quinta-feira, 4 de julho de 2013

os putos

A porta abriu-se na estação do Saldanha.
Duas crianças de quatro anos entram a correr, carruagem fora. Mais atrás, o irmão mais velho e a mãe, mulher jovem e bonita. Olhos claros, cabelo castanho claro, ar feliz e transportando uma paciência ilimitada. À minha frente, sentam-se, mãe, menina ao colo dela e rapazinho ao lado. O primogénito, senta-se do outro lado, sossegadamente.
- Mãe, ó mãe...
A mãe penteia em tranças, o cabelo da menina que continua irrequieta como entrara. 
- Mãe, ó mãe, chama o menino de novo.
- Siiiiiiiiiim Gui! 
- Ó mãe estou farto que tu não falas comigo. Eu digo, mãe, mãe e tu não respondes.
Estou farto. E amuado estende o lábio para a frente e cruza os braços. Olha p'ra mim. 
Pisco-lhe o olho. A mãe também me olha. Sorri. Responde.
- Estou a pentear a Laura. Mas diz...
- O Miguel bateu num menino lá da escola. E foi atrás da Laura. 
- Eu não tenho medo, diz a Laura. O Kiko vai lá e bate nele. 
O Kiko diz lá do outro lado:
- Bato em quem? Estes miúdos estão marados, mãe.
- Não bates no Miguel pois não Kiko?
A mãe sorri para eles e para mim.
Eles percebem. O Gui ( perguntei os nomes e a idade ) diz-me: 
- Tenho estes anos e exibe os dedos em número certo. Eu e a Laura não brincamos juntos na minha escola. Sabes porquê? Porque eu brinco com o Miguel. Ele é meu amigo.
- E a Laura? perguntei em tom de provocação.
- É gémea de mim. 
A mãe sorri de novo. 
- Mãe, ó mãe, quero cerejas.
- Também quero. Kiko, queres cerejas? pergunta a Laura. 
- Não comprei cerejas, meninos. 
- Mas compraaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Pede o Gui.
A estação do Campo Pequeno surge. Levantam-se os quatro. 
- Vais para onde? Não sais connosco? pergunta-me o Gui. De Guilherme com certeza.
- Não. Saio no Campo Grande.
Faz-me um gesto com a mão pequenina em sinal de despedida. A mãe ri. 
- Boa tarde, boa viagem, diz a jovem mãe.
De repente o metro ficou vazio. E silencioso. E constrangedor. Volto a olhar em frente, fixando um ponto qualquer da minha memória. Alheada do que não me faz falta.
Mãe, ó mãeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee... 
No Campo Grande, mudo de linha e passados 12 minutos estou na minha estação.
À saída, uma mulher vende pêssegos e cerejas. Oferece-mas. Não compro. A loja da Marta tem cerejas doces e frescas. A bom preço. É lá que as vou comprar. Hoje. Os putos abriram-me o apetite.

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