terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

não sei o que se passa

Ali, a uns escassos passos do sr. margarido e do seu veículo onde acontece de tudo, desde cheirar a pastéis de bacalhau, aos palavrões mais cabeludos ditos por boquinhas que deviam ser abençoadas, às marretas que quase atropelam quem tenta entrar à frente delas só para ocuparem o lugar da frente, ao cheiro a verniz que já tenho deixado por lá quando retoco uma ou outra unha porque é bom que se diga que odeio ser atendida por uma criatura com verniz até meio da unha, ufa, que desleixo minha senhora, quer um algodãozinho com acetona ou é mesmo desleixada a dar para o porquito? E por essas e mais outras é que lá calha uma pincelada na própria da minha unha também ela descascada e desleixada porque odiaria imaginar que alguém pensaria que eu estou pelas ruas da amargura e já não me cuido nem me deixo cuidar quando estendo a mão para receber um requerimento ou entrego um r.c. a outro alguém...bem, ali mesmo a chegar, por uma unha negra de alçar a perna eis que uma miúda me diz:
- O seu saco está roto...estão cair-lhe coisas.
Bolas! Que dia! Olhei e ia-me caindo o resto. Ele era o iogurte de meio quilo do Celeiro, sabor a limão, ele era um maço de lenços, agarrei no ar a caixa de Adalgur para as cruzes e praguejei muito baixinho, tão furiosamente calada que nem eu própria me fiz ouvir. O meu saquinho azul celeste, bonitinho, da Douglas que já transportou um belo e bem cheiroso aroma, agora transportando umas coisitas que me fariam falta para o dia a desfazer-se qual coração arrasado. Malvada chuva. Malfadada sorte a minha. Se não fosse a maria clara das dores, que sente vergonha e que se julga crescida muitas vezes, vezes demais, e teria batido os pés com força, no chão, arrepelado os cabelos, esticado a beiça, e chorado ruidosa e birrentamente. Em vez disso, olhei a miúda. Olhei o saco e olhei o chão. Olhei o sr. margarido que me acenou com a mão num gesto e meio sorriso de complacência. E já não tive olhos para mais. Apanhei o que tinha a apanhar e entrei no autocarro. Uma das marretas, a mais baixa ofereceu-me um saco plástico enorme com desenhos de lacinhos azuis. Fiz o transbordo. E posto isto que já foi demais, sorrateiramente assinei o bilhete e fui para o lugar do costume. O puto que estava ao meu lado olhou-me quando suspirei ruidosamente.
Não sei o que se passa mas dei comigo a pensar que ser pobre é pobre. E nesta idade não é pobre, é paupérrimo.
Não sei o que se passa mas falta-me a paciência para as coisas pequenas. E para as diferenças.
Não sei o que se passa mas ando cansada.
Se ao menos deixasse de chover...

5 comentários:

nuno medon disse...

olá! Isso acontece. Olhe, eu há alguns anos, tinha um pincher. A minha Mãe foi á caixa de correio, e a porta fechou-se. O cão e a minha mãe ficaram na rua. A minha mãe, não tinha chaves. Foi á mercearia da outra rua, e a minha Mãe pediu um saco plástico. Meteu o cão lá dentro do saco e foi até ao centro da cidade a pé, de chinelos ou com ténis que usa em casa, e foi p casa de uma amiga nossa. Acontece a todos, essas peripécias. beijos .

Zeca disse...

Gostei amiga. Gostei do post e da alusão ao verniz, há pequenas coisas que fazem toda a diferença e nos fazem crescer como pessoas. Cada dia que passa noto na amiga uma maior próximidade da senda da espiritualidade. No mundo conturbado em que vivemos, é lindo ver pessoas assim como a Maria Clara.
Zeca

Ana Maria disse...

ZECA. QUEM ÉS??? será que é o mesmo que eu penso???? ou será algum fingidor???? Olhe ZECA, dei a cara SFF.
Olhe já agora, isto não me foi encomendado!!! Sou sou amiga da dona deste Blog.

maria disse...

Amiga sei que andas cansada.
E que te falta a paciência e há cruzes que são pesadas e não precisas de as carregares.Já
a andas a tomar adalgur...
Beijinhos
E como dizes, estamos juntas. E como tbm gostas mto de dizer, p.q.p.

Maria Clara disse...

Não sei o que se passa, mas ando cansada.
Tive um colega que dizia constantemente que andava cansado de ver tanto sacana.
Felismente que há gente boa.
Eu, não sei viver longe de gente boa nem perto de gente má.
Um abraço a quem vier por bem.