Nunca " fuguei na escola ". Perdão. Nunca o quê?
Uma vez. Única e inesquecível vez quando tinha 18anos. No ano escolar de 73/74. Como é que eu estava a esquecer-me disso?
Chegou Abril. Chegou a mudança. O liceu deixou de proibir a saída dos alunos nas borlas. As varandas que davam para o largo da estrada de catete, bombeiros e hospital militar paaram a dar-nos mundo sem quadradinhos e deixavam-nos respirar liberdade. As escadas centrais já não serviam apenas professoras e contínuas. As matinés ao sábado à tarde intensificavam-se permitindo que os rapazes fossem assistir a mais um filme junto das amadas, das futuras ou das ex. ou acompanhar amigas e irmãs, primas e engates.
Então, se era mais democrático, foi para e por quê que " fuguei na escola "?
Por causa dele. Sim, ele foi o grande responsável. Ele, o amor que se apoderara de mim e me roubava assim o coração. Ela a paixão cegueta que nem caixa d'óculos, que ainda não era, fazia ver. Mas se fosse só esse açambarcamento do descompassado músculo...
Pior que isso foi a manipulação da razão, essa maluca que se julga sempre intocável e superior, olhando por cima do ombro e pelo rabo do olho para os pobres apanhados pelo clima da paixão dos verdes anos. A razão que foi apanhada nas curvas dum caminho onde soprava uma brisa fogosa e quente e precisava se refrescar nas águas da praia do Dongo, ali mesmo paredes meias com o Kussunguila, ou quem sabe, se aquecer no sol da tarde longa dum maio ameno já a querer entregar-se ao cacimbo que não tardava nada e ia avançando e tomando posse das areias da praia, das canoas, das gaivotas, dos pescadores, dos coqueiros e palmeiras, do farol, das manhãs e dos crepúsculos. Dos apaixonados...Queria rectificar um pormenor que me atrofia se não o fizer. Se calhar não houve culpado. Culpados. Para ter " fugado na escola " .
Que é que é isso? Depois de ter rugas é que me dá para me isentar de responsabilidades e imputar as mesmas aos outros, mesmo se são o amor e quem o provoca? O sujeito, não sei se estão a ver na gramática. Das aulas de português.
Aqui e agora assumo que não. Não foram culpados Eu fui totalmente culpada nessa estória de me baldar do liceu feminino, ( onde o meu kota pagava as propinas a tempos e horas ), uma tarde inteira de aulas de quarta-feira, que deixou de ser ( feminino ) porque já havia uns meninos meio pálidos, pudera, com tanta garina histérica passando em frente da sala do rés-do-chão no caminho para a cerca para participar nos campeonatos de ringue ou apenas ficar a olhar a sua equipa a ganhar. Tinha um que era loiro e alto e lindo de morrer. Bom como o milho. Eu que nem gostava de loiros, também achava.
À quarta-feira não havia aulas no primeiro tempo. Na minha turma evidentemente. Do mal o menos. Não perderia tantas aulas como nos restantes dias da semana, inclusive ao sábado se os escolhesse.
E ai vou eu ter a minha primeira experiência como fugueira. Do liceu até à mutamba, foi um ápice. Outro até à Ilha. À praia. Ficar na praia, biquini roxo, decotado, bronzeador a cheirar a coco e coca-cola, toalha florida estendida, ficar na praia, repito, quando não nos deram férias é estranho e tem sabor a proibido, pecado, contravenção. Sem arrependimentos nem constrangimentos de justificação de faltas, pois com as mudanças também as justificações escapavam à atenção do pai, sim porque a mãe era notificada deste delito e nem por isso o proibia. O amor justifica tudo não é minha querida e saudosa mãe?
Era no tempo do Liceu Feminino. No tempo de mudança. Na década de 70. No outro século....
Era no tempo da paixão e do amor e dos dois...e nunca me arrependi de ter fugado na escola.
Porque raio tenho eu presente esse tempo, esse mar, essa praia, essa areia, fim de tarde, o amor se manifestando sem truques nem cartas fora do baralho, logo hoje?
Estou de férias. O coração desgovernado neste verão agressivo não se deixa impressionar nem castrar pela mente. As memórias, não se deixam filtrar. Nem jogar fora.
Por falar em jogar, baralhei, parti e acabei a dar cartas num tempo que era de mudança.
De tal forma que ainda se fazem presentes as lembranças daquela tarde em que " fuguei na escola ".
1 comentário:
Olá minha querida Clara.
Apesar de não comentar, estou de olho em ti e nos textos aqui postados.
A cada dia escreves mais limpo, maduro, verdadeiro e convincente. Devo concluir que escreves tal qual como te sentes.
Muitos beijos, Das Dores. ;-)
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