sexta-feira, 16 de julho de 2010

parabéns atrasados

Toca o meu telefone. Estava a chegar a T. Novas. De boleia com a Cila.
Era de Luanda. O indicativo denuncia o destino. Fico sempre alvoraçada.
O Mário. Meu amigo de há 40 anos. Sabia que não falhava. Só que pode não ser no próprio dia de aniversário que dá sinal de amizade.
- Clara, filha ( é assim que me trata, é mais novo que eu aí uns 3 anos ) queria ter-te dado parabéns antes, no dia 12 mas tive um problema. Mas não me esqueci. Tudo de bom, minha amiga.
Depois disse: Vou passar à mãe.
A minha querida Minda. Que me ensinou a fazer rissóis, pastéis de massa tenra, cachupa, bolo de aniversário. Que me fez aprender crioulo e gostar de mornas a coladeiras. Do Bana e Luís de Morais. Que me aturava as paranóias das doenças, que até um dia sismei que estava com o tétano porque me piquei num pico de rosa, das roseiras do meu avô, lá do quintal e a minha amiga Julieta que tinha uma tia enfermeira como ela hoje é, me disse, a caminho do liceu, que era tão perigoso que a tia dela enfermeira morrera de tétano com uma picada de roseira. Vejam só o que me aturava esta querida amiga, D. Arminda, eu que abria e fechava a boca para ver se os maxilares prendiam, que acho que era sintoma do tétano e ela que me dizia: Não faça isso Clara, vai ficar mesmo com a boca presa de tanto a abrir e fechar. A Julieta é maluca ou quê? Não sabe como a Clara é medrosa com as doenças? Como é que lhe vai dizer uma coisa dessas?
Como é que se esquece uma amiga assim? Que nos rodeia de carinho e nos atura as loucuras?
-Alô querida. como é que está? disse eu.
-Clara, é para lhe dar os parabéns atrasados. Mas eu não me esqueci no dia 12. Tudo, mas tudo de bom. Tenho aqui uma pessoa que lhe quer falar. Veja lá se reconhece a voz. Não se falam desde o tempo colonial.
Isso é que eu acho piada. Quando se referem ao tempo antes da Independência como o tempo colonial. Sinto-me parte da História e isso é bom.
Soube mesmo antes de lhe ouvir a voz. As duas vezes que fui a Luanda quis vê-la. Não consegui. A primeira vez o Mário estava de férias em Lisboa e não pude ir a casa dela. Em Dezembro não deu para ir à sua procura. Eu precisava de estar em Luanda muito mais do que 2 semanas para poder estar com todas as pessoas que queria estar.
Falei. Ela falou. Disse que era a Rosa. D. Rosa, minha vizinha. Que tinha mais 5 anos que eu, mas já era casada, mãe de filhos. Que tratava a minha mãe por tu, e a sogra dela, D. Júlia, por Júlia.
Achava o máximo. Uma nora tratar a sogra, não por mãe, ( jamais trataria a minha sogra por mãe, Deus que me livre ), mas pelo seu nome, sem o dona atrás. Por tu. Quanto mais não fosse, por isto, jamais a poderia esquecer. Era uma mulher bonita e sofrida. Muito sofrida. Eu e a minha mãe, ali ao muro que dividia a sua casa da minha, ficávamos ouvindo os lamentos de um casamento mal casado ( dura até hoje ).
Desde que vim para Portugal que me lembro ano após ano do dia de aniversário dela, 26 de Dezembro.
Fiquei contente. Muito contente de a ouvir, ao fim de 35 anos. Ela também.
Disse que em Dezembro, quando voltasse a Luanda, queria vê-la. Disse que sim, que iamos estar juntas.
Depois de desligar, rebobinei. Passaram à minha frente anos de vizinhança diária. Feliz. Quando, aos sábados, o marido, Henrique, e o irmão, Necas e mais uns quantos, partiam nos jipes para irem para a caça. Da pacaça, do veado. Lá para os lados do Ambriz. Ao domingo ao fim da tarde regressavam carregadíssimos. Estes dois irmãos conheciam a mata como ninguém.
Soube que actualmente têm um barco e sobem e descem o rio Kuanza em viagens de recreio. Estive perto do barco em 2008, na Barra do Kuanza, sem saber que os donos eram estes meus vizinhos de antigamente.
Desta vez, quando voltar, vou fazer de tudo para os procurar e revê-los. São pessoas que estão no meu coração desde o tempo colonial...
Hoje com este telefonema, ganhei o dia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Só te falta saber como foi né?? encontrou-se com a minha irmã, alguras na cidade, perguntou se sabia quando vinhas, keria o meu número de telefone para obter o teu pois não se tinha esquecido do teu aniversário..ela resolveu o assunto ali mesmo, na hora, disse-lhe k não precisava de me ligar pois ela tinha o teu contacto no telélé dela... soube disso hoje de manhã em conversa com ela, ah e também me disse k eles já te tinham ligado pois leu no teu blog o post sobre o telefonema dele....
pois é amiga há mais gente a visitar o teu blog, ainda há pouco o meu sobrinho Igor me disse: puxa tia a Clara escreve muito bem, estive a ler o blog...
No dia 10, niver do mano, falei-lhes do blog e de alguns posts k têm a ver connosco, sobretudo com a nossa mãe....