domingo, 2 de fevereiro de 2014

a saudade

Tenho saudade de tudo o que arrumei num cantinho da memória e faz parte da minha história.
Do pai e da mãe. Do avô também. E dos amores, amigos, que fiz e perdi, porque se foram, porque não os vivi. 
Do colo, do beijo e abraço, da voz, canção de embalar. Do porto seguro de mim, neles, que se passeiam na emoção, do espaço do meu coração. 
Tenho saudade do chão que pisei descalça. Da trança, sotaque e graça da minha idade primeira, pequena, menina guerreira, julgando que o mundo era seu...
Que o tempo não passa depressa, os amores não morrem não e o futuro não é bicho papão, que amedronta os nossos sonhos, mata-nos as esperanças e engole-nos a existência. 
Tenho saudades do giz e da voz amiga, professora, bata branca. E das manhãs para o liceu. Daquele tempo só meu. Teu, colega de escola, amiga nas horas vagas, de sobra, sábados e domingos, que lá vão. E a qualquer hora, como é, então?!
Das rosas do meu quintal, cor de chá, amarelas, brancas e raiadas, das manhãs prateadas, despertando a goiabeira, daquela vez primeira que subi o muro e caí, chorei e o braço parti...
Tenho saudades das tardes longas, douradas, das mornas, da voz crioula, serenata na noite quente, cantando às estrelas e à lua, a mim, musa encantada. A namorada...
E às cartas de amigo e de amor, cheirando a colónia e a encanto, despertando, o meu sorriso, o meu pranto, na saudade que conquistou. 
E da travessia da ponte, palmeiras esvoaçando, coqueiros espreitando o mar, que me recebia efusivo e me beijava, me abraçando, num encontro feliz.
Tenho saudades do tempo, depois do depois e de mim; de me reinventar pessoa, mesmo que a alma doa, no deserto, semear flores e transformá-lo em jardim. 
Sementes, seres no meu ventre, crescendo dentro de mim. Do choro e das fraldas brancas, do pó talco e da pele sedosa, eu, mãe amorosa, assustada, insegura. Das histórias de encantar, das gracinhas e do palrar. Do falar, do xi e do ninar. Crianças felizes. Ainda hoje...minhas amadas crias, os meus petizes.
Tenho saudades do que o espelho devolvia. Saúde, beleza, elegância e pureza. Certeza de que a vida corria e por mais voltas que desse, por mais que o céu escurecesse e ensombrasse o meu dia, eu sorria. E vivia...na verdade, num minuto, como se fosse a eternidade. 
E deitava-me e sonhava e o sonho acontecia. E acordava e suspirava, sacudia-me e a vida fluia.
Tenho saudades do tempo que foi meu, na terra que chamo minha. De tudo o que me enterneceu, aconteceu e influenciou. Quem me conheceu, me mimou e amou. 
E das viagens. Ao interior e exterior de mim. Surpresas, presentes, perfumes, lembranças, carinhos, marcas, tatuagens, símbolos, sonhos, músicas, estímulos, cidades, costumes. São encontros, mundos plantados, crescendo dentro de mim. 
Tenho saudades de tudo o que me fortaleceu. Da garra, coragem, persistência, teimosia e o que de bom me aconteceu.
Hoje, a minha saudade tem tamanho sem medida. É o tempo da minha vida. 
De qualidade...
É de mim, passageira que vai e volta e se passeia. Minha amiga, minha irmã, sem idade. 
É minha companheira, a saudade... 

m.c.s. ( ao dia 30 de janeiro - dia da saudade )

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