terça-feira, 12 de outubro de 2010

asfixiada

De vez em quando vivo pesadelos.
Acordei já sentada na cama, com o coração aos pulos e completamente encharcada em suor. Acabara de ser asfixiada. Ainda sentia falta de ar e a pressão no pescoço, pela violência de que fora alvo. Coisa de outro mundo...
Levantei-me, fui à cozinha beber água e só acordei completamente, quando a Pitanga, que me seguiu, reclamou a minha pisadela.
A sensação de asfixia não é boa. Nada boa. E a gente acredita que está a morrer, seja lá o que, e como, isso fôr.
Não sabia como era irem-me aos fagotes, se se pode comparar.
Nunca andei envolvida em brigas. Nem mesmo quando era miúda. Os miúdos tinham medo de mim porque eu era maria rapaz, sem medos e sem problemas de lhes chegar a roupa ao pêlo. Bastava correr atrás deles e deixar escapar um chorrilho de palavrões daqueles cabeludos, que eles fugiam, saltando muros por esses quintais fora. Não precisava chegar a vias de facto.
Nunca fui aos fagotes de ninguém. A não ser quando tinha 15 anos e parecia já uma senhora, mas ainda era uma miúda endiabrada e muito senhora, sim, mas do meu nariz. Tinha uma vizinha com idade para ter juízo, 18 anos e muito poucochinha, que queria fazer parte do meu núcleo de amigos, mas não tinha espaço nem eu lho dava. Como é que alguém é amiga de uma criatura a quem chamam Molombosa? Ninguém, claro. Eu era boa para alcunhar uns e outros mas por acaso até nem fui eu, nem nunca soube o que molombosa queria dizer. A minha vizinha,Teresa molombosa plantava-se ao portão da sua casa, cujo senhorio era o meu avô Carvalho, lendo e exibindo fotonovelas, numa provocação besta e vulgar e num vagar preguiçoso e desleixado. Um dia, como sempre, passei por ela e a imbecil teve a ousadia de me chamar " machimbombo do miungo ". Beeeeeeem! Eu ainda era menor. Mas já tinha 1,73m. E ser chamada de machimbombo ainda vá que não vá, mas, do miungo????? Jesus Maria que eu sou filha do meu pai e neta do meu avô. E puxei a eles. Quando a Teresa Molombosa deu por ela já estava com um bofetão bem assente na sua cara pateta e bolachuda. E gritava que gritava agarrada à orelha: O meu brinco de ouro branco, ai o meu brinco de ouro branco. Partiste o meu brinco de ouro branco.
Tive pena dela, mas já estava feito. Vingara-me da afronta.
Miungo queria dizer tudo menos santa. Ouvia os homens chamarem às mulheres oferecidas, miungueiras. E às prostitutas do Bairro Operário e Marçal. O autocarro que fazia a linha do Largo dos Lusíadas para o Cazenga e vice-versa, para além de ser muito velho, cheirava a catinga que empestava tudo ( cheguei a andar nele, ora se eu não tivesse andado é que era uma admiração, por isso eu sei que ainda vou andar de candongueiro ) e era chamado insultuosamente, capoeira das galinhas ou machimbombo do miungo. Nãnãnãnãnã. Do alto dos meus 15 anos insolentes e arrogantes podia lá deixar passar um insulto deste tamanho? Por isso este episódio. Felismente único e isolado da criatura estouvada que era e contida que aprendi a ser, com o tempo.
Ainda hoje se oiço falar em ouro branco, eu recordo a teresa molombosa, que mais tarde, aí pelos anos 90, encontrei carregada de filhos, num bairro a dar para o manhoso, perto da avenida do brasil, mas em Lisboa. Não sei se estou arrependida deste episódio. Na altura tive pena mas não senti um pingo de arrependimento. Hoje, diverte-me pensar que eu era uma peste e que foram bons tempos, aqueles.
Mas voltando, não aos fagotes, mas ao meu sonho/ pesadelo, foi mesmo muito assustador e daqui para a frente ainda que me apeteça apertar o pescoço a alguém, pensarei duas vezes, contarei até dez, se calhar em inglês, ou crioulo, ou até quimbundo e certamente, desistirei a meio, porque é muito mau sentir-mo-nos asfixiados, quer acordados quer a dormir...
Eu tenho-me sentido assim, nesse aperto angustiante e o sonho foi a cereja no topo do bolo.
A propósito, e cerejas? Que eu adoro? Lá voltamos ao mesmo. Que as conversas são como as ditas. O Outono tem de passar e o Inverno também, para que volte a crivar-lhes o dente.
Felismente, recuperei do pesadelo e já respiro livremente e aliviada... até à próxima.

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