Olho através da vidraça, o mundo lá fora.
Não tenho vista para o mar.
Não tenho a linha do horizonte, nem margens, nem adivinhações.
Não tenho albatrozes voando, nem sonhos se aproximando.
Não tenho motivos, exigências ou planos.
Não tenho amores nem desamores nem motivações ou provocações.
Não tenho paisagens na memória, que hoje amanheceu presente. Sem peneiras nem fantasias.
Não tenho futuros de fé, neste dia outonal e farrusco.
Não tenho orações, preces elevando as mãos nem céus azuis e santos.
Não tenho terra nem crias junto de mim.
Olho através da vidraça, o mundo lá fora. Tenho montes em tela castanha. Pintados de verde esperança.
Tectos de casas já velhas. Chaminés e antenas. Parabólicas. Tentativa de modernidade.
Oiço uma bola bater pela mão duma criança, no rinque dos dias calmos como hoje.
Oiço o choro d'um menino, que se lamenta noite e dia e que não há forma de o calar.
Oiço o sino tocar na igreja, a chamar para a missa dos crentes.
Olho através da vidraça.
Cansam-me os olhos, indiferentes.
Desvio o olhar desanimada e olho dentro de mim. E vejo o que não vi ontem nem verei amanhã. Em mais momento nenhum. E pestanejo. E tiro os óculos.
E arranco-me sorrisos e conclusões.
Não tenho o que não depende de mim. Mas oiço o meu coração, a razão.
Apago o que quero e renovo o que me apetece.
Afinal, tenho-me por inteiro neste domingo baço e desinteressante. E faço de mim o que me for mais favorável.
Nem que seja, chorarem-me os olhos de tanto olhar para o que vejo e não vejo.
Olho através da vidraça. Olho dentro de mim e capto com o olhar clínico, o meu melhor plano.
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