sábado, 17 de julho de 2010

a nossa gente

Saí a correr da casa grande. Parei junto ao tanque. Da roupa. Que a Lucrécia estreou. Brinquedo novo, dela. Embora não abandonasse as celhas. Para sabonária, de lençóis e toalhas.
Perto do alpendre do carvão, onde as galinhas soltas iam pôr ovos e cacarejarem histericamente, a esteira. Ao lado, brasas. Fogo a cheirar a lenha e carvão. A lata dos chouriços idos de Palmela, transformada em tacho. Cozia o feijão de óleo de palma.
Era a hora que eu gostava. A hora da esteira e do feijão.
A Lucrécia estendia roupa branca, na corda. No canto da boca um cigarro fumado às avessas. De vez em quando cuspia. Por entre os dentes num som de muitos xês. Fazendo mira nas cristas de galo viçosas do canteiro das flores da mãe.
Muito de vez em quando reparava em mim e dizia:
-Sai daqui menina Clarita. Vais-te molhar toda.
Eu continuava impávida, brincando de jogar à semalha, no pé cochinho. Enquanto esperava a Sebastiana que fora na loja do S. Miguel, ao pé da padaria, comprar sabão macaco, para a tia Lucrécia. Se lá não tivessem, ia demorar muito. Tinha de ir na loja encarnada, lá para as bandas da Senado da Câmara, em frente ao bairro indígena. A loja que vendia baleizões de gelo, com palito, com sabor a groselha. Tirado directamente das cuvetes e custava mil e quinhentos.
A Sebastiana andava devagar. Perdia-se em cada esquina para dobrar. Distraia-se com a brincadeira dos outros e nunca mais chegava.
Estava enganada. Ela às vezes surpreende-me. Ei-la. Chegando. Saltitona. Barulhenta. De carrapitos na cabeça, entrelaçados com linha de côr, descalça.
- Clarita vamos jogar à semalha.
De pé cochinho preparo-me para ganhar. Mas ela era barra. Tinha balanço para pular as casas que a macaca tinha.
O feijão continuava fumegante e cheiroso. Cozinhando lentamente como o tempo daquele tempo.
Até pegar, na velha lata feita tacho.
O mundo ali no fundo do quintal era mágico e sabia a proibido. Era um mundo onde eu estava sempre, com licença da Lucrécia, que corria atrás de mim, zangada com as minhas traquinices, praguejando, mas se me apanhava, os olhos lhe sorriam e gargalhava com as coisas que lhe dizia.
-Pxxxxxt, essa menina Clarita!...
O mundo ali da esteira, das celhas e do tanque, roupa branca na corda, secando, e feijão de óleo de palma rapado do tacho, eram uns olhos sorrindo sempre para mim. Como poucos sorriram assim, tão inocentes, depois.
Não sei porque me lembrei da Lucrécia, lavadeira da casa, antes de eu nascer e que ficou. Da casa e da Sebastiana...Talvez porque oiço Paulo Flores cantar que ...são coisas da terra, terra da gente... talvez...
São gente da terra, terra da gente, a nossa gente...

5 comentários:

Anónimo disse...

e também pork hoje é sábado, dia de feijão de óleo de palma..........

Maria Clara disse...

Oh,Oh,Oh!
Agora é que lembrando alguém que dizia que os pratos típicos só na própria terra...agora me sentava e comia, na Ilha, no Dande, ou na tua casa, um belo prato de feijão com cacusso, banana, mandioca e batata doce. Ai, já está a crescer
água na boca. nesta boca santa, que não diz que não a quase nada.
Bom almoço.

Constancia disse...

Tb. alinhava. E tb sou das q n diz q não a quase nada

Maria Clara disse...

É só combinarmos. Estou a falar muito a sério. Ando com vontade de promover um almoço bem angolano, que pode ser na minha casa no O. Basto. É só aceitarem que se marca uma data.
A Anónimo alinhava conceteza, precisa é de estar em Lisboa nessa altura.
Eu faço a moamba, o feijão de óleo de palma, etc. O resto é convosco.
Ahn? E esta, Constância?

constancia disse...

E eu até vou estar por Lisboa, mas não sei bem qual vai ser a minha disponibilidade porque tudo depende da chegada da minha neta Matilde, que está prevista para dia 23, mas nunca se sabe, se a piquena será pontual ou não.
Mas de qualquer forma obrigada pelo convite. Mesmo que eu não possa estar presente estarei connvosco no meu coração.
Um grande beijinho