domingo, 28 de fevereiro de 2010

A buganvília


A buganvília do meu quintal já não existe.
Já não entrelaçam a parede do fundo, os seus ramos pintados de amarelo.
E o baloiço parou de baloiçar ao sabor do balanço que o meu corpo lhe dava.
O cachorro negro morreu.
E a rua mudou de nome.
À noite, já não se ouvem as canções dos varredores.
E a chaminé da padaria deixou de poluir o bairro.
Cresci. Cresceram os anos, comigo.
Na minha ausência, mudaram as cores; pintaram os muros.
Ergueram paredes, puseram escritos.
Desbravaram caminhos. Abriram estradas.
Mudaram os dias.
Nasceu outra cidade.
A chuva trouxe até mim o aroma da buganvília e das mangas maduras.
Da castanha de caju a assar. Do bombô.
E a constelação, iluminando a noite, deixa-me ver daqui, os morcegos esvoaçando por entre as mangueiras que permaneceram no quintal.
Quero agarrar com força esses tempos. Misturá-los com os novos. Como se batesse claras em castelos. Com delicadeza e arte.
Serem o mesmo tempo.
Da ausência e da presença fazer um momento eterno.
Onde cabem buganvílias multicores; perfumes das rosas brancas do jardim, e das goiabas maduras.
E músicas. Muitas baladas.
E tardes de calor.
E desejos. E sonhos.
Quero adormecer envolvida no que restou de mim e desses dias.
Olhar a parede do fundo onde estava a buganvília e desenhar o futuro.
Um campo florido e perfumado.
E o muro. Onde me quero sentar a contar as estrelas que virão iluminar as minhas flores.
E permanecer ausente do que não me faz falta.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei. Gosto desta capacidade para sonhar, desta capacidade, de (como a autora diz) "entrelaçar o passado com o presente", esse sentimento pela terra que ama, essa paixão. Bonito, Clarinha
Bjs. Constancia

Maria Clara disse...

Obrigada Constância. Muito obrigada por vires aqui e gostares.
É muito prazeiroso saber-te, e a outros, aqui.Se ninguém me lesse, o blog não seria senão um diário mudo e triste.
A minha terra, a minha infância,os meus afetos, são sagrados pra mim e são a minha grande paixão. Altares de que cuido regando as flores.Beijos.