Hoje, quero olhar-te nos olhos. Dar-te um abraço com o brilho que sempre iluminou o meu olhar, se te olhei. Quando te olhei, observei e amei...
E quero receber esse olhar profundo, quase negro, sorridente e brincalhão, quase a gargalhar de pureza e alegria. Quase a confessar ser a luz desse teu olhar.
Nunca mo disseste porque naquele tempo não era para dizer, mas não foi preciso. A nossa linguagem falava por si.
Independentemente do tempo e das hierarquias afectivas.
Tenho a certeza que viste, claramente visto, o presente e o futuro, através de mim. E iluminaste os meus caminhos guiando-me com a força do teu olhar. E que agradeceste a Deus a minha existência na tua vida. Tenho a certeza que não eram as palavras que nos uniam mais, mas os sentires. E nós amámo-nos sempre. Muito.
Hoje, para além de te olhar nos olhos, olho as ondas do teu cabelo negro, os lábios bem desenhados, o rosto trigueiro e bonito. Desbravando terras e subindo montes e serras, na descoberta e exploração da mocidade. E oiço contos de mares e marés, barcos e viagens. Riscos e aventuras. Mudança de vida e de continente. Mudança de amigos e de hábitos. Mudança de amores.
E oiço a tua voz segura, quente e envolvente, contando uma história de encantar para me embalares, cantando uma qualquer canção ou rimando quadras de amor e paixão, para encantares.
Vejo aos poucos o cabelo acinzentando-se, rugas de expressão e de preocupação. Vejo-te triste, cabisbaixo e vencido, mas desvio os olhos desse tempo que foi teu e meu e que te levou de mim. E calo a tua e a minha voz, de impotência e revolta.
Para me silenciar nessa dor.
Hoje, quero olhar-te olhos nos olhos, sem lamentos nem lágrimas e quase em silêncio, porque as palavras nunca foram necessárias entre nós, dizer-te, a meia voz, que tenho muitas saudades tuas, meu pai, que hoje completarias oitenta e oito anos.
P.S. sô Santos, só para te dizer que se cá estivesses, faríamos uma farra das antigas, à tua moda, p'ra ninguém botar defeito, carai!
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