quinta-feira, 4 de julho de 2013

não perder o norte

Ontem viajei de comboio do Oriente até Riachos, estação que serve Torres Novas.
Contrariamente ao que supunha, ia cheio. Muita gente na rota das férias, pelas conversas tidas. Sem qualquer cuidado no tom e som.
Ir de férias para a província, num retornar às origens, para quem as tem por terras lusas e no interior da pátria, deve ser fixe. Regressam à família, aos amigos de infância, às ruas, às oliveiras e figueiras, aos rios e às suas margens. Aos passarinhos e sossego. Ao silêncio e ao perfume das estevas. Aos fumeiros. Comida da avó. Aos costumes e tradições, que tantas saudades têm quando estão na cidade grande.
Cada um é como cada qual já dizia alguém e eu repito porque me dá jeito para a escrita. 
Na verdade tudo isso se consegue vivendo em Lisboa. 
Basta irmos para os jardins de Belém, da Gulbenkian, ou da Quinta das Conchas. Basta irmos andar para as margens do Tejo, ou fazermos a viajem de comboio até Cascais ou para Sintra. Ou irmos para a Expo. 
Basta termos familiares e amigos a viverem na capital ou nos arredores e os visitarmos ou os convidarmos para um almocinho caseiro com arroz doce da avó e tudo. E uns ovos mexidos com farinheira, de entrada.
Basta irmos à praça do Comércio em dia de feira que até ouvimos música popular portuguesa e vemos gente do e com o garrafão mais os bolinhos de bacalhau. E as iscas de fígado.
Mas há o ritual. De avisar a família, pelo telefone. Comprar umas lembranças, uma roupa nova para estrear na missa de domingo, fazer a mala e levar uns pastelinhos de Belém que se aquecerão no micro-ondas para se comerem quentinhos assim que lá chegarem. E levarem uma máscara de gente fina e de sucesso a iluminar-lhes o rosto.
Também eu, porque vinha " à terra " das minhas crias, terra essa onde os meus irmãos vivem, onde os meus pais estão sepultados, onde tenho a minha casa e onde vivi trinta e sete anos, comprei uma sandes de presunto e uma coca-cola zero e almocei no comboio, enquanto via as cegonhas esvoaçando por terras de Vila Franca, por margens do rio Tejo.
Tinha sono e sentia-me cansada mas as gralhas que se ouviam à minha volta impediram-me de olhar, sorrir e calar-me para dentro. Ainda é uma hora e meia de caminho, naquele comboio que pára em todas e mais houvesse. 
Porque viajo nesses comboios? Porque param em Riachos que é mais perto de Torres Novas que o Entroncamento. São menos uns dois euros e permite que aprecie a paisagem. Se não estou farta? Não. Nunca é igual. Desta vez surpreenderam-me os figos nas figueiras, o rio mais cheio, as cegonhas mais que as mães e a conversa dos " vizinhos " de carruagem. 
As crianças se não têm sono falam pelos cotovelos. E são giras. Colocam questões aos adultos que os envergonham e orgulham num misto que conheço muito bem porque já tive crianças espevitadas e curiosas a meu cargo.
A " minha criança " de ontem, menina bonita, esperta, ingénua, interagindo com a mãe e com outras passageiras que viajavam junto dela, ao tema, férias, pergunta:
- Ó mamã, ainda não estamos de férias pois não? Agora vamos à avó e só depois é que vamos de férias não é?
- Estamos de férias sim, Matilde. Por estarmos de férias é que vamos para a avó.
- Mas não disseste que vamos de férias para a praia? Na avó não há praia.
- Vais para o Algarve Matilde? pergunta a vizinha do lado, para a ouvir.
- Vai vai, diz a mãe. Até para lá vai viver.
- Não vou, não. No Algarve só há férias.
Risos. 
- Háaaa? Interroga pouco convencida. Eu julgava que o Algarve só tinha férias...
- Só há férias? Há escolas e lojas e hospitais e o trabalho da mamã também.
Ali à volta toda a gente riu. Eu sorri também. 
Não deixa de ter a sua razão. O Algarve nunca será " a província ". A casa da avó. Nunca as famílias irão à procura das raízes, do sossego e dos laços afectivos que permitem carregar baterias e adocicar os dias invernosos e solitários da cidade, no resto do ano.
O Algarve será sempre o local de férias. O local do exagero e da transgressão. Do romance rápido, mais rápido que o relâmpago e mais estridente que o trovão. Do verão.
Um lugar de passagem. Não sou eu que digo. Dirão, até os mais novos...
Ontem viajei para norte. Não fui à procura das raízes. E já me vou embora. Foi visita de médico, mas passei revista a tudo e visitei quem tinha de visitar. Direi, que a norte nada de novo. Tudo na mesma como a lesma.
Porque sou a eterna viajante, amanhã, daqui a uns dias, umas semanas, quem sabe, viajarei para o sul, para a terra onde só há férias, embora não vá à espera de trovoada, nem tão pouco de cometer exageros e transgressões. Até porque não conduzo nem bebo. 
Hoje, vou ali e já venho. Porque a minha Pitanga depende de mim e está à minha espera. 
As raízes? Estão onde fomos e somos felizes e sobretudo onde esperam por nós. Afinal, um pouco por todo o lado para que mesmo ao centro ou a sul, nunca percamos o norte. 

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