segunda-feira, 30 de abril de 2012

fim de semana

foto tukayana.blogspot

Há destinos felizes.
E depois de voltar ao lugar da partida agradeço a Deus por isso.
Não. Não venho mais católica. Nem mais praticante. Nem mais beata.
Venho sim mais contente, mais tolerante. Com mais mundo.
Mas não foi fácil chegar à rodoviária e dar com um bando de gente, que conheço, mas que teve o seu auge nos anos 60. Apenas aí uma dúzia era da minha idade ou um pouco menos.
Quando me convidaram a passar dois dias fora de portas, para visitar aldeias típicas que não conhecia, julgava que eram professores e educadores de infância, que apesar de reformados ainda têm muito chão para chinelar e muito sonho para cumprir, como a Graça.
Mas quem me disse que uma criatura de 89 anos não tem sonhos? E não percorre alguns dos caminhos que eu, a Graça, a Ana, a Amélia, a Eduarda ou o Jorge percorremos com uma perna às costas?
A mulher mais velha deste grupo onde me inseri tem exactamente 89 anos e foi um exemplo. Mas eu, no início da viagem não o sabia. E precipitei-me. Acontece algumas vezes.
Ainda não tínhamos cumprido a primeira parte da viagem, que era a chegada a castelo branco e já eu, falando com os botões, me perguntava enfadada: maria clara, maria clara, o que estás aqui a fazer?! Metes-te em cada uma!
Ao meu lado, a Rosário. Uma mulher mais velha que eu. Conheço-a há muitos anos. Sempre do mesmo jeito. Bonita, discreta. Agradável e terna. Educada e sábia. 
Do outro lado, a Ana e a Amélia. À frente, a Eduarda e a Vina. E à frente delas, a Graça e o Jorge. A ideia de que eram pessoas da minha geração, com os mesmos interesses, confortou-me. A chegada a Castelo Branco, também. Terra agradável com um jardim lindo, o Jardim do Paço.
Não ia a Castelo Branco há alguns anos e foi simpático, como diz a Rosário. Depois rumamos a Alpedrinha, uma localidade igualmente simpática, para visitar o centro histórico. E aí mesmo, seguiu-se o almoço num sítio  tão simpático como a localidade e o centro histórico. A comida era cinco estrelas. A conversa animada e a disposição outra. A melhorar.
Ir para a Guarda entusiasmou-me por ser  uma terra de passagem, onde nunca entrara. Interessou-me visitá-la. Sentir-lhe o pulso. A zona nobre da cidade e o centro histórico. Onde os judeus se instalaram e permaneceram. Gostei muito. Gostei da Sé. Gostei do cafezinho debaixo das arcadas com as mantinhas nas costas das cadeiras da esplanada e da menina simpática que connosco conversou e me serviu, mais à Amélia, Rosário e Ana, chá e pastéis de nata, na falta de doçaria regional que íamos à procura.
O jantar foi no Centro Apostólico que fica isolado e fora da cidade onde pernoitamos. O frio intenso e o desconforto dum espaço que apenas alberga 6 pessoas; 3 freiras velhotas e três empregadas, notou-se na logística dos quartos, na falta de aquecimento nos mesmos, nos corredores e até na luz que por força  de tanto aquecedor ligado muito de repente, bem como a máquina de lavar a loiça,  fez estoirar com o quadro. 
De resto, tudo simpático. Uma lareira numa sala grande aqueceu-nos até à hora de nos deitarmos o que fiz por volta das dez. Nem estava a acreditar que os poemas duma alma de Deus que fora bancário no Totta, e que conheço há mais de 300 anos, na esperança de animar o serão de todos nós, me fez bocejar estúpida e antipaticamente a cada quadra ou o red fish assado no forno, adivinhado pela Amélia, num de caras, parece que era bruxa, que só podia ser red fish, com o puré de batata migada com o grafo, temperado com azeite, ou dos grelos cozidos e da salada por temperar, ou até do pudim flan ou o rosto de algumas reformadas há mais de 500 anos que se riam a bandeiras despregadas com as anedotas do Zé Luís que segundo percebi as repete a cada encontro destes. A criatura em questão, um  reformado bancário do Ultramarino, é minha conhecida há muitos anos, mas d'outros carnavais e a sua mulher não acabou a noite sem que mo lembrasse não fosse eu estar esquecida: Sabe?! o meu marido foi colega do seu sogro, muito ano, no banco. Acenei afirmativamente e ficamos por ali mesmo. Cruzo-me com o casal nas noites que vou andar os 7 kms mas foi no sábado que ela desenterrou o passado que eu tento enterrar e que teima em dar um ar da sua graça a cada encontro assim. Falar de sogros não é boa política. Não p'ra mim que nunca me finjo de morta nem enfio a cabeça na areia cobardemente. Mas pronto, a mulher do Zé Luís nada sabe de nada. A Deodata, professora da minha cria nos primeiros 4 anos escolares também não e abriu a boca espantada e só não lha fechei porque o fez com uma agilidade de estar muito habituada a notícias bombásticas ou em segunda mão fingidas que são a escandalosa surpresa do século. A Deodata sempre me pareceu boa pessoa. Pertence aos escuteiros. Vai à missa. Foi minha colega no ginásio. Tem um casamento que sólido e o mais importante de tudo, sempre admirou profundamente a minha cria. Seguiu-lhe os passos e sempre me abordou quando não o conseguiu acompanhar nas passadas rápidas que o caçula tem dado, a fim de não perder o fio à meada que interiorizou que é da sua lavra. Eu acho bem porque uma professora primária pode ser fundamental na nossa vida. Nesta viagem abordou-me também à semelhança de outras ocasiões: Então o David? Como é que ele está? O que é que está a fazer? Gostava tanto de ver os seus trabalhos...
E lá lhe disse que estava fora. Que iria fazer um trabalho p'ra Guimarães e que o apresentaria brevemente. Que já lá fora com outro projecto. Que felizmente o ano de 2012 tem sido bom e vi o seu rosto desenhar um sorriso sincero e os olhos brilharem num misto de alegria e orgulho como se me dissesse: O meu menino! 

Deu-me o seu contacto para que a informasse do próximo espetáculo em portugal, depois de lhe ter tecido enormes elogios.
A viagem já estava a valer por esta conversa com a Deodata, uma mulher bonita, mais jovem que eu, dois ou três anos, e que foi tocada pela personalidade da minha cria.
É curioso que neste grupo estavam pessoas com quem privei, com quem privo, com quem nunca privei mas conheço de sempre e com quem nunca privarei senão excepcionalmente. Esteve também uma educadora do infantário onde as minhas duas crias andaram desde bebés até aos três anos.  E outras.  Até o motorista, um homem bonito e novo, que já conheço do TUT e  há uns tempos atrás, telefonou ao colega do autocarro para Alcanena para que esperasse por mim pois vinha atrasado e sabia que eu ia para Alcanena, me chamou para que me aquecesse na lareira quando saí da sala de refeições. Está com frio, disse. Vá ali para junto do fogo. E eu fui e sentei-me mesmo junto ao calor da lenha que ardia em noite de primavera como se fosse inverno. 
Quando decidi ir para o meu quarto já não me perguntei o que estava ali a fazer.
Sabia que estava a fazer a coisa certa. Para me sentir bem. E mais uma vez me lembrei da Rosário que adjectiva de simpático tudo o que apesar de não ser uma vida cara pode ser uma vida boa.

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