Neste mundo de Deus e dos homens, todos estendemos a mão. Para dar e receber. Uns mais que outros. Eu recebo. Sou uma pessoa de sorte. Tento dar. Algumas vezes sou capaz.
O dia começou cedo apesar de sábado. Já a caminho dei conta que não tinha a carteira de documentos. Passada dos pirolitos, entrei em pânico. Onde a teria deixado? Ontem à noite paguei com o cartão, na mercearia da Rita. Fui p'ra casa e apenas saí na manhã de hoje, momento em que verificara faltar-me a carteira que para além de ser encarnada ( prenda do mano Zé e Lurdes há uns natais atrás ) é enorme e difícil de perder. Perdi o autocarro das 10,30horas mas encontrei-a o que foi uma benção. Para mim que preciso dos carcanhois para viver e não só, pois hoje alguém acreditou no pai natal e que eu fosse o próprio.
Estava eu cansadíssima da tarde cheia, entre compras e coros de música de natal na basílica dos mártires, tuna duma faculdade qualquer, grupo de gospel junto ao largo Camões, quando virada para baixo a descer o Chiado uma mulher jovem, com bom ar e cerca de 30 anos, me pediu dinheiro para um bolo, porque estava cheia de fome. Disse-lhe que fosse comigo à pastelaria e ela logo se prontificou. Lá chegadas , perguntou-me: Posso pedir um croissant com fiambre? Pode pedir o que quiser. E para beber também. E ela pediu o croissant e um galão. Quando eu estava a querer pagar disse-me que precisava de ir à casa de banho. Paguei e saí. Apareceu atrás de mim a perguntar-me se ia embora. Sim, vou. - Boa sorte senhora, e os olhos brilharam-lhe num verde bonito, num rosto triste. Não encontrei mentira no seu olhar. Podia ser minha filha...
Desci o Chiado entre balões azuis celestes que as meninas com camisolas da tmn ofereciam a quem quisesse, eu não quis, era o que mais faltava ir de balãozinho para casa no autocarro 36 para o sr. Roubado! Em frente ao Santini um grupo espanhol cantava e tocava e duas mulheres já entradotas embora cheias de salero dançavam sevilhanas, desafiadas por um dos cantadores. Assim que recomecei a andar uma mulher supostamente grávida, abordou-me: Minha senhora, pode ajudar-me? Vi a coisa mal parada. Lisboa está muito pedinte. Cada vez mais. É assustador como as pessoas precisam...como as pessoas se aproveitam...como as pessoas não se inibem...como as pessoas se humilham...
Tenho medo de ser enganada. Tenho medo de ficar de consciência pesada,malvada consciência...
Tenho medo de me pôr na pele delas. Tenho medo de precisar de estender a mão...senhora pode ajudar-me? Desde manhã que estou a pedir para não dormir na rua hoje. Tenho fome e frio.
- Então vamos ver o que quer comer?
Os olhos iluminaram-se. Preciso de arranjar dinheiro, 9 euros para dormir 3 noites num quarto, nos Anjos.
- Você não está a enganar-me? - Começou a chorar. - Estou sozinha. O meu companheiro quando soube que eu estava grávida deixou-me. Quer ir comigo lá aos Anjos? A senhora vê com os seus olhos. Fico logo lá. Como qualquer coisa e fico já na cama.
- 9 euros? Isso é uma espelunca. Disse eu.
- Não. Tem uma cama e uma mesinha de cabeceira e a casa de banho é comum aos outros hóspedes. Mas a segurança social vai arranjar um lugar que há para as grávidas, para eu ficar. Dê-me um sorriso, senhora. Ninguém me sorri. Pensei que a sabia toda. Ou não. Disse-lhe que me estava a enganar. Juro por Deus, senhora. Recomeçou a chorar, de lágrimas à séria.
Não sei se fui " papada" mas sei que lhe sorri e lhe pûs uma nota na mão. Perdi a cabeça. Nem vos digo que nota foi. No fundo, no fundo precisava de fazer isto para me sentir melhor pessoa. Para que baixasse o espírito do natal e estendesse a mão. Perguntei-lhe o nome. Ana, disse-me. Podia ser minha filha...
Deixei-a de nota na mão chorando agradecimentos e entrei na pastelaria da esquina do Rossio a caminho dos Restauradores. Pedi um pão dos que estava na montra. Perguntou-me a empregada se era um canguru. Canguru? Sei lá eu bem. Esses que têm chouriço e queijo. Ela riu-se. É desses mesmo. Chama-se canguru.
Quando saí para a rua e atravessei a rua no sinal verde, a caminho do autocarro nos Restauradores, pensei na bolsa marsupial.
Afinal, faz sentido tudo isto...
O dia começou cedo apesar de sábado. Já a caminho dei conta que não tinha a carteira de documentos. Passada dos pirolitos, entrei em pânico. Onde a teria deixado? Ontem à noite paguei com o cartão, na mercearia da Rita. Fui p'ra casa e apenas saí na manhã de hoje, momento em que verificara faltar-me a carteira que para além de ser encarnada ( prenda do mano Zé e Lurdes há uns natais atrás ) é enorme e difícil de perder. Perdi o autocarro das 10,30horas mas encontrei-a o que foi uma benção. Para mim que preciso dos carcanhois para viver e não só, pois hoje alguém acreditou no pai natal e que eu fosse o próprio.
Estava eu cansadíssima da tarde cheia, entre compras e coros de música de natal na basílica dos mártires, tuna duma faculdade qualquer, grupo de gospel junto ao largo Camões, quando virada para baixo a descer o Chiado uma mulher jovem, com bom ar e cerca de 30 anos, me pediu dinheiro para um bolo, porque estava cheia de fome. Disse-lhe que fosse comigo à pastelaria e ela logo se prontificou. Lá chegadas , perguntou-me: Posso pedir um croissant com fiambre? Pode pedir o que quiser. E para beber também. E ela pediu o croissant e um galão. Quando eu estava a querer pagar disse-me que precisava de ir à casa de banho. Paguei e saí. Apareceu atrás de mim a perguntar-me se ia embora. Sim, vou. - Boa sorte senhora, e os olhos brilharam-lhe num verde bonito, num rosto triste. Não encontrei mentira no seu olhar. Podia ser minha filha...
Desci o Chiado entre balões azuis celestes que as meninas com camisolas da tmn ofereciam a quem quisesse, eu não quis, era o que mais faltava ir de balãozinho para casa no autocarro 36 para o sr. Roubado! Em frente ao Santini um grupo espanhol cantava e tocava e duas mulheres já entradotas embora cheias de salero dançavam sevilhanas, desafiadas por um dos cantadores. Assim que recomecei a andar uma mulher supostamente grávida, abordou-me: Minha senhora, pode ajudar-me? Vi a coisa mal parada. Lisboa está muito pedinte. Cada vez mais. É assustador como as pessoas precisam...como as pessoas se aproveitam...como as pessoas não se inibem...como as pessoas se humilham...
Tenho medo de ser enganada. Tenho medo de ficar de consciência pesada,malvada consciência...
Tenho medo de me pôr na pele delas. Tenho medo de precisar de estender a mão...senhora pode ajudar-me? Desde manhã que estou a pedir para não dormir na rua hoje. Tenho fome e frio.
- Então vamos ver o que quer comer?
Os olhos iluminaram-se. Preciso de arranjar dinheiro, 9 euros para dormir 3 noites num quarto, nos Anjos.
- Você não está a enganar-me? - Começou a chorar. - Estou sozinha. O meu companheiro quando soube que eu estava grávida deixou-me. Quer ir comigo lá aos Anjos? A senhora vê com os seus olhos. Fico logo lá. Como qualquer coisa e fico já na cama.
- 9 euros? Isso é uma espelunca. Disse eu.
- Não. Tem uma cama e uma mesinha de cabeceira e a casa de banho é comum aos outros hóspedes. Mas a segurança social vai arranjar um lugar que há para as grávidas, para eu ficar. Dê-me um sorriso, senhora. Ninguém me sorri. Pensei que a sabia toda. Ou não. Disse-lhe que me estava a enganar. Juro por Deus, senhora. Recomeçou a chorar, de lágrimas à séria.
Não sei se fui " papada" mas sei que lhe sorri e lhe pûs uma nota na mão. Perdi a cabeça. Nem vos digo que nota foi. No fundo, no fundo precisava de fazer isto para me sentir melhor pessoa. Para que baixasse o espírito do natal e estendesse a mão. Perguntei-lhe o nome. Ana, disse-me. Podia ser minha filha...
Deixei-a de nota na mão chorando agradecimentos e entrei na pastelaria da esquina do Rossio a caminho dos Restauradores. Pedi um pão dos que estava na montra. Perguntou-me a empregada se era um canguru. Canguru? Sei lá eu bem. Esses que têm chouriço e queijo. Ela riu-se. É desses mesmo. Chama-se canguru.
Quando saí para a rua e atravessei a rua no sinal verde, a caminho do autocarro nos Restauradores, pensei na bolsa marsupial.
Afinal, faz sentido tudo isto...
1 comentário:
Isto vai de mal a pior.
Bom texto, amiga.
Gostei da atitude.
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