sábado, 29 de janeiro de 2011

o sofá da praça central

Chego ao Colombo por volta do meio-dia. Vou comprar a Time Out e depois dar as minhas voltas. Preciso de resolver um problema na Optimus. Comprar uns produtos no Celeiro e ver como param as modas no que trata de saldos. Depois vou sentar-me num sofá da praça central do centro comercial.
Já não vinha aqui há algum tempo. Desde meados de Dezembro, o que fiz bem a correr que era uma pressa de comprar os presentes para o Natal. Agora aqui estou a passo certo e muito mais devagar, devagarinho, que as Festas já lá vão e eu ando mal das cruzes.
Sei que tenho de fazer uma visita que detesto. Ao médico. A vida toda andei com o número de telefone do sr. doutor bem aconchegadinho a mim, não fosse precisar de repente, e precisei algumas, muitas, vezes.
Era daqueles a quem muita gente diz que é " o meu médico ". Mas médico que é médico tem que ser leal. E o meu médico era médico de muita gente. E não sabia escolher. E quis ficar bem com Deus e com o diabo. E não foi leal comigo. E eu dispensei-o e foi bem dispensado. Resolvi um problema cortando o mal pela raiz e fiquei com outro problema tão grande quanto o primeiro. Já não tenho médico a quem chamar meu. E que me trate das cruzes e de outras maleitas. Em quem confie. Por isso a dificuldade. Não gosto de medicamentos. Nem de exames. Alguns são dolorosos e para dor já basta o que basta. Uma criatura começa por fazer um exame porque tem um pêlo encravado e acaba com um valente buracão ao fundo das costas porque lhe tiraram um quisto dermoide. Ou espirra e acaba a fazer uma ressonância magnética dentro duma máquina assustadora e fica a saber que tem uma, duas, sei lá quantas hérnias discais. Ou faz uma taquicardiazita e acaba no cardiologista, ou o marido arranja uma amante e acaba no psiquiatra...enfim, por essas e por outras é que cá eu, gosto pouco de visitinhas ao homem da bata branca, ou verde.
Mas a realidade é que me sentei aqui na praça central porque estou cansada, dorida e tenho de esperar pela companhia para o almoço. Para além de querer ler a Time Out.
Preparo-me para ler A Grande Alface, secção editada pela cria, quando olho à minha volta como que a perceber quem me rodeia e se estou bem acompanhada. E o que vejo? Um universo masculino cuja faixa etária há muito deixou de ser jovem. A Praça Central do Colombo à hora do almoço, hoje, parece uma sala de espera de um qualquer centro de saúde, ou mesmo da urgência de um hospital público. Moderno, mas um hospital. Cheio de gente que já não caminha para nova. Do género masculino. Que tem a pretensão de ler o jornal enquanto espera. Mas que adormece antes. E a bandeiras despregadas. Num ronco que mais parece uma orquestra, dorme a sono solto e porque não dizê-lo quase obsceno. A cabeça tombando, a boca aberta, o jornal abandonado.
Sinto uma certa ternura por estes homens. E compaixão também. E alguma admiração. Sim.
Eles esforçam-se. Deixarem o conforto da lareira, o sofá, a televisão, o cão, o gato e os periquitos, a série semanal, o jogo de cartas, a bricolage, o jardim e o pomar, o café e o tabaco, a bicicleta, e as brincadeiras com os netos, para acompanharem as mulheres, é obra. Só o tempo delas entrarem na primeira loja, depois, ficam irremediavelmente sós, indefesos e mais pobres porque na idade destas pessoas só há um cartão e elas levam-no. Com alguma sorte ainda lhes calha umas peúgas, um cachecol ou uma camisola interior escolhidos por elas.
Nunca mais me sento aqui no sofá laranja da praça central do Colombo.
Não vá eu por contágio e solidariedade, esticar os pés, tombar a cabeça, afastar a Time Out, abrir a boca até à laringe, emitir aquele ronco que nunca assumimos que fazemos, num abandono a que sou votada como os meus vizinhos de sofá.
Olho-os mais uma vez. Gabo-lhes a paciência, mas não lhes quero a sorte. É que passam aqui tantas horas esquecidos, pregados ao sofá que se tiverem alguma fístula, ainda vão mesmo parar ao hospital, a sério. E eu com hospitais não quero nada. Por isso, já que não sou homem à espera da sua mulher, pernas para que te quero, pese embora as minhas cruzes...

1 comentário:

anónimo disse...

Haja alguém que compreenda a ' raça ' masculina.