domingo, 10 de outubro de 2010

pai p'ra sempre


O teu tempo chegou ao fim. Num dia assim. Como hoje. Um dia dez de um mês de Outono. Outubro. De um ano qualquer. Mais um dia dez a juntar a tantos outros de que estou cativa...
Foi muito sofrido mas ao mesmo tempo libertador. O teu corpo deixou de padecer. A tua alma deixou de vaguear entre almas e nós. Os teus filhos.
Sabes? Era difícil ver-te outro. O que eu conheci, partira quando a mãe partiu e eu iniciei o vosso luto nesse momento.
Já não me lembravas rebuçados de mentol.
Nem fados cantados. Desgarradas.
Histórias de cabritinhos que pariam filhos de dentro de barrigas abotoadas com fileiras de botões.
Nem leitões assados em domingos de festa. Caldeiradas de cabrito. Uisque com soda.
Histórias narradas de um tempo longínquo, em terras do fim do mundo de um trás-os-montes perdido para lá do Marão.
Nem caixas de bolos da Royal, à segunda-feira de manhã.
Nem mãos cruzadas por cima do ventre ( que herdei de ti ). Nem pernas cruzadas balançando um ritmo qualquer dançando na tua mente e no coração. ( que também herdei de ti ).
Nem o jogo da malha apostado em rodadas de cerveja. Nem baralhos de cartas em fúria, pelos ares quando perdias ou faziam uma " arrenúncia ".
Idas ao mercado Quinaxixe ou S.Paulo, aos domingos de manhã.
Nem as limonadas que fazias para o almoço. Nem os miolos de cabrito que guardavas para mim e para o mano Zé. Nem as fatias de papaia ou de ananás que cortavas para que fôssemos os primeiros a comer.
Os espirros sonoros. ( que eu e a ângela herdamos de ti ).
Nem o prazer que retiravas das coisas pequenas. Dos filmes, das festas dançantes ( o que nós dançámos os dois ...), dos passeios para a Barra do Kuanza, para Cambambe, Cacuaco, Caxito, Mabubas, Catete...
Nem jogos de futebol no estádio dos Coqueiros ( íamos sempre ) assistindo a jogos do provincial, torneios entre equipas da metróple, Benfica, Porto, Sporting, Braga, Guimarães, Belenenses, Setúbal, e equipas brasileiras como o América, o Fluminense e outros que não lembro já. E jogos de basquete, e jogos de hoquei, que não perdiamos nem por nada.
Nem a tua tristeza quando te confrontavas comigo, se eu te queria tomar o pulso. ( Éramos iguais ).
Nem a hospitalidade com que recebias na nossa casa, todos os que ali chegassem.
Nem a tua gargalhada de eterna criança. Nem o teu humor. Nem as tuas lágrimas que não escondias. Nem a tua inteligência. A tua imaginação fértil. As tuas quadras, que orgulhosamente mostravas.
Nem a tua protecção. O teu cuidado. O teu carinho. O enorme Amor que nos tinhas, tão grande que não cabia no Mundo...
Partiste antes de partires. Mas foi num dia como o de hoje que nos deixaste completamente.
Tenho tantas saudades, meu pai! Tantas saudades de ti. De nós. Daquele tempo. Da nossa família...
E sinto tanto orgulho, mas uma coisa tão boa no meu peito de ser tua filha!...
De ser a clarita, filha do Sô Santo, como éramos conhecidos na avenida Brasil, na Vila Alice, e saindo do asfalto, no Marçal, que atravessávamos, para juntos irmos ao mercado de S. Paulo. Do orgulho que te via nos olhos quando cresci e saía contigo para a Baixa e me apresentavas aos armazenistas.
Partiste num dia como hoje e eu não pude fazer nada. Já tinhas partido, com a mãe.
Já não lembravas o homem feliz que conheci e com quem privei tantos anos, nem o pai galinha, nem o marido protector, leal e amigo, nem o amigo dos seus amigos, o familiar mais amigo, nem o cidadão exemplar...
Já não nos lembravas. Já não te lembravas sequer...
Mas, eras o meu pai que eu amava tanto e de quem era cópia perfeita.
Hoje, se fosses fisicamente presente, abraçava-te num abraço do tamanho do Mundo.
Assim, abraço-te num abraço que não caiba em todas e quaisquer Eternidades que possam existir...

2 comentários:

constancia disse...

Uma bonita homenagem ... Esteja ele onde estiver, está de certo orgulhoso da sua Clarita.
Beijinhos

maria disse...

Que bela homenagem, Clarita.
Digo o mesmo que a constancia, esteja onde estiver estará concerteza muito agradado com a filha do seu coração.
Beijos