou eu. Ou sou? Ou podia vir a sê-lo?
Disseram-me que não estava nada mal.
E foi uma diversão comentar cada pormenor.
Não era com eles, claro. Não tinham sido ridicularizados. Mas, fazer o quê? Andava a pedi-las.
Acabei por concordar. O senhor vira para lá da noite.Do Verão. O que quisera ver. Pois então, vamos dar corda aos sapatos e fugir dali para fora, de preferência, deitando à água a obra prima. Por causa da poluição que eu faria e porque podia ser comida para os peixinhos, achei por bem levar para casa a relíquia.
Guardei-a e nunca mais lhe mexi.
Porque diabo hoje a achei? A minha caricatura...será que há mais artistas que conseguem ver como sou, no limite do exagero? E para além do que o espelho me devolve?
Cada pessoa devia conhecer os traços ilimitados e desconhecidos da sua existência.
O mundo devia ser povoado de artistas, de mentes pródigas na arte de desenhar-nos a matéria.
Concluí que tenho uma alma grotesca, onde cabem uns traços disformes. Porque há alguém que me vê assim.
E concluí que a Vida caricaturada e o Mundo completamente caricato podem ser uma grande Pedra, muito hilariante e bem humorada, curtida.
Vivam os caricaturistas. E os caricaturados, apesar das ridículas figuras.Haja presença de espírito e costas largas para traços tão ousados.

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