quarta-feira, 4 de abril de 2012

o metropolitano

foto tukayana.blogspot
Tenho de dizer aqui. O metro é deprimente. Basta ser um rastejante que se infiltra e refugia nos buracos húmidos e sem luz da terra, para não dar saúde nenhuma a ninguém, e ainda provocar em nós este instinto ruim e dissimulado de toupeira que surpreendentemente ora está aqui, para logo a seguir estar acolá, e ainda nos intervalos, ser visitado por um instinto predador que nada abona para a elevação espiritual. 
Às 11 da manhã de um dia de semana, o metro começa em Odivelas já meio completo. 
Não é confortável, o metro não pretende ser confortável, isto sou eu a alucinar, dizia que não é confortável haver bancos virados uns para os outros, pois que não havendo paisagem para distrair e disfarçar o tédio, jornal para ler, tudo é custo e a vida não está para gastos, ou companhia para conversar, temos de olhar uns para os outros a menos que fixemos um ponto e não nos afastemos dessa visão distante e ausente, ainda assim, correndo  o risco de estar um engraçadinho lá no final da nossa projecção do olhar que sorri obscenamente convencido que já estamos de quatro.
Para onde vão todas estas pessoas em dia de trabalho numa hora morta como é esta que antecede o almoço? Parece estúpido questionar-me se faço parte dessa gente que consegue sentar-se na estação inicial e que aos poucos vai entrando, no Senhor Roubado, na Quinta das Conchas ou no Lumiar e tomando lugar em pé e quando chega ao Campo Grande já está como sardinha enlatada. Se quero ir para o Cais do Sodré, mudo e conforme o momento, espero ou corro para a linha verde, a terrível linha verde que transporta todo o tipo de gente e mais aquela a que chamo de três ao prato, dado que é longa e vai parar na Alameda, Arroios,  Anjos, Intendente, Martim Moniz e ... enfim, não é o preconceito a falar, é a triste e escandalosa realidade que retrata nos rostos e nas vestes a vida que têm ou não têm e a que sou alheia dado que apesar de ser uma peça do jogo nada faço para que estas pessoas estejam sempre a perder, a cair, a sobreviver, mal,  desonesta e humilhantemente. Agonizantemente...
Olho à volta. É tudo cinzento e triste. Bem sei que esta semana parece que se uniu tudo, os elementos, quero dizer, para me tramar. Se assim foi, não me afecta porque não preciso do sol  do verão, para dar umas voltas, ver o mar, comer sushi, sentar na esplanada, beber uma frise de limão, saborear frutos vermelhos comprados no supermercado, apreciar pão de queijo e gozar a liberdade dos dias servidos de bandeja e que aproveito como criança devorando gelado.
Esta palidez da vida que encontro na velha linha verde, que podia ser a vermelha,  nos rostos fechados e baços, assusta-me e penso na reforma. Não! Mil vezes me nego. Ainda tenho forças para lutar contra essa impotência ou resignação que observo. À minha frente uma mulher feia e apática olha o vizinho do lado que acabou de se sentar. Olho-o também. Parece mais um dos que dorme por cima e por baixo de papelões e da desgraça, doença e indiferença, nas ruas chiques de Lisboa. Desmanchando a personagem, a mulher faz uma careta de enjoo quando o homem coça a cabeça com as unhas; este arranca sabe-se lá o quê do couro cabeludo e parece catar e matar piolhos de seguida. O meu estômago revolve-se. O batido acabado de beber chocalha nas minhas entranhas. Não me basta o velhote a roçar a minha perna com a sua, o cheiro a guardado que exala, a verruga nojenta de grande, e peluda, no nariz, eu que tenho a mania que sou esquisita e abomino estes encostos que não desejo e tenho de levar com a criatura vestida de amarelo que mais parece a Dona Pitanga, ela que me perdoe a comparação, fazendo a sua higiene diária, pois que depressa passa às orelhas, ao nariz e às unhas sem o menor constrangimento e ainda tenho mesmo em frente de mim a feia e baça mulher que no limite vai vomitar-me p'ra cima. 
Apelo à minha boa disposição. Ao encontro que terei dali a uns minutos com o mar e com a minha cria.  Ao dia que escolhemos passar num lugar que ambas amamos. Apelo ao MP4 que me devolve " don't panic " seguido de " save-me "  E estes truques devolvem-me o distanciamento necessário para olhar a mulher que me contempla cúmplice e ter um esgar que pretende ser um meio sorriso, um pálido, descomprometido e insignificante sorriso. Ela não entende. Agarra-se ao meu gesto e encolhendo os ombros, olha de esguelha o parceiro do lado, franze o nariz e tenta sorrir-me mas os seus lábios fazem a careta própria de mulheres que precocemente envelheceram e transformam um gesto espontâneo e simpático numa curva que acaba no queixo e  é desajudada pelo buço que mais parece um código de barras. Sem querer toco os meus lábios com os dedos da mão esquerda. Não. Ainda não estou nessa fase. Não aguentaria ver um código de barras na minha cara nem os meus lábios numa careta involuntária.
A velhice é uma cabra. E burra. E dá coices que nos deprimem. Como o metro.
Felismente, pára no Cais do Sodré. Os meus vizinhos saem. Eu espero calmamente.
Para onde vão todas estas pessoas em dia de trabalho, antes da hora que antecede o almoço?
Lisboa está de férias, tem muitos reformados, muitos desocupados, desempregados e até afortunados. E sobreviventes. Que nem eu.
Carrego o cartão e sigo para Cascais de comboio. Mais uma viagem, mais uma voltinha...

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