domingo, 15 de agosto de 2010

nº 115


Conheço uma jornalista, assim, como é que hei-de dizer, assim de me ter provocado dores, daquelas que os homens nunca sentiram. Escusam de dizer que uma dor de dentes, ou uma dor nos rins provocada por pedra é pior. Venham cá com comparações que eu lhes respondo. Eu que já tive dessas dores todas. E outras. Eu que até sou Dores de nome...estas são tão fortes como o amor que se sente pelo ser que nos provoca essas dores. E são dores especiais porque parece que nos tiram mas dão-nos o melhor que há no Mundo. Os filhos.
A " minha " jornalista para além de o ser num jornal da nossa praça, é editora convidada da Time Out Lisboa ( revista semanal sobre Lisboa e o que a cidade oferece ) editando a Grande Alface, secção dessa revista.
Hoje, publico aqui uma rubrica da secção assinada por ela. E que se chama Amamos & Odiamos.

Amamos
Condutores de autocarro que se cumprimentam na estrada


Nós vamos na nossa vidinha. O resto do autocarro também. Ao nosso lado há um miúdo ranhoso que não pára de dizer " ó mãããeee, ó mãããeee " sem que se adivinhe que vá algum dia completar a frase. Atrás, um rapaz e uma rapariga que namoram há dois dias e prometem mundos e fundos ao ouvido um do outro - e ao nosso. À frente duas mulheres desfazem uma colega lá do trabalho em três tempos ( e nós cheios de vontade de lhes dizer que são parvas e a outra é que tem razão ). No fundo, é só mais um dia entediante no 35, no 7, no 45. A Carris que nos perdoe, mas há dias em que andar de autocarro é a pior coisa que nos podia acontecer. Mas depois há momentos em que tudo passa. E esses momentos acontecem quando dois autocarros se cruzam. E os condutores abrem a janelinha e cumprimentam os colegas. Mas é que não é um cumprimento qualquer. É um cumprimento com carinho. É o equivalente às palmadas no rabo que os jogadores de futebol dão quando marcam golos. E nós sentimos que estamos em casa. Que aquele condutor que acelera um bocadinho nas rectas até é de confiança. Às vezes, mais raramente, o cumprimento estende-se numa pequena conversa. E nós, que até àquele dia nunca tinhamos visto os dois condutores mais gordos, ficamos a saber que aquela é a última viagem do nosso, que termina às 20.00, e que o outro ainda conta ver a segunda parte do Benfica em casa com os putos. O encontro não dura mais de trinta segundos, mas é intenso, intenso.
Ângela Marques

& Odiamos
Provadores de roupa sem cabides

Não vamos aqui dizer nomes de lojas nem de centros comercias espanhóis. Mas vamos dizer que odiamos provadores sem cabides nem bancos nem qualquer tipo de apoio para a roupa. Vejamos: uma das coisas que mais nos agrada na idéia de comprar roupa é o quê? É o facto de ela estar limpa. Ora, se o provador onde nos temos de despir para a experimentar não tem sequer um cabide para a pendurarmos, o que é que acontece? Ou fazemos malabarismo com as peças que acabámos de despir e as que queremos vestir ou optamos pela solução drástica, que é empilhar a roupa que queremos experimentar num cantinho do provador. O que é que acontece nessa altura? A roupa outrora limpa passa a ficar suja. Porque sejamos honestos, um provador não pode ser um lugar muito higiénico ( perdoem-nos os leitores que nunca mais conseguirão entrar num provador sem pensar na quantidade de lixo e ácaros que ele pode ter dentro )não é da sua natureza. Então: num provador sem cabides, somos obrigados a escolher entre pôr à prova os nossos dotes de aluno do Chapitô ou fazer um montinho de roupa a um canto? Não. Ainda há outra opção: pendurar a roupa na porta. Mas isso obriga-nos a mostrar a meio mundo que roupa tinhamos e que roupa estamos a experimentar. Já se sabe que sempre que experimentamos umas calças de ganga, por exemplo, aquelas que trazemos vestidas parecem, ao lado das outras, um bocado de tecido prontinho para ir para o lixo. Mas toda a gente tem de ver as nossas calças do avesso? Ou as nossas meias? O sutiã? Não queremos, está bem?
Ângela Marques

Ambos os artigos, retirados da revista semanal Time Out Lisboa.

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