Não sei se sou eu que fujo do mar se é ele que não me quer. Ou se é o destino me dizendo que há outras coisas na vida, que estão aí para ser vividas. Antecipações, prioridades. Outros presentes, tentações, prazeres e cumplicidades. Desvios. Mudanças. Outras formas de ser mais eu.
Sim, porque pensando bem, o mar não é o meu meio ambiente. Eu não sou peixe para ser pescado. E ser saboreado. Nem sal para temperar. E alga muito menos, que agora fizeram comichão na pele dos humanos e me impediram de me atirar de cabeça no azul da linha e da costa. Tão pouco sou barco, para navegar. Afinal, eu até gosto mais de voar, se invento que sei sonhar. Se invento que sou pássaro. Se gostava até de ser albatroz, só para imitar um alguém que me disse nos bons tempos da nossa amizade, que gostava de voltar de novo neste mundo, mas dessa vez albatroz, livre e fiel albatroz, dos mares do sul. E porque esse tal alguém me parecia a melhor pessoa, me pôs o gosto, admiração, ternura, por esses animais que voam em voos rasantes nos mares do sul e vão a terra uma vez no ano para acasalar, sendo que, consta, eu não fiz estudo nenhum, que apenas têm uma parceira uma vez nesta vida de Deus. São esses seres que me atraem e casam com a minha ideia de ser. Fantástico não? Parece que não pode ser. Só mesmo animais de asas...
Bom, mas sem divagações ou recordações que não batem asas, nem voam da minha memória, dizia eu que agora que o perigo passou, as notícias o confirmam e finalmente podia exibir o biquini que afinal é triquini, se isso existe, que a cria me ofereceu no aniversário ( há muito tempo que presente para a casa terminou, qual aspirador, batedeira ou máquina de fazer pão?!, fui eu mesmo quem disse que não sou mais dona de casa e existo pessoa individual, vaidosa e necessitada ), dizia eu, quando afinal me podia bambalear nas areias finas, cantando em ritmo calmo, num misto nostálgico e divertido, quando vou para a gandaia, caminho assim, assim assim, alguém me diz - maria clara, queres almoçar comigo no domingo? E eu que já estou a ver as minhas crias por um canudo, porque estas duas criaturas nasceram já com asas maiores que as do albatroz e parece ainda não chegaram, já estão de partida, e eu que raramente me faço de rogada para me sentar à minha ou a outra qualquer mesa familiar ou amiga e muito menos rogada para uma boa e bem humorada conversa de domingo, com gente que se quer bem, que me quer bem, de quem eu gosto, olho o sol bem nos olhos, sinto o cheiro do iodo inundar-me o espírito, tentando-me, imagino o azul verde esmeralda das águas frias que nestes dias se amaciaram numa temperatura gostosa, parece até lhes vejo piscando-me o olho, acenando-me convidativas, provocadoras, vejam só, até as linhas do comboio parece fazem um acordo com as espreguiçadeiras, o nadador salvador aposta com a bandeira verde, que eu não vou recusar, segredam-me já ao ouvido que há uma limonada fresquinha à minha espera, um bronze bonito me embelezando, um descanso danado de bom, uma música me lembrando a existência, saber escolher, melhor viver, um agradecimento ao criador, eu desvio o olhar, ralho com esse eu solitário e egoísta, mortinho por me desobedecer e digo, Não. Não caio em tentação. Hoje digo Sim ao convite para outra escolha. Outro destino. Outro desafio. Outro domingo de verão.
Se não tivesse dado a minha palavra, dava agora. A palavra é tudo o que possuo. É por isso que escrevo. Tanto...
A palavra resolve as contas do coração. Justifica pagamentos à razão.
Há uma mensagem que me diz que há uma menos cinco, passam para me apanhar. Que desça...
E eu que ainda não mergulhei no chuveiro, nem sei o que vou matabichar, ainda não escolhi sequer o que vou trajar, decidi que hoje ainda não vou ver, ouvir e sentir o mar. Há dias para tudo. Até para andar às voltas com a razão e escolher o coração...
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