domingo, 1 de abril de 2012

diário de domingo de Ramos

foto tukayana.blogspot
É assim há alguns anos. Cá em casa. Desde que se viaja. Chamo o taxi. Desce-se as malas. Pelo túnel do grilo ou pela calçada de carriche, em dez minutos chegamos às partidas.
Gosto. Muito. Da movida dos aeroportos. Gosto de ir para a fila do check in, gosto de ver as meninas trabalhando. Quase todas bonitas. Gosto de ir beber um descafeinado ou mesmo tomar o pequeno almoço. Sento-me quase sempre no mesmo lugar. Gosto de os ver passar. Aos membros das tripulações. Há-as que conheço, uma grande parte. E pergunto-me porque não fiz eu como a Milú, Susete, Carolina, Salú, Mena?  Talvez saiba a resposta. Para além de não ter ficado em Angola como elas, tinha medo dos aviões. Achava que o avião onde fosse cairia na certa. Nunca deixei de viajar por o medo me dominar. Mas a última vez que tive medo, viajava a 25 de Abril e no início do mês deixara de dormir tendo dado como certo que seria a última vez, numa paranóia que não percebo como fui capaz de desenvolver tal pânico e ainda assim viajar de corda no pescoço conformada com a minha triste sorte e acalentando uma esperança mínima de poder safar-me do que dava como certo. Era preciso uma saúde dos diabos para tamanha auto-perseguição. Depois dessa viagem e com o meu regresso a Luanda após 33 anos, perdi todo e qualquer medo e foi aí que me arrependi de não ter sido assistente de bordo. Afinal, todas as miúdas de 15 anos quiseram ser hospedeiras, como dizíamos na época. Em suma, o que nós queríamos era ser giras, elegantes,ganhar bom dinheiro e viajar muito.
Cheguei então ao aeroporto e a movida a que assisti fez-me pensar que a crise é só mesmo para alguns e eu sou um desses alguns. Sim porque nem todos ali viajavam a trabalho. Famílias inteiras, com menores, férias da Páscoa está-se mesmo a ver.
Depois de um descafeinado, uma meia dúzia de palavras, uma ida à casa de banho,  chegou a hora do abraço. Aquele que é maior do que o universo e que não cabe no mundo nem em qualquer eternidade que possa existir. A lágrima chegou. E num vai com Deus, dei meia volta e saí que prolongar a dificuldade a que não me habituo é sofrer a dobrar. A última vez que fui àquele lugar fui alegremente abraçar a mesma pessoa e até brincamos, eu e a minha companhia,  escrevendo numa folha A4 - Filho pródigo - ali ao lado dos que têm as folhas com os nomes das criaturas que vão buscar, são sempre homens vestidos de fato preto e camisa branca, vai-se lá saber porquê e que nos olhavam intrigados. Gosto mais de chegadas. Só gosto de partidas quando sou eu a voar nas asas do pássaro máquina.
Desço as escadas rolantes para as chegadas. E saio para a rua. Opto por apanhar o 44. Uma achega que me foi dada antes de nos separarmos. Entrei e perguntei: Passa no Oriente? . Não minha senhora, é do outro lado que tem de apanhar o do Oriente. Este vai para o Marquês. - Serve na mesma, disse eu decidindo que ia até à baixa em vez de ir ver o rio pelo Oriente. O homem fez uma expressão que queria dizer - Idiota - com todas as letras. Como é que Oriente e Marquês podem servir igualmente? Deixei-o pensar o que quisesse. Não tenho que me explicar. Ter entrado naquele autocarro permitiu-me perceber que posso ir para casa de autocarro acabadinha de chegar de avião, à Portela.   Basta apanhar o 44 e sair em Entrecampos. Depois fazer o restante de metro. Fica bem mais barato. Mas, até dizem que em Junho já teremos metro à boca da manga...
Liguei o MP4. Coincidência das coincidências, Cults - you know what I mean...senti um soco no estômago. E chorei. Chorei sim. Na maior solidão. De mãe. Ser mãe é a melhor coisa do mundo mas a mais sofredora também. Ergo os olhos p'ra cima e peço a Deus tudo de bom...
Saio no Marquês. Decido fazer a avenida a pé. À minha frente um sem abrigo que de 20 em 20 metros pára em frente ao latão do lixo fixo na parede e vasculha o que por lá há. Agonia-me esse gesto. Como é possível haver gente que recorre ao lixo em busca de algo p'ra comer ou beber?! Estamos na Europa.
O Rossio àquela hora não tem ninguém e há quem durma em cima de papelões junto ao teatro Dona Maria. O Café Gelo já está aberto e a montra piscou-me o olho traquina e vistosa. Pães com chouriço, cangurus, bolas de carne, folares da páscoa, pães de queijo, e pão simples, desde o caseiro ao de sementes, passando pelas videirinhas e pães d'água. Lembrei-me da miúda a quem dei 10 euros no natal. A grávida. Se andasse por ali reconhecia-a. Subi a rua do Carmo. Os Armazéns do Chiado e o Santini ainda não estavam abertos. Estava no Chiado e queria ir à igreja. À Basílica dos Mártires. Uma mulher jovem, falando italiano e perdida de bêbada grita por outra que está lá em cima, junto da loja da Pipoca, a caminho do Largo do Carmo. A Brasileira abriu mas a esplanada está vazia, apenas o Fernando Pessoa a fazer-lhe companhia. Vou espiar a loja de produtos de cosmética dos holandeses ali mesmo ao lado da Haagen- Dazs. Tudo fechado.
Faço umas fotografias por ali. Não me apetece descer até ao rio. Na verdade o que me apetece é sentar-me na igreja. E depois voltar para casa. No 36. À porta da igreja três vendedores de ramos, porque hoje é Dia de Ramos, comemoração da chegada de Cristo a Israel.  Comprei um. Caro. Achei eu. Um euro. Entrei na Igreja...

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