segunda-feira, 23 de julho de 2012

sou elástica


Entro no comboio. Percorro as carruagens. Estão cheias. Páro e olho os lugares possíveis.
Não gosto de ir de costas para a direção que o comboio leva. Nem do lado contrário ao rio/mar. Retiro prazer descansando as vistas na paisagem. Como da primeira vez que viajei de comboio para Cascais. Aos poucos o Cais do Sodré vai ficando para trás. O Cais do Tabaco de onde venho. A cidade.
Vai cheio que nem um ovo. Porque se dirá isto? Tanta coisa que anda a abarrotar mas vai cheio que nem um ovo parece ser mais preciso. Turistas novos e pais de família de crianças pequenas e embirrantes. Deve ser do calor. E do tempo delas não ser o tempo dos pais. Aborrecem-me fedelhos birrentos. Os meus nunca foram. Não me lembro? Lembro sim. Não teria paciência para birras e provavelmente enfardavam umas galhetas a cada tentativa infeliz, a cada propósito de me chatearem a molécula. Depois vinham as senhoras da proteção de menores e zás, estava feita. Se calhar essas enfardavam também, que nesse tempo eu era,  não birrenta mas embirrante, direi mesmo, feroz, e só não mordia se não calhasse. Há uma miúda cheia de caracóis loiros que quase se deita no chão do comboio e a minha vontade é esticar os lábios em modo cu de galinha, pôr o dedo no dito e manda-la calar olhando-a bem nos olhos para que não restem dúvidas que não estou a brincar – ai, ai, ai a menina, mau mau, afinal o que é que se passa aqui? Pouca música que não há quem dance. E aposto que se cala. Na surpresa. Depois os decibéis subirão para o dobro nas costas quentes que sente, sentem sempre, de pai e mãe. Deixo p’ra lá, quem os fez que os ature. Vou procurar um lugar, ponho os fones nos ouvidos e cagari cagaró. Milagre! Fico surda. E não cometo assim um crime.
Já no metro vinham uns putos chatinhos e irrequietos que me desviaram a atenção do livro que me tem acompanhado. Hoje é dia. As famílias juntaram-se para me tramar. Mentira. Juntaram-se para um programa supimpa em família e bonitinhas foram  a caminho dos veleiros no Cais do Tabaco.Ou será Cais de Santa Apolónia? Ou há os dois? Eu acho que sim. Perdoar-me-ão a ignorância. Eu nem sou de cá e 10 anos a caminho da capital aos fins de semana e em férias, mais as vindas ao médico, ao Colombo, e mais uns lugares como discoteca Kandando, à Portugália, aos bifes, às festas a casa da minha kamba Milú, e uns fins de semana por outros na casa da minha comadre, compras na avenida de Roma, tudo isto em tempos que já lá vão, não fazem de mim uma lisboeta. Penso eu de que...
Também fui ver os veleiros. Sozinhinha que vale mais só que mal acompanhada. E não me demorei por lá porque as filas para os ditos cujos eram intermináveis e francamente não me apetecia estar calada muito tempo. Sei que há os da frente e também os de trás mas hoje não é bom dia para falar com desconhecidos. Eles estão numa de serem muitos felizes nos seus papéis de membros de famílias perfeitas, vendo veleiros fantásticos numa cidade  luminosa e quentinha. Tão quentinha que o sol me fez fugir a sete pés para a estação dos comboios para ir fazer o meu programa desejado neste sábado bonito.
Vejo ao fundo um lugar. Dirijo-me para ele. A miúda, mais ou menos da idade dos meus miúdos, talvez mais nova, sim, certamente mais nova, quando percebe que vou ocupar o lugar da sua mochila tira-a e coloca-a ao colo. E encaixa o seu braço direito que acaba no cotovelo, entre o corpo e a mochila. Meu Deus, como pode ser? Uma menina tão bonita, tão vistosa, com um sorriso tão bonito…
E sento-me. E penso naquelas pessoas que acham sempre pouco o que a vida lhes dá. E sinto-me pequenina. E o meu pensamento vai para o Paulo. Já no cais do Tabaco ao ver uma freira em cadeira de rodas pensei nele. Raios parta isto! Que bruxa má a vida é para algumas pessoas. Agarrei as minhas mãos uma com a outra. Para ter certeza de que as tinha.
Falando em mãos, continuo a cruzar-me com gente de mãos dadas. Parece perseguição. Que será isto? Ele é velhos. Ele é novos. Ele é até miúdos que largaram as fraldas há pouco. Será que o mundo tem andado de mãos dadas e eu não via? Ou é um sinal qualquer que não consigo decifrar? Sim  porque não sou eu a querer andar por aí de mãos dadas com um qualquer mafarrico só pelo prazer do carinho, da partilha, ou do parece bem.
Pois, pois, que há muita mulher que conheço que afirma que não acha piada nenhuma andar na rua de mãos dadas. Ou que não percebe porque os casais andam assim ou ainda no limite dizem que é só para armarem. que em casa é uma pouca vergonha. Amargas essas mulheres…não percebo. Um dia ainda hei-de pedir a alguém que saiba, que me explique porquê que fiquei de mãos vazias a olharem uma para a outra. Juro que tenho que perceber. Enfim, já lá vai o tempo em que eu gostava de andar de mãos dadas.  
Com mãos ou sem mãos, cruzes, com mãos, claro, Deus que me perdoe e guarde, a miúda vai aqui ao meu lado e eu já me estava a esquecer disso, ainda há quem diga que não tem sorte nenhuma. Como podem dizer disparates que são autênticas blasfémias? O que daria esta menina tão jovem para ter as duas mãos…bem, estou naquela semana em que sou feliz, a tal semana do mês em que a minha conta bancária atinge o auge e por isso e porque tenho duas mãos para agarrar este sábado maravilhoso ( graças a Deus ) e dois pés que caminham  à procura de momentos agradáveis chego ao destino bem disposta. Pobre é pobre, fazer o quê? A alegria dos pobres é a certeza de que o mundo não precisa de ricos.
O destino é já ali em Carcavelos. O que me deu para mudar de praia? Não deu. Nada. Fiz a vontade à cria que se fartou do Tamariz, do barulho dos miúdos, das conversas dos adultos ali a buzinarem-nos os ouvidos, do mar silencioso; na verdade o mar ali, porque se encurrala em pequenas baías cala-se e parece que estamos em frente ao rio, enfim, um sem número de desculpas para irmos para um areal que pode fazer lembrar Peniche, o Baleal, a Costa, o Meco, a Figueira, a praia das Maçãs e algumas praias do Algarve. Só que não sei se gosto. Estou sempre a pensar no arrastão. E cada grupo de mais de três criaturas adolescentes já é um arrastão que lá vem e me faz olhar o meu saco, olha se me levam o saco? Um sem número de objetos que me fazem falta. E se me levam os chinelos? Como vou para casa? Descalça? Há tempos dei como certa essa situação; a culpa? D' uns putos que se avizinharam da minha toalha e aí vai disto, pazadas atrás de pazadas, baldadas atrás de baldadas, castelos de areia de enfiada, parecendo bairro social, não sei qual o motivo de castelos de areia em série se a sua duração é mais breve que o voo das borboletas, vai daí e com toda essa actividade infantil,  os meus chinelos ficaram enterrados na areia e quando percebi que não os tinha só me apeteceu distribuir tabefes, nem a mãe escapando, que permitiu a brincadeira ali quase em cima da minha toalha enquanto eu me banhava. Telefonei à minha cria perfeitamente perturbada com a ideia de ficar com as cuecas na mão, quer dizer com os pés descalços e pior fiquei quando me aconselhou procurar uma chafarica  qualquer e comprar uns chinelos. Ora eu! Andar descalça no Estoril onde é que já se viu? Felizmente que a mãe das pestes encontrou os meus ricos chinelos. 
Bom, vamos a isto. Até à praia ainda são uns bons metros a pé. Quantos serão? Meio quilómetro em linha reta, provavelmente. É uma avenida. Não conheço Carcavelos. Apenas de passagem, de automóvel. Ah e há uns anos, talvez há uns dez, fiquei no hotel que dá para o mar, quando fui jurada no festival da canção de crianças e adolescentes, do Estoril. No casino. Quanta importância…viu-se quando me levantei no domingo e quis tomar banho e a torneira deitava água barrenta. O banho ficou prejudicado e a justificação foi que rebentara um cano e outras coisas que não prestei atenção e acabei a tomar banho em casa da cria pois que estava no 2º ano da faculdade e morava ali para a zona do Areeiro. Ainda não havia a casa do Olival Basto. 
Chego à areia. Descalço-me mas de imediato me calço. Está a escaldar. Em contrapartida a água é um gelo. 
Aguardo a minha companhia. Não tarda estará aí. Quero almoçar numa das esplanadas do paredão. Quero o prazer do sol no corpo. Quero umas horas de praia, porque mereço, gosto e posso. Tenho mãos para abraçar o sábado. Tenho pés para fazer o caminho. Tenho coração para sentir e o dia ainda não terminou. À noite vou jantar à esplanada da TimeOut na avenida da Liberdade e depois vou ver o fogo de artifício ao cais do Tabaco bem como os veleiros iluminados. Se é um programa pobre? É, mas rico que eu sei lá, porque me sinto uma rica pessoa. É um programa à minha medida e isso não há crise nenhuma que me roube. 
Sou elástica…  

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