sexta-feira, 20 de abril de 2012

envelhecendo


- Diga?
- Um R.C.
- B.I. Qual a finalidade?
- Entregar na Câmara.O costume. Aguardam que o documento saia. Enquanto isso, ou se calam à espera ou falam ao telemóvel ou chamam a nossa atenção.
- Este tribunal sempre vai fechar? perguntou ela. 
Uma mulher nova. Cabelo loiro, rosto lavado, olhar sereno. 
- Acho que sim. É o que se diz. Está na lista.
. Que chatice. E os senhores, vão para onde?Olhei-a. Doi-me a cabeça. Os olhos. E até os nós dos dedos. Doi-me a barriga. os joelhos e os pulsos. Doi-me tudo. Vão para onde? Eu ia para casa, já. Não devia de lá ter saído. Mas o dinheiro perdido mais o que nos querem levar não está p'ra frescuras. Viroses. Não aparece na folha que a partir do dia 15 a gente pode ver na net. 
- Não sabemos. Respondi-lhe. Fala-se em Santarém. 
- Então os senhores vão deslocar-se para longe.
Sorri-lhe. Sorri para a constatação dela.  Para longe? Para longe irão os utentes de Ourém que ficam na extrema, já perto de Pombal, ou de Leiria, os de Minde, os de Fungalvaz, ou Pafarrão se tiverem que ir a Santarém. 
Para longe? O que é longe? 
- Eu quero ver se não vou. Já estou à espera da reforma.
- Já? mas a senhora ainda não tem idade...
- Tenho, tenho. 
- Não tem aspecto disso. Ainda é nova. Lá me lembro eu de novo do dr. Lizardo, advogado distinto de Torres Novas que no meu estágio já  era reformado e tive o prazer de homenagear no jantar de despedida, no restaurante Manuel Dias. Nesse dia percebi que no inverno não se  podia ( ? ) vestir calças vermelhas. Não era de bom tom. Chovia que Deus a dava. Entrara há pouco tempo para o estágio e era inverno. Chegara há pouco a Portugal e de onde vinha não havia regras para a cor da roupa. Eu não as tinha. Nessa noite, não fora ser novidade entre o grupo da família ( ?) judicial  e teria sido muito criticada por usar calças vermelhas ou encarnadas, como quiserem, em pleno inverno e noite de chuva, não fora haver poucas mulheres no grupo...
O dr. Lizardo dizia com certa graça quando lhe diziam que estava com bom aspecto que não se queixava do aspecto. Assim estou eu. Ainda não tenho idade, o tanas. Daqui a dias o tempo passou e eu sou uma sexagenária. Jesus Maria que eu achava que nunca envelhecia...que eu ainda hoje olho para gente da minha idade e acho-os a todos mais velhos e esqueço-me de olhar bem para as minhas rugas, para as minhas limitações, para a minha mortalidade. Ou não a encaro. Eu que me prezo de olhar nos olhos seja de quem for, de enfrentar seja o que for...
Sorri de novo. Vou fazer 57 anos não tarda muito, disse-lhe,  para que se convencesse que posso reformar-me já. - Ah, mas parece mais nova. Nem tem muitas rugas. Parece mais nova.
Hoje foi dia de lembrar-me de coisas que parece não eram para serem atiradas para o sítio das memórias, mas eram. Lembrei-me da Mira. A brasileira que gere o Tejo Bar que a propósito da reforma me disse no seu sotaque nordestino: Você ainda não está na idade de se aposentar, está? E depois de lhe dizer que sim e perguntar que idade achava que teria, me respondeu: Uns 57,  58? Eu sei que ela fez contas de cabeça, reforma aos 65, se ela me pergunta que idade eu acho que ela tem vou atirar com 57, 58, para lhe agradar. Quase aposto foi este o pensamento da Mira às 4 da manhã de domingo. Claro que se pudesse tinha-lhe torçido o pescoço.
Voltei a sorrir à mulher simpática, que tinha à minha frente. Entreguei-lhe o R.C. Desejou-me bom fim de semana e felicidades. Preciso. Preciso muito. Agradeci e retribui. E o meu dia continuou. Envelhecendo.

2 comentários:

Ana Paula disse...

mas sempre cada vez maiiiiii linda! é dos genes. Isto ou se nasce ou não se nasce... lololol

Maria Clara disse...

Lolololol! É dos genes minha irmã.
Ou se nasce...ou se nasce.
Beijinhos.
Bom fim de semana.