segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

desaparecimento

Desde pequenina, que tive cães e gatos, no quintal. Em Angola. A primeira perda que sofri foi a morte de um cão. Dois, três, tantos...
Lá em casa ninguém prendia os cães às correntes. Eram livres.
Depois cá, tive o Quipiri, cão que trouxe de Moitas Venda, oferta de uma amiga e que por minha vez ofereci à caçula. Durou uma vida. Aí alguns 13 ou 14 anos.
E agora tenho a gata Pitanga.
Também tive papagaios, um até dizia, Vivó Benfica o que irritava quem não era do clube que até o queriam estrafugar. E tive galinhas do mato, às pintinhas, uma águia que não se chamava Vitória e que acabou morta, engasgada com funge que um empregado lá de casa lhe deu para comer, gansos que atravessavam a rua para irem ao colégio mesmo em frente e uma pata que ofereceram à caçula e que diariamente se deslocava cerca de trezentos metros para pôr os ovos numa serração próxima, e quando o Savimbi foi a Luanda e discursou perante uma multidão mais branca que negra, no estádio de S. Paulo, perto da minha casa, ela que devia ser do Savimbi festejou num charco dando pinotes ao som da alegria do desfile de simpatizantes do homem. Também tive galinhas, aquelas com ar estúpido e menor, que eu usava quando brincava aos professores, como se fossem alunos e lhes dava reguadas como via fazer à D. Zita e à menina Piedade lá no colégio. E uma chocadeira da qual nasciam pintos orfãos. Alguns com duas cabeças ou três patas, um horror da natureza que a meu ver era manipulada. E tive pombos, dos de anilha, por isso pombos-correio, que o pai soltava para irem às suas vidas...
E peixes. De tanque. Vermelhos e de outros. E de aquário também. Um cágado enorme, que era do avô e diziam que se lhe passasse por cima, uma roda da carrinha azul lá de casa, ainda assim, o cágado sobrevivia. E várias tartarugas. E um piriquito. O Chico...
Até há poucos anos atrás. Morreu de velho...
Pareço adorar animais. E ter uma boa relação com eles. E sim. Gosto. Cada vez mais. Porém não me livrei de ser mordida por estes animaizinhos amigos e inofensivos.
Fui mordida por um gato enorme e assustador, pertença duma amiga, que como aquele, tinha mais quatro ou cinco. Pisei-lhe os calos sem querer e ele não foi de modas, fincou-me os dentes no meu calcanhar que eu que estava em Marselha até vi a Torre Eiffel em Paris. A outra mordidela que apanhei, tinha apenas quatro anos.
O Sr. Fragoso era um homem negro que vivia no largo. Da Vila Alice. Ali onde eu cresci. Tinha uma casa muito bonita. Daquelas do tempo colonial. E tinha pelo menos dois filhos. A Fátima e o Quinito. E vários cães.
Não sei porque razão ali fui, pois era tão novita que devia estar ainda a brincar com bonecas. Mas fui e voltei para casa a chorar e com o vestido rasgado. Na companhia da Lisete, a amiga mais antiga que possuo.
Sempre que me lembro disto, lembro-me da família Fragoso. E do Quinito, o rapaz que me viu crescer e a quem eu ouvi declamar quadras rimadas e divertidas, que inventava, anos a fio. Que era estimado por toda a gente do Largo. Amigo dos irmãos mais velhos dos meus amigos. Irmão da Fátima Fragoso.
Durante anos, perguntei-me o que seria feito deste rapaz que nasceu e cresceu no largo Camilo Pessanha e que era estimado e estimava toda a gente. Ninguém sabia dizer.
Hoje, no chat do facebook, um amigo desse tempo, dos jogos de futebol, e dos ensaios do grupo musical, os Cunhas, e das visitas a casa do tio Augusto e do Kaquito, irmão da minha amiga Lisete, e dos contos e histórias e das quadras rimadas e bem humoradas disse-me:
O poeta do largo morreu...o Quinito!
E eu ainda não sei reagir a isso.
Voltou-me a infância. A Vila Alice. E o meu quintal. Os animais e a primeira mordidela que apanhei.
Afinal, os poetas também morrem. Mesmo aqueles que me povoaram a infância e me enfeitaram esses tempos, de beleza e ternura. De arte e fascínio.
E são responsáveis, também, pela infância feliz que carrego comigo.
Afinal, somos todos mortais...

2 comentários:

constancia disse...

É mesmo amiga, somos todos mortais, mas é-nos tão difícil aceitar a morte, principalmente qdo se trata de alguém que nos é ou nos foi, próximo.... gostei do teu texto, gostei mesmo.
Bjs.

nuno medon disse...

olá! ficamos sempre triste, quando morre alguém que conhecemos, tal e qual como a sua perda/ perdas...em relação aos animais. Galinha de mato não conheço. No Marco de Canaveses, tinhamos pombas ( ainda existem ), rolas, faizões, galinhas da Índia, galinhas e galos normais, pássaros, cães, muitos cães, coelhos... um verdadeiro jardim zoológico. Quando o meu avô ficou sem cães ( era caçador ), durante anos deixaram de existir animais. Os idosos ( meus avós ) morreram, e a minha madrinha/tia que é solteira e sem filhos, arranjou como companhia um pastor alemão. Actualmente, não vou tanto ao Marco, por causa do cão. O cão é bravo... uma vez fui visitar a minha madrinha, e não contava que o cão saltasse as grades...a minha salvação foi uma carrinha de caixa aberta, saltei para cima da carrinha..acho que o cão me tinha triturado. beijos