Saí para a rua bem agasalhada. Casaco comprido, cachecol, presente do F. num natal de há dois anos ou três. De lã, quentinho e bonito. Duma marca conhecida, que faz umas publicidades estranhas e chocantes. A propósito, a última, dos beijos entre uns e outros, todos muito especiais aos olhos do mundo, ou senão, se calhar intocáveis, mas a marca veio mostrar que isto toca a todos, mas duma forma que francamente, eu, que não sou nada de criticar, também não gostei de ver o Papa aos beijos em cartaz, na televisão, por aí num canto qualquer. Beijos são beijos e o senhor não disse que os queria dar. Os senhores, porque tocou a vez a vários. O F. dá-me presentes que eu gosto. Este ano trouxe-me, A vida é bela, e uma ida aos fados com prova de vinhos, queijos e enchidos. Com outra pessoa... Luvas de pele, oferta dos filhotes num natal lá para trás. Sabiam que eu queria umas luvas de pele e fizeram-me o gosto aos dedos. E chapéu. Esse comprei-o eu. Este ano não me tem dado para os chapéus. Acho que desde que um fim de semana destes pûs uma boina e alguém por mim estimado me disse que parecia a tonta das dúzias, nunca mais pûs nada na cabeça senão o propósito de não parecer tonta. Se consegui não o sei.
Meia preta e saltos altos. Perfumada. Num perfume recente. Oferta da caçula que me deu presentes lindos neste natal.
Assim que pus os pés na calçada, o nariz ressentiu-se e espirrou. E a tosse voltou. Tenho a pele do nariz áspera e dorida. Sei que sou resistente mas esta constipação considero-a uma maldade da natureza que esta poderia ter evitado.
O frio hoje galopou descendo a temperatura para negativos, mas curiosamente gosto. Sinto um certo conforto na roupa que trago. No vento que toca o meu rosto e me refresca as idéias. Não sei se tenho motivos para ser feliz. Não quero pensar muito nisso. Posso parecer arrogante. Não sei se tenho motivos para ser infeliz. Posso parecer ingrata. Não sei se me importo com o que pensam. Também não quero pensar muito nisso. Sei que me sinto presente. Com força para enfrentar o dia.
Tudo parece estar nos seus lugares. As pessoas que mais amo, fora. Amanhã termina o ano. A minha escolha recaiu no que me parece certo. O mais certo. Estou tranquilamente deixando que o tempo passe por mim. Passo eu pelo tempo sem mossa.
Vejo uma mulher passar para o outro lado da rua. Gorro preto. Gola alta vermelha. Botas pretas e luvas de pele. Vem-me à memória um episódio que aconteceu quando era pouco mais que uma miúda, pretenciosa, vaidosa, achando que o mundo me pertencia, e cobrando do mundo uma enorme dívida por estar na mó de baixo.
Viera de Luanda há pouco mais do que dois anos e era estagiária em torres novas. Recebera o convite para ir secretariar o escrivão na abertura de Alcanena e aceitei. Não perdia nada porque tinha boleia e poderia vir a ganhar uma nomeação efectiva para o cargo. Não aconteceu. Nessa altura. Só cerca de dois anos depois. Na altura fumava meio maço de SG Gigante por dia, só porque andava ó tio ó tio, porque se tivesse dinheiro fumaria muito mais, bebia dois cafés, comia um bolo, na Abidis ao lanche, por isso precisava de dinheiro mais que nunca. Até porque no último ano em Luanda dera aulas no colégio, e tinha um ordenado inteirinho para mim, enquanto, julgava eu e acreditou o sô Santos por isso o consentiu, acabava o liceu à noite, para seguir medicina. Ah essa foi outra. Convencer-me que um dia podia chegar lá. Ao sonho...
O frio, a roupa, o perfume, as luvas e os saltos altos provocaram uma reencarnação súbita de outra personagem e consegui sentir até o calor da viatura onde me deslocava, numa manhã gelada de inverno a caminho de Alcanena, menina e moça, metida a besta.
Tivera boleia duma mulher chique da nossa praça à época, colega de uma amiga minha que diariamente se deslocava para Alcanena. Entrara no automóvel e o conforto sentido, aquele aconchego de quem está bem com a pele, com a roupa, com o frio, com a vida fez-me observá-la com alguma admiração.
Mulher trés chic como a pastelaria Abidis cá do burgo. Perfumada. De gorro, luvas de pele, gola alta vermelha e botas altas. Casaco comprido. Daquelas pessoas bem resolvidas a quem tudo corre bem. E desejei estar no seu lugar. Ser assim. Um emprego seguro, família, despachada, feliz.
As nossas vidas cruzaram-se mais tarde quando as crias de ambas se tornaram colegas e amigas.
Já eu olhava para ela e não via a luz que projectei nela então.
Há pouco tempo soube que estava muito doente. E que uma irmã, a única falecera.
Hoje como que num clique no interruptor, lembrei esse episódio. Assim, sem perceber muito bem porquê.
Cada vez me convenço mais, cada um com a sua vida, e nada de invejosices. Só a trabalhadeira que dá, querer a vida alheia e o sofrimento que não o conseguir nos pode trazer...
Meia preta e saltos altos. Perfumada. Num perfume recente. Oferta da caçula que me deu presentes lindos neste natal.
Assim que pus os pés na calçada, o nariz ressentiu-se e espirrou. E a tosse voltou. Tenho a pele do nariz áspera e dorida. Sei que sou resistente mas esta constipação considero-a uma maldade da natureza que esta poderia ter evitado.
O frio hoje galopou descendo a temperatura para negativos, mas curiosamente gosto. Sinto um certo conforto na roupa que trago. No vento que toca o meu rosto e me refresca as idéias. Não sei se tenho motivos para ser feliz. Não quero pensar muito nisso. Posso parecer arrogante. Não sei se tenho motivos para ser infeliz. Posso parecer ingrata. Não sei se me importo com o que pensam. Também não quero pensar muito nisso. Sei que me sinto presente. Com força para enfrentar o dia.
Tudo parece estar nos seus lugares. As pessoas que mais amo, fora. Amanhã termina o ano. A minha escolha recaiu no que me parece certo. O mais certo. Estou tranquilamente deixando que o tempo passe por mim. Passo eu pelo tempo sem mossa.
Vejo uma mulher passar para o outro lado da rua. Gorro preto. Gola alta vermelha. Botas pretas e luvas de pele. Vem-me à memória um episódio que aconteceu quando era pouco mais que uma miúda, pretenciosa, vaidosa, achando que o mundo me pertencia, e cobrando do mundo uma enorme dívida por estar na mó de baixo.
Viera de Luanda há pouco mais do que dois anos e era estagiária em torres novas. Recebera o convite para ir secretariar o escrivão na abertura de Alcanena e aceitei. Não perdia nada porque tinha boleia e poderia vir a ganhar uma nomeação efectiva para o cargo. Não aconteceu. Nessa altura. Só cerca de dois anos depois. Na altura fumava meio maço de SG Gigante por dia, só porque andava ó tio ó tio, porque se tivesse dinheiro fumaria muito mais, bebia dois cafés, comia um bolo, na Abidis ao lanche, por isso precisava de dinheiro mais que nunca. Até porque no último ano em Luanda dera aulas no colégio, e tinha um ordenado inteirinho para mim, enquanto, julgava eu e acreditou o sô Santos por isso o consentiu, acabava o liceu à noite, para seguir medicina. Ah essa foi outra. Convencer-me que um dia podia chegar lá. Ao sonho...
O frio, a roupa, o perfume, as luvas e os saltos altos provocaram uma reencarnação súbita de outra personagem e consegui sentir até o calor da viatura onde me deslocava, numa manhã gelada de inverno a caminho de Alcanena, menina e moça, metida a besta.
Tivera boleia duma mulher chique da nossa praça à época, colega de uma amiga minha que diariamente se deslocava para Alcanena. Entrara no automóvel e o conforto sentido, aquele aconchego de quem está bem com a pele, com a roupa, com o frio, com a vida fez-me observá-la com alguma admiração.
Mulher trés chic como a pastelaria Abidis cá do burgo. Perfumada. De gorro, luvas de pele, gola alta vermelha e botas altas. Casaco comprido. Daquelas pessoas bem resolvidas a quem tudo corre bem. E desejei estar no seu lugar. Ser assim. Um emprego seguro, família, despachada, feliz.
As nossas vidas cruzaram-se mais tarde quando as crias de ambas se tornaram colegas e amigas.
Já eu olhava para ela e não via a luz que projectei nela então.
Há pouco tempo soube que estava muito doente. E que uma irmã, a única falecera.
Hoje como que num clique no interruptor, lembrei esse episódio. Assim, sem perceber muito bem porquê.
Cada vez me convenço mais, cada um com a sua vida, e nada de invejosices. Só a trabalhadeira que dá, querer a vida alheia e o sofrimento que não o conseguir nos pode trazer...
2 comentários:
olá. os seus textos, são fantásticos. nem sei como náo foi para escritora Profissional. As melhoras dessa constipação e uma boa passagem de ano. Pela primeira vez, vamos passar a passagem de ano num restaurante novo que abriu em Valongo, há menos de 3 semanas. Nunca foi costume tal coisa por aqui, na passagem de ano. Reservou-se mesa para dia 31 e dia 1 de Janeiro. O dono é do Marco de Canaveses e conhecido dos meus Pais e primos, e os pais dele têm uma excelente casa no Marco ( Restaurante ) onde servem o bom arroz de forno anho/cabrito assado. O meu Pai ao contrário dos outros anos, está todo entusiasmado e como conhece o dono e sendo ele Marcoense, ainda melhor. Desta vez não vou passar o Ano com os meus primos de Lousada. beijos para si, um abraço e um bom Ano de 2012.
Obrigada Nuno.
Uma boa passagem de ano e um ano dse 2012 cheio de alegrias e saúde.
Divirta-se. :)
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