quarta-feira, 29 de setembro de 2010

as mulheres

Aproximou-se do balcão, um casal. Na casa dos oitenta. Ela à frente dele. Decidida, perguntou se era ali que se " arranjava " o registo criminal.
Olhei-os. Morenos do sol que curte a pele e a alma nos campos das sementeiras, que já lá vão.
- Um registo criminal para a carta de caçador - disse ela. Olhei-o. Algo me estava a escapar.
- O bilhete de identidade? ( pediu a Mena )
-Dá cá o B.I. ( disse-lhe ela com voz autoritária ).
O documento não aparecia e subitamente ela desfia o seu rosário de contas por fazer. Com ele.
- Então vai caçar? ( a Mena simpaticamente; ele ainda não articulara uma palavra )
-Há-de caçar muito, há-de - diz ela com ar de desdêm. Vá, procura o bilhete de identidade. Ele esquece-se de onde o pôe, olhando para mim, que parara de trabalhar e olhava os dois. Só não se esquece de caçar. E continua - Quer tudo feito e tudo tratado, só que ele não trata, quer criadas... - Veio passear, deixe lá. Diz a Mena.
-Ah!Ah!, suspirou ela enfadada.
Finalmente apareceu o B.I. e chegou a hora do pagamento. E de novo chegou a ladainha pela voz daquela mulher enrugada, de cerca de 80 anos.
-Dá o dinheiro trocado para pagares à senhora. Pôes-te a olhar para mim? Dá cá uma notinha pequenina. Não dá um tostão para nada, mas para isto gasta o que fôr preciso...
Ele continuava calado. Algo me dizia que não era mudo. Fazia-se. E de surdo também. Num moita-carrasco de afligir e surpreender.
- Anda com muito dinheiro, a senhora já viu isto?
- Aqui é que ele anda bem. Respondeu finalmente.
Esta criatura de 81 anos, trazia consigo duzentos euros num dinheirinho vivo que assusta qualquer um que se ponha a pensar no assunto. E apenas reagiu à posse do seu dinheiro.
Ela, a mulher, de armas, contou que fora buscar os papéis para ir para o hospital Santa Maria.
Tratou sempre a Mena por " boa senhora ", despedindo-se com um bom dia a todos.
Já quase não me surpreendo com o que acontece à minha volta. Acho curioso o que aconteceu aqui.
Fiquei a pensar que as mulheres, fossem qual fossem as épocas, foram as " tais" mulheres de armas. Mas eles é que foram sempre os caçadores.

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