segunda-feira, 25 de outubro de 2010

narrativa

Então como o prometido é devido, vou contar.
Eu e os meus kambas chegámos ao CCB. A primeira pessoa que vimos foi uma baixinha com tantos anos que já lhe perdemos a conta. Sabiamos que conheciamos a figura, mas ninguém se lembrou do nome. Depois chegou, pela boca de Paulo Flores. Ana Maria de Mascarenhas.
Ah, pois é. É ela. Foi ela, foi ela, foi...cantou o artista principal com a sua voz bonita e postura humilde, homenageando a diva angolana, sentada ali na plateia. Maria Provocação. Os kanukos só conhecem se ouviram as mães, as avós ou bisas cantarem, mas que toda a cidade desde o asfalto até ao muceque cantava, cantava sim, que encantava.
Na emissora também passava.
A plateia encheu. Gente desconhecida, e conhecida também. De outros tempos e destes. De todas as idades. Angolanos. Muitos, quase todos. Somos Grandes. Ouvindo Paulo Flores percebemos.
Angola é uma paixão ardente. As palavras, a musicalidade das palavras...a vibração. A magia da terra passando por todos nós. A saudade. A enorme saudade de algo que se perdeu, a vontade de recuperar...
A primeira música soou na sala. " Caboledo ". Linda. Um arrepio no corpo. A exaltação da alma. A lágrima teimosa que teimamos em deixar correr face abaixo, até parar nas palavras que cantamos num coro afinado pelas almas de todos nós.
Depois outras. Inteligentemente escolhidas para um público especial. Em Lisboa. De Lisboa. No CCB.
Na plateia à minha frente, algumas figuras angolanas que todos conhecem. Entre elas, Bonga. De óculos escuros. Mexendo-se nervoso na cadeira quando Paulo o mencionou. Também a caboverdiana Lura se encontrava mais lá à frente. Gente da televisão, Margarida Mercês de Mello, linda e elegante. E do cinema. Um cineasta da Vila Alice. Muita malta da Vila Alice. Gente que esteve na festa do liceu D.Guiomar de Lencastre e que vim encontrar ali. A dôtóra Necas, resplandescente.
A tia da kamba Susete que estivera connosco no dia anterior. Enfermeira das antigas, que ensina sobrinhas e sobrinhas-netas como se cuida de um bebé.
Tio Aires, poeta do meu amor da Rua Onze, foi evocado e também Milo Ouro Negro com o seu, Amanhã quero acender uma vela na Muxima...aiuê! Que todos mesmo os kanukos de agora cantaram.
Rui Mingas também não faltou naquela sala encantada. Nem Franjó. O coração parecia que não ia aguentar a emoção.
Momento alto foi de Nanutu. O grande saxofonista convidado que deu um show tão estiloso, na sua passada, como talentoso no instrumento. Um verdadeiro artista. Que dá gosto ouvir e ver dançar. Também Tito Paris encantou demais. Num duo perfeito com Paulo Flores, soou Clarisse. Um crioulo rouco e doce, onde não faltou a palavra crecheu.
Foi hora e meia tocando pequenos céus com as palmas das mãos. Foi muito bom.
Verdadeiro estado de graça.
Conforme começou, assim terminou. Emocionadamente. Com Makalakala, num recado directo e frontal para os pançudos da minha terra. Num lamento pelo povo que continua a passar mal. A meio, Paulo diz que a emoção não o deixa cantar mais e deixa de cantar. Acaba o espetáculo assim, na emoção. Na canção que sai depois da última canção ter sido cantada.
No átrio encontraram-se pessoas de novo. Que não se viam há muito tempo, algumas, desde o tempo colonial.
Meninas distribuiram t-shirts de Paulo Flores.
Tiraram-se fotografias em grupo. E nós, um grupo grande, fechamos a porta do CCB. E fomos acabar a noite noutro sítio.
Dormi três horas esta noite. Vim para o meu kimbo de manhã. O mano Zé ajudou nisso indo levar-me a Alcanena.
Lavei a alma e hoje sinto-me mais angolana de Angola, que nunca.

4 comentários:

milú disse...

ah amiga não há dúvida...

O KIMBO É BOM, O KIMBO CÚIA............

Elizabeth disse...

Pois é Clarinha! o Neves de Sousa a pintar, o Ouro Negro a cantar e tu a escrever... e, não é preciso mais nada para retratar Angola. Continua que eu gosto. Beijinho

maria disse...

Fizeste-me chorar, amiga. A tua narrativa é cheia de movimento, cor e emoção.
Não pude ir mas tenho pena. Fiquei com pena agora mais ainda.
Beijos

Maria Clara disse...

Amiga Milú, nós sabemos como cuia né? E como é bom estar no meio de kambas.jinho

Elizabeth, nem fico vaidosa quanto mais orgulhosa...e porquê? porque me fizeste envergonhar juntando-me no grupo destas duas pessoas tão talentosas, com um dom tão grande...
Eu, pobre de mim, escrevinhando as pequenas coisas da vida que vivo...
Isto é só necessidade de escrever e partilhar. Para vocês. Para mim.
Muito obrigada querida pela amizade que me dedicas. Pelo apoio.
Adoro-te.

Maria, um beijinho grande, amiga.