sábado, 14 de agosto de 2010

coração transbordante


Quando vou ao Norte, este norte poderoso, não aprecio só a paisagem. Vou ter com os afectos. E pude desta vez, ver várias pessoas que noutras vezes por motivos vários não vi. Uma prima do meu pai, apaixonada perdidamente por ele e que terá, segundo as más línguas, casado com outro, tendo sido o grande desgosto da sua vida não ter casado com ele. E acrescenta a tia Fernanda, falando,( ainda hoje se fala disso ),do assunto:
- Bô,carai ( interjeição muito transmontana )o teu pai, era o homem mais bonito dos irmãos e a Emília gostava muito dele. Foi por causa dela que ele foi para Angola.
Jesus Maria, que tenho de agradecer o desgosto da prima Emília. Não fosse ele desviar-se do assunto e teria casado com ela e eu já não tinha nascido...aka! Abençoada separação.
Pois é, o desgosto de uns é a feliciadade de outros, isso eu sei que é assim, mas pronto...calha a todos, ou não. Eu tenho a minha dose.
Na aldeia vizinha, Sendim da Serra, estavam uns primos, filhos do meu tio mais velho. A prima Clara, ( como a avó era Clara há duas netas com este nome, que falta de imaginação, como sou mais velha que esta, isto podia ter sido evitado, digo eu, e ela chamar-se Maria, ou Josefa, por exemplo )estavam também dois irmãos dela, um primo nosso, o Delfim, e o pai do Delfim. Confesso que nem sabia que ele ainda era vivo. Era marido duma tia que faleceu há algum tempo. Foi uma animação. E muitos convites para comer. Para ficar e passar uns dias. Convite inevitável, que não aceitámos.
Depois rumamos até ao Cadaval, terra do concelho de Murça onde o tio Augusto e a tia Fernanda vivem. Estes, bem estes, são o meu abrigo. O meu chão. As minhas âncoras.
Desde que nasci. O tio Augusto é a mais velha paixão, viva, da minha vida.
Gosto tanto, tanto deles...e custa-me cada vez mais quando tenho que agarrar nas malas e voltar costas a este laço forte que nos une...há três anos que não nos víamos, embora falemos amiúde ao telefone.
Ainda há pouco, conversando com a cria mais velha, esta dizia a propósito de uma noite que passou no Algarve com familiares de amigos:
" Ter estado com eles, fez-me lembrar estar lá em cima em casa dos tios, aquela coisa íntima de família, que se sente lá. "
É isto tudo. Estar no Cadaval com eles é fazer silêncios que não são constrangedores.
Estar no Cadaval com eles é sentir que as nossas raízes estão ali, que os meus pais são imortais, que Angola existe, e que a família também.
Estar no Cadaval com eles é ter a certeza de que o meu coração tem amor, amor muito antigo e indestrutível.
Mais do que adorar, amei ir a Trás-os-Montes. Tinha uma grande necessidade de parar, sentar, falar e rir em gargalhadas. Beijar, abraçar e ouvir. Ouvir o tio Augusto chamar-me filha como sempre fez, toda a vida. Sentir a mão da tia Fernanda na minha, o calor do afecto espalhar-se no meu espírito, amorná-lo e fazê-lo sentir tocando a paz.
Quando deixei Trás-os-Montes havia um misto de sentires. Sempre a velha pena, a revolta, da vida nos ter pregado a partida e nos ter afastado fisicamente. A velha revolta que não existe só em relação a eles. Mas ao mesmo tempo, o meu coração estava tão transbordante que por algumas horas, as da viagem, na companhia do meu irmão, senti-me boa pessoa. Estivera na companhia de boas pessoas.
Para além de tudo, recordámos a personalidade e vivências dos meus pais. E porque os meus pais eram pessoas boas e as minhas pessoas sabem-no, isso vale ouro, vale tudo.
Mano Zé, não teria ido sentir, se não me levasses lá. Obrigada.

1 comentário:

maria disse...

adorei ler a tua narrativa.
bjo