Dizem que remexer no passado é coisa de velho. Tempo acumulado, guardado, empoeirado. Eu gosto. E não é de agora.
E quando a gente gosta, pôe-se a jeito. Procura e acha. E quando não procura nem encontra, nos cai na sopa. Porque o universo é poderoso.
Poderosa me sentia também, menina franzina, franja preta, mais olhos que barriga, saia plissada, sapato mata barata na esquina, pulando traquina, pela mão amiga do tio mais novo, parecia era irmão mais velho.
Todo o domingo iamos, então. Eu num padecimento de formigueiro na boca do estômago, coração pulando parecia era gazela, desmaiando de vergonha, aquela igual à de cão, exacta qual o Nero, cachorro do colégio, que a dona Dina dizia.
Morrendo de curiosidade, porque não dizê-lo, sonhando com o palco, a música, os apresentadores, a voz limpa de sotaque, grave, alegre de boa dicção, soube mais tarde, chamando, pronunciando o meu nome, igual ao da avó. Vivendo o momento.
Provando o que valia. Nas cantorias.
Na verdade não era boa no canto, apesar de me esforçar e gostar. Ensaiava a semana inteira, ao espelho, para não me enganar.
Mas quando subia no palco, a cabeça latejando, o suor escorrendo, o rosto se avermelhando, pernas tremendo, caranguejo não é peixe, caranguejo peixe é, caranguejo só é peixe quando entra na maré, faltava -me o ar, olhava a plateia e a vergonha vencia a minha alegria. N'um só minuto tinha de cantar tal qual fosse a verdadeira artista. Um minuto apenas, que demorava uma eternidade.
O público, o tio, os apresentadores, o conjunto tocando, o som longínquo do mar, o céu azul a espreitar, os homens atirando aos pombos, aos pratos, ali do lado, tudo me dizia que tinha de cantar. E cantava. Porque morria de vergonha de desistir.
Ainda mais, de desiludir o tio, quase irmão mais velho.
E ganhava prémios de desencorajar. Pedra d' água. Café somil e outros que não sei mais o quê, sei só que metiam medo ao susto, que até esqueci o nome. A forma e o sabor. Coisa de adultos.
Naquele tempo, meu tempo no início, vida boa, tenra idade, ali tentei uma carreira, que ninguém encontrou, nem eu e se perdeu no esquecimento e desinteresse, entre domingos e afecto de tio amigo, encolher de ombros, outros interesses. Mas que me ficou na memória fazendo parte da minha história.
Naquele tempo, meu tempo no início, tenra idade, ao domingo, no Miramar eu me perdia pelas cantigas de encantar ou de arrepiar. Eu me encontrava, candengue feliz. No Cazumbi.
Eu queria ser cantora. Louca sonhadora...
Nem cantora, nem palco, nem Cazumbi . Já nem Miramar, sequer.
Tudo se perdeu no tempo. Nos dias que de tão longos, ficaram no esquecimento. Só eu e a minha memória, a imagem, para voltar à história.
E quando a gente gosta, pôe-se a jeito. Procura e acha. E quando não procura nem encontra, nos cai na sopa. Porque o universo é poderoso.
Poderosa me sentia também, menina franzina, franja preta, mais olhos que barriga, saia plissada, sapato mata barata na esquina, pulando traquina, pela mão amiga do tio mais novo, parecia era irmão mais velho.
Todo o domingo iamos, então. Eu num padecimento de formigueiro na boca do estômago, coração pulando parecia era gazela, desmaiando de vergonha, aquela igual à de cão, exacta qual o Nero, cachorro do colégio, que a dona Dina dizia.
Morrendo de curiosidade, porque não dizê-lo, sonhando com o palco, a música, os apresentadores, a voz limpa de sotaque, grave, alegre de boa dicção, soube mais tarde, chamando, pronunciando o meu nome, igual ao da avó. Vivendo o momento.
Provando o que valia. Nas cantorias.
Na verdade não era boa no canto, apesar de me esforçar e gostar. Ensaiava a semana inteira, ao espelho, para não me enganar.
Mas quando subia no palco, a cabeça latejando, o suor escorrendo, o rosto se avermelhando, pernas tremendo, caranguejo não é peixe, caranguejo peixe é, caranguejo só é peixe quando entra na maré, faltava -me o ar, olhava a plateia e a vergonha vencia a minha alegria. N'um só minuto tinha de cantar tal qual fosse a verdadeira artista. Um minuto apenas, que demorava uma eternidade.
O público, o tio, os apresentadores, o conjunto tocando, o som longínquo do mar, o céu azul a espreitar, os homens atirando aos pombos, aos pratos, ali do lado, tudo me dizia que tinha de cantar. E cantava. Porque morria de vergonha de desistir.
Ainda mais, de desiludir o tio, quase irmão mais velho.
E ganhava prémios de desencorajar. Pedra d' água. Café somil e outros que não sei mais o quê, sei só que metiam medo ao susto, que até esqueci o nome. A forma e o sabor. Coisa de adultos.
Naquele tempo, meu tempo no início, vida boa, tenra idade, ali tentei uma carreira, que ninguém encontrou, nem eu e se perdeu no esquecimento e desinteresse, entre domingos e afecto de tio amigo, encolher de ombros, outros interesses. Mas que me ficou na memória fazendo parte da minha história.
Naquele tempo, meu tempo no início, tenra idade, ao domingo, no Miramar eu me perdia pelas cantigas de encantar ou de arrepiar. Eu me encontrava, candengue feliz. No Cazumbi.
Eu queria ser cantora. Louca sonhadora...
Nem cantora, nem palco, nem Cazumbi . Já nem Miramar, sequer.
Tudo se perdeu no tempo. Nos dias que de tão longos, ficaram no esquecimento. Só eu e a minha memória, a imagem, para voltar à história.
2 comentários:
Ricas memórias que aí tem. O cinema Miramar era em Luanda? beijos
Já vi no Google imagens, que é em Luanda. kiss
Enviar um comentário