É verão. Tempo de férias. É Odivelas. E o metro a
transportar-me para o centro de Lisboa. Para um encontro prazeroso. Para uma tarde de afectos. Para um fare niente. É
um dia de temperaturas que chegam aos 40 graus, no país. Entro no metro e sento-me. É estação terminal. Aos poucos, os lugares vão
sendo ocupados. Não há dúvida que é o transporte público mais fácil, rápido e
cómodo ( continua a ter ar condicionado ) da capital. Tem um senão. Somos obrigados
ao constrangimento de olharmos uns para os outros e procurarmos fixar um ponto
que nos afaste de rostos, a maior parte das vezes, fechados, tristes, zangados,
solitários, cansados ou doentes. Tirando turistas, não há alegria nos rostos
dos habitantes desta cidade. Há uma conformação assustadora. Desistência. Pressa. Cansaço e mais cansaço. Mas onde é que
não há constrangimentos?No banco ao lado do meu, estão sentados, um homem, e na frente dele,um
rapazinho. Devem ser pai e filho. Conversam animadamente. O imberbe parece ser
levado pelo pai, à cidade, para conhecer mundo. Faz lembrar quando os pais
levam os filhos ao jardim zoológico. A propósito disso, um dia destes vou ao
jardim zoológico. Gosto de lá ir.Ao meu lado, um homem, muito cauteloso, senta-se sem me tocar. Acho bem. Odeio encostos nos metros. Esse abuso de pagarem um bilhete e usurparem o nosso lugar como se tudo lhes pertencesse não falando dessa quase repugnância do toque no meu corpo por gente que não conheço. À minha frente senta-se um casal jovem. Na casa dos 20 que pode chegar aos 30. Dão
as mãos e ficam de mãos dadas. A mão dele na dela e a dela em cima do joelho. Não
evito pensar que está imenso calor. O amor já é quente, a temperatura é alta.
Lá fora está horrível. Detesto mãos pegajosas. Sinto nojo. Mas isto sou eu, não
eles. Não sei há quanto tempo não ando de mãos dadas. Será que estou com
inveja? Não. Não sou invejosa. Não, jamais estaria de mãos dadas no metro. São
romantismos para não dizer que é uma piroseira. O amor é piroso, mas toda a gente
gosta. Volto a mim. Não namoraria num metro. Não daria mãos num
metro. Já não sou romântica? Não sou é palerma. Amor e uma cabana? Não. Numa cabana
o amor vai morrendo aos poucos. Numa cabana chovem raios e coriscos. Numa
cabana pode nascer o amor. Pode fazer-se o amor mas que morre, morre e não é
bonito nem fácil ver o amor finar-se. Numa cabana.Para evitar os tais constrangimentos e porque sou daquelas que por esse motivo,
oiço música, escrevo, ou leio livros,
por falar nisso, gosto de ver gente lendo, nos transportes públicos.
Interrogo-me se estão mesmo a ler. Se querem mesmo ler. Se sabem ler. É lá com
eles. Tiro da carteira, “ o retorno “ de Dulce Maria Cardoso, que já vai a meio.
Tenho-o devorado. Foi prenda de aniversário. Gosto de receber presentes
personalizados. Que me fazem mais contente por cá andar e apostar em pessoas. O
perfume que o F. me ofereceu foi outro presente que me encheu as medidas. É uma
das prendas que mais gosto de receber. Perfume. Mas tem um pau de dois bicos.
Vamos que é alguém que nem está nem aí para os meus gostos? Gasta dinheiro e não me satisfaz.
Podia pensar que gastar dinheiro é o menos. Mas não penso uma maldade destas
pois que os perfumes estão horrivelmente caros e quem oferece um perfume ou
gosta muito de nós, ou tem dinheiro a dar com o pau ou quer agradar-nos, passando-nos
a mão pelo pêlo, muitas vezes, comprar-nos. Evidentemente que o F. não tem nada a
ver com isto. Nem comprava um perfume que não gostasse, nem me passa a mão pelo
pêlo, nem é rico. E tem bom gosto. Já me ofereceu muitas prendas e todas
óptimas. O ano passado foi o relógio que uso habitualmente. Há 2 anos foi um
colar que adoro e sei não haver mais nenhum no mundo inteiro. Grande F! No
natal também me presenteia com A vida é bela, livros, Cds. Sinto o aroma do meu
perfume. E sorrio. Será que alguém me está a observar? Borriquei nisso. No
metro parecemos todos pouco inteligentes, pouco satisfeitos, pouco bem
humorados. Muito cuscos. Acho que escapo por uma unha negra a essa condição
porque não cusco por cuscar. Observo. Os comportamentos. Com tanta observação
poderá chamar-se curriculum? É que pedir não custa e ficava com duas licenciaturas, oferta da Lusófona, uma vez que até fiz anos há uns dias. Que me
perdoem a Manuela ( socióloga ), as três Joanas que conheço, a Ana Rita e a
Sónia( psicólogas ), mais uma meia dúzia de que me abstenho de colocar os seus
nomes, mas acho que já reúno condições
para ter estas duas licenciaturas. Não? Se calhar não. Terei de bater com os
costados no banco da faculdade porque haver benesses há, mas são para os outros.
Saio no Marquês. Mudo de linha para os Restauradores. Já estão à minha espera.
Combinámos a esplanada da Timeout. Mesmo em frente às instalações da revista.
Vamos almoçar ali. Há uns pães que se chamam quadrados e que são de massa de
pita, vegetariano,, rosbife
e lombo de porco, todos, com pasta de
azeitona e molho vinagrete. E têm uma limonada espetacular. E tem também um
ambiente agradável e boa música. Gosto de lá ir. Depois iremos numa visita obrigatória ao Santini. Acabar com o resto. Dia não são dias. Nem quero pensar nisso pois tem muito dias assim...
Dirijo-me ao elevador. Em vão. Está fora de serviço. A passadeira e as escadas
rolantes, também. Gente com dificuldades, ou deficiência, velhos e crianças
pequenas não podem, nos dias de hoje, andar de metro porque as dificuldades são
imensas. Diz que é a troika. Pois é. A troika não anda de metro.
Daqui até ao Restauradores é um pulinho. Há só uma estação pelo meio. Saio. Na saída errada.
Junto ao “ Pinóquio “. Com o calor e sol fortíssimo, com a minha pessoa à
espera, quase soltei um desaforo mas ficou-me apenas a bailar pelo pensamento. Bem no centro da
praça, o telefone tocou. Era a Constância a dar-me os parabéns atrasados. Esteve
no Alentejo. No monte. Fiquei contente com este mimo. Fico sempre. Gosto de
mimos. Vejo a minha pessoa à espera. Começa a minha tarde. Na amizade. Em Lisboa. De
férias...
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