Entro no comboio. Percorro as
carruagens. Estão cheias. Páro e olho os lugares possíveis.
Não gosto de ir de costas para a
direção que o comboio leva. Nem do lado contrário ao rio/mar. Retiro prazer
descansando as vistas na paisagem. Como da primeira vez que viajei de comboio
para Cascais. Aos poucos o Cais do Sodré vai ficando para trás. O Cais do
Tabaco de onde venho. A cidade.
Vai cheio que nem um ovo. Porque se
dirá isto? Tanta coisa que anda a abarrotar mas vai cheio que nem um ovo parece
ser mais preciso. Turistas novos e pais de família de crianças pequenas e
embirrantes. Deve ser do calor. E do tempo delas não ser o tempo dos pais.
Aborrecem-me fedelhos birrentos. Os meus nunca foram. Não me lembro? Lembro
sim. Não teria paciência para birras e provavelmente enfardavam umas galhetas a
cada tentativa infeliz, a cada propósito de me chatearem a molécula. Depois
vinham as senhoras da proteção de menores e zás, estava feita. Se calhar essas
enfardavam também, que nesse tempo eu era, não birrenta mas embirrante,
direi mesmo, feroz, e só não mordia se não calhasse. Há uma miúda cheia de caracóis
loiros que quase se deita no chão do comboio e a minha vontade é esticar os
lábios em modo cu de galinha, pôr o dedo no dito e manda-la calar olhando-a bem
nos olhos para que não restem dúvidas que não estou a brincar – ai, ai, ai a
menina, mau mau, afinal o que é que se passa aqui? Pouca música que não há quem
dance. E aposto que se cala. Na surpresa. Depois os decibéis subirão para o
dobro nas costas quentes que sente, sentem sempre, de pai e mãe. Deixo p’ra lá,
quem os fez que os ature. Vou procurar um lugar, ponho os fones nos ouvidos e
cagari cagaró. Milagre! Fico surda. E não cometo assim um crime.
Já no metro vinham uns putos
chatinhos e irrequietos que me desviaram a atenção do livro que me tem
acompanhado. Hoje é dia. As famílias juntaram-se para me tramar. Mentira.
Juntaram-se para um programa supimpa em família e bonitinhas foram a
caminho dos veleiros no Cais do Tabaco.Ou será Cais de Santa Apolónia? Ou há os
dois? Eu acho que sim. Perdoar-me-ão a ignorância. Eu nem sou de cá e 10 anos a
caminho da capital aos fins de semana e em férias, mais as vindas ao médico, ao
Colombo, e mais uns lugares como discoteca Kandando, à Portugália, aos bifes,
às festas a casa da minha kamba Milú, e uns fins de semana por outros na casa
da minha comadre, compras na avenida de Roma, tudo isto em tempos que já lá
vão, não fazem de mim uma lisboeta. Penso eu de que...
Também fui ver os veleiros.
Sozinhinha que vale mais só que mal acompanhada. E não me demorei por lá porque
as filas para os ditos cujos eram intermináveis e francamente não me apetecia
estar calada muito tempo. Sei que há os da frente e também os de trás mas hoje
não é bom dia para falar com desconhecidos. Eles estão numa de serem muitos
felizes nos seus papéis de membros de famílias perfeitas, vendo veleiros
fantásticos numa cidade luminosa e quentinha. Tão quentinha que o sol me
fez fugir a sete pés para a estação dos comboios para ir fazer o meu programa
desejado neste sábado bonito.
Vejo ao fundo um lugar. Dirijo-me
para ele. A miúda, mais ou menos da idade dos meus miúdos, talvez mais nova,
sim, certamente mais nova, quando percebe que vou ocupar o lugar da sua mochila
tira-a e coloca-a ao colo. E encaixa o seu braço direito que acaba no cotovelo,
entre o corpo e a mochila. Meu Deus, como pode ser? Uma menina tão bonita, tão
vistosa, com um sorriso tão bonito…
E sento-me. E penso naquelas pessoas
que acham sempre pouco o que a vida lhes dá. E sinto-me pequenina. E o meu
pensamento vai para o Paulo. Já no cais do Tabaco ao ver uma freira em cadeira
de rodas pensei nele. Raios parta isto! Que bruxa má a vida é para
algumas pessoas. Agarrei as minhas mãos uma com a outra. Para ter certeza
de que as tinha.
Falando em mãos, continuo a cruzar-me com gente de mãos dadas. Parece perseguição. Que será isto? Ele é velhos. Ele é novos. Ele é até miúdos que largaram as fraldas há pouco. Será que o mundo tem andado de mãos dadas e eu não via? Ou é um sinal qualquer que não consigo decifrar? Sim porque não sou eu a querer andar por aí de mãos dadas com um qualquer mafarrico só pelo prazer do carinho, da partilha, ou do parece bem.
Pois, pois, que há muita mulher que conheço que afirma que não acha piada nenhuma andar na rua de mãos dadas. Ou que não percebe porque os casais andam assim ou ainda no limite dizem que é só para armarem. que em casa é uma pouca vergonha. Amargas essas mulheres…não percebo. Um dia ainda hei-de pedir a alguém que saiba, que me explique porquê que fiquei de mãos vazias a olharem uma para a outra. Juro que tenho que perceber. Enfim, já lá vai o tempo em que eu gostava de andar de mãos dadas.
Falando em mãos, continuo a cruzar-me com gente de mãos dadas. Parece perseguição. Que será isto? Ele é velhos. Ele é novos. Ele é até miúdos que largaram as fraldas há pouco. Será que o mundo tem andado de mãos dadas e eu não via? Ou é um sinal qualquer que não consigo decifrar? Sim porque não sou eu a querer andar por aí de mãos dadas com um qualquer mafarrico só pelo prazer do carinho, da partilha, ou do parece bem.
Pois, pois, que há muita mulher que conheço que afirma que não acha piada nenhuma andar na rua de mãos dadas. Ou que não percebe porque os casais andam assim ou ainda no limite dizem que é só para armarem. que em casa é uma pouca vergonha. Amargas essas mulheres…não percebo. Um dia ainda hei-de pedir a alguém que saiba, que me explique porquê que fiquei de mãos vazias a olharem uma para a outra. Juro que tenho que perceber. Enfim, já lá vai o tempo em que eu gostava de andar de mãos dadas.
Com mãos ou sem
mãos, cruzes, com mãos, claro, Deus que me perdoe e guarde, a miúda vai aqui ao
meu lado e eu já me estava a esquecer disso, ainda há quem diga que não tem
sorte nenhuma. Como podem dizer disparates que são autênticas blasfémias? O que
daria esta menina tão jovem para ter as duas mãos…bem, estou naquela semana em
que sou feliz, a tal semana do mês em que a minha conta bancária atinge o auge
e por isso e porque tenho duas mãos para agarrar este sábado maravilhoso (
graças a Deus ) e dois pés que caminham à procura de momentos agradáveis
chego ao destino bem disposta. Pobre é pobre, fazer o quê? A alegria dos pobres
é a certeza de que o mundo não precisa de ricos.
O destino é já ali
em Carcavelos. O que me deu para mudar de praia? Não deu. Nada. Fiz a vontade à
cria que se fartou do Tamariz, do barulho dos miúdos, das conversas dos adultos
ali a buzinarem-nos os ouvidos, do mar silencioso; na verdade o mar ali, porque
se encurrala em pequenas baías cala-se e parece que estamos em frente ao rio,
enfim, um sem número de desculpas para irmos para um areal que pode fazer
lembrar Peniche, o Baleal, a Costa, o Meco, a Figueira, a praia das Maçãs e
algumas praias do Algarve. Só que não sei se gosto. Estou sempre a pensar no
arrastão. E cada grupo de mais de três criaturas adolescentes já é um arrastão
que lá vem e me faz olhar o meu saco, olha se me levam o saco? Um sem número de
objetos que me fazem falta. E se me levam os chinelos? Como vou para casa?
Descalça? Há tempos dei como certa essa situação; a culpa? D' uns putos que se
avizinharam da minha toalha e aí vai disto, pazadas atrás de pazadas, baldadas
atrás de baldadas, castelos de areia de enfiada, parecendo bairro social, não
sei qual o motivo de castelos de areia em série se a sua duração é mais breve
que o voo das borboletas, vai daí e com toda essa actividade infantil, os
meus chinelos ficaram enterrados na areia e quando percebi que não os tinha só
me apeteceu distribuir tabefes, nem a mãe escapando, que permitiu a brincadeira
ali quase em cima da minha toalha enquanto eu me banhava. Telefonei à minha
cria perfeitamente perturbada com a ideia de ficar com as cuecas na mão, quer
dizer com os pés descalços e pior fiquei quando me aconselhou procurar uma
chafarica qualquer e comprar uns chinelos. Ora eu! Andar descalça no
Estoril onde é que já se viu? Felizmente que a mãe das pestes encontrou os meus
ricos chinelos.
Bom, vamos a isto.
Até à praia ainda são uns bons metros a pé. Quantos serão? Meio quilómetro em
linha reta, provavelmente. É uma avenida. Não conheço Carcavelos. Apenas de
passagem, de automóvel. Ah e há uns anos, talvez há uns dez, fiquei no hotel
que dá para o mar, quando fui jurada no festival da canção de crianças e adolescentes,
do Estoril. No casino. Quanta importância…viu-se quando me levantei no domingo
e quis tomar banho e a torneira deitava água barrenta. O banho ficou
prejudicado e a justificação foi que rebentara um cano e outras coisas que não
prestei atenção e acabei a tomar banho em casa da cria pois que estava no 2º
ano da faculdade e morava ali para a zona do Areeiro. Ainda não havia a casa do
Olival Basto.
Chego à areia.
Descalço-me mas de imediato me calço. Está a escaldar. Em contrapartida a água
é um gelo.
Aguardo a minha
companhia. Não tarda estará aí. Quero almoçar numa das esplanadas do paredão.
Quero o prazer do sol no corpo. Quero umas horas de praia, porque mereço, gosto
e posso. Tenho mãos para abraçar o sábado. Tenho pés para fazer o caminho.
Tenho coração para sentir e o dia ainda não terminou. À noite vou jantar à
esplanada da TimeOut na avenida da Liberdade e depois vou ver o fogo de
artifício ao cais do Tabaco bem como os veleiros iluminados. Se é um programa
pobre? É, mas rico que eu sei lá, porque me sinto uma rica pessoa. É um
programa à minha medida e isso não há crise nenhuma que me roube.
Sou elástica…
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