domingo, 24 de outubro de 2010

( re )encontro

Como já disse aqui, não conheço quem se despeça tanto quanto eu. Não conheço porém quem reencontre tanto quanto eu.
Isto significa, abraçar. Sempre. Chorar e sorrir. Estar...
O meu sábado começou com dois abraços grandes. A gente muito minha. Uma desde Agosto, outra desde Setembro. Da nguimbi.
E continuou. Num abraço grande numa kamba que não via há dez meses. Que me " trouxe " na viagem sofrida de Luanda para Lisboa. Que me desejou boa aterragem, ela que ganha a vida a " levantar " e a " aterrar " nos aeroportos do mundo.
E beijos e abraços nas pessoas que lhe são chegadas e que também não via há algum tempo.
As minhas kambas e eu...aqui em Lisboa. Não, ora uma, ora outra. Agora, juntas. As três da vidairada, como nos velhos tempos do liceu. Como se fôssemos os três mosqueteiros.
E na mesa, enquanto se come cachupa, funje de carne, cabidela, ou um assado no forno, relembram-se acontecimentos de uma terra e suas gentes, depois da independência. Histórias que só sei de ouvir dizer e que são contadas ali na primeira pessoa, vividas num tempo que dizem sempre, muito mau, com uma frase que conheço bem, de ouvir a todos os que ficaram em Luanda. " Que tempos aqueles. Foram tempos muito maus. Nós passamos...! " ontem narrados com um distanciamento que o passado impôe e com um humor que é apanágio dos angolanos, rindo da desgraça passada, e ridicularizando-a, sendo que hoje nos parece mesmo ridícula, porque foi superada. Mais uma prova superada e narrada sem mágoas. Uma característca deste povo.
E perante uma mesa farta na cidade de Lisboa, recordaram Luanda na época do peixe espada sem pele, a que chamavam cinturão das FAPLA. Do carapau sem cabeça, a que chamavam cubano sem cabeça. Dos ovos em pó. Do peixe frito que tinham que comer, assim em doses industriais para beberem um fino, nos bares que vendiam finos. Das filas. As filas intermináveis para se comprar fosse o que fosse. Onde cada pessoa parava e entrava,e perguntava depois, o que é que estava a " sair ". Recordaram as " bichas " da carne. Muitas vezes apenas para receberem aparas. Das filas para os sapatos, sempre sapatos de homem. Em que davam o número a que correpondia o pé e chegada a hora, depois de desesperarem na fila, os sapatos que eram entregues nada tinham a ver com o número. Para um 38 podia ser entregue um 42. De qualquer forma servia a alguém, porque todos precisavam.
Falaram ainda do recolher obrigatório que durou décadas. E das consequências da desobediência a essa medida. E ali na sala soube de pessoas que conheço que foram lavar cavalos e varrer o quintal da 7ª esquadra, porque foram apanhados nas filas de géneros alimentícios, tardiamente.
E porque as minhas kambas são como os saltimbancos, de todas faltas que havia em Luanda e que elas a cada viagem tentavam suprir comprando no vôo do Rio de Janeiro, pão, carne, fruta e outros para levarem para Luanda, para elas e seus familiares e amigos.
Ouvi ali histórias na primeira pessoa de gente que sempre ajudou à vida de várias pessoas mais desfavorecidas. Do abrir de portas a essas pessoas, para as alimentarem, pagarem a escola, criarem-nas como filhos. As madrinhas. As madrinhas verdadeiras, aquelas que sabem exactamente o que essa função quer dizer. Na falta da mãe. É em Angola que se pratica o ser madrinha. Desde sempre. E não foi a guerra nem a Independência, nem as provações que mataram esse dever que é conferido desde que se assume o papel de padrinhos.
Estar numa roda de angolanos de todas as idades, desde a matriarca da minha kamba até ao neto desta é tão prazeiroso que dá vontade de ficar eternamente. É como estarmos numa faculdade. Da vida. A aprendizagem que se faz, o que se retira dali enriquece tanto que surge a pergunta de sempre.
-O que é que eu estou a fazer aqui?
Sempre que estou assim, num encontro de afectos com as minhas pessoas de Angola percebo que
nos intervalos não vivo, como me faz falta viver.
Como não posso dramatizar, termino com uma frase que está na boca do povo constantemente.
Fazer o quê? É um problema que estamos com ele mesmo.
Mas que custa depedir-me do que é Viver, custa...

4 comentários:

constancia disse...

Parece-me que foi um Sábado em cheio... Fico contente por ti amiga. Ganhaste energias para a semana não foi?

kamba disse...

xéeeeee kem te falou ki nos mandavam lavar as cuesas dos cavalos pruke nos apanharam na bicha do pitéu?????????
se enganaste então....nos carregavam na sétima pruke nos davam encontro na rua, na hora do récolher ki era das zero hora caté nas 5 hora da manhã, quando estavamo a vortar das festas....tax intender???
era anssim....se o ambiente tava memo fixe fixérrimo nós amanheciamos na festa e esperavamos as 5 hora sem borbulha( ker dizer, sem maka, sem problema)sempre a dançar e a se divertirmos, mas se o ambiente num tava memo cuioso arriscavamo memo e bazavamos no kubico mas sempre vigilante pra não se darmos encontro com a policia...aí se se davamo encontro cum els, uaué tavamo memo lixado, ou conseguiamos lhes driblar e dar gasosa pra escapar ou entõ se o azar era memo teu, nada, nem adiantava reclamar se o cainga era armado em mau, era meo ir só lavar o cú dos cavalo ou varrer a esquadra....
Mas num ficavamo com 'trauma', quando amanhecia e nos xotavam iamos no kubico dormir e pronto, dia seguinte contavamo o mabo nos avilo e familha e se riamos...xéee só a consumição ki aplicavamo nos boelos ki caíam na patrulha!!!!! era rir ou kié.......gozar é gozar, até comaçavamos a lhes estigar pruke num tem jeito di lavar as mutukurias dos cavalos, ki a esquadra num ficou bem limpa, ah pruke na semana passada quando o fulano foi apanhado os cavalo dele ficaram mais bonito, ah pruki quando nós varremo a esquadra ficou bem limpimha....era os gozados eram os ótro era rir, rir....
A VIDA SÃO 2 DIA SÓ....NUM ADIANTA SE TRAUMATIZAR, A VIDA É UMA FESTA....

Anónimo disse...

se prepara então, no próximo sábado tem continuação do sumário anterior......talvez vamo conseguir fazer chamada escrita ou exercício escrito de apuramento..

Maria Clara disse...

Você!!! Xée, tás muito do acesa. Férias cuiam, mesmo. Olha o ar de banga que pareces uma kanuka...
Vamos embora então, no sábado mais uma vez.
Jesus Maria! Exercício escrito de apuramento...até eu que tenho memória de elefante não lembrava mais. Ganhaste!