foto tukayana.blogspot
Desci no fim do viaduto. Euromilhões por meter. Estrada para percorrer.
Sem pressa, resolvo fazer a avenida até ao quiosque da Fernanda, desprezando o do jardim.
O castelo está uma beleza. De novo. À semelhança dos outros dois anos passados. Engalanado, espera ansiosamente o início de Maio para cumprir a função.
A feira medieval que tanto orgulha a população; eu mesma fico numa vaidade, de fazer parte desta cidade nesses dias, e sobretudo, envaidece o alcaide. É vê-lo inchado que nem um pavão por entre a multidão. Isso é verdade, ele gosta de andar no meio do povão, porque afinal ele vem do povo. Espeta-figos, a alcunha desde os tempos da escola, só pode ser alguém que é de casa. Da casa. Deste burgo que se enfeita para receber a festa do ano, já que não haverá festas da cidade, em Julho. Por causa da ajuda que a câmara dará às festas da Benção do Gado, de Riachos, terra onde vive a caçula. A tal que tem um cortejo que leva o Senhor Jesus do altar da igreja de Santiago em Torres Novas para Riachos. E cujo ponto alto é o cortejo do Senhor transportado em carro de bois. Depois há animação para o povo, com os artistas que levam balúrdios. Mas festa que é festa tem de ter pelo menos um cabeça de cartaz sonante. E esta também não foge a essa importância.
Portanto, não havendo Festas da Cidade, desde que me lembro delas começarem e foi há tantos anos...nunca houve interregno, não virão os doutores de Coimbra cantar fado da mesma, no barco de sempre, rio abaixo que mais fica parado do que navega nas águas despoluídas do Almonda. Já não haverá fogo de artifício pouco depois das 11,30 do último dia de festa, houve um ano que coincidiu com o meu aniversário. Nem haverá tasquinhas com a miga à pescador ou os petiscos da paróquia, ou o pão com chouriço da Antónia. Nem artesanato. Nem a ginja servida nas chávenas minúsculas de chocolate. Nem a praça 5 de Outubro se encherá de miúdos que vêm de Lisboa onde estudam ou já trabalham, para se divertirem nos bares, ou nas discotecas da cidade. E que se vão juntar aos que são destas terras mais próximos, tipo, Golegã, Entroncamento, Riachos, Abrantes, Tomar, Alcanena para beberem copos. Nem as bandas da região se exibirão. Nem veremos actuar pelo menos um cantor de peso ou uma banda de renome nacional.
Prossigo a minha caminhada, mas faço umas fotos ao castelo. Acho que sou uma sortuda porque vivo num lugar que tem um rio bem no centro da cidade e um castelo paredes meias com o rio e connosco. Porque será então que quis sempre fugir deste lugar? Estou cansada de perguntar e a resposta nem sempre é a desejada. Houve um tempo que parecia que queria fugir de mim e parecia que por isso queria fugir também desta terra. Hoje já não é isso. Já me enfrentei. Já me estripei. Já me perdi e encontrei. Mas mesmo assim quero partir.
Há momentos que acho nunca vou ser feliz. Vou querer sempre estar onde não estou. Será? Um dia vou saber.
Hoje, o que quero mesmo é comprar o euromilhões. Páro em frente ao quiosque. A Fernanda está de costas. Meto-me com ela.
- Tá boa Fernanda? Não me pareceu que estivesse. Sorriu numa careta que não se preocupou em disfarçar.
- Olá d. Clara. Como é que vai isso?
Decididamente hoje não é dia. Não insisto.
- Vai bem. Não tenho hábito de me lamuriar com quem só pergunta por mim por educação e delicadeza. Estou sempre bem mesmo que esteja a sangrar por dentro. Estou a aprender que nem com quem me é chegado me devo queixar. Há quem não acredite, mas não quero preocupar ninguém que esta vida já tem preocupações que cheguem.
Vi umas cautelas no balcão e li - Dia Mundial da Dança. E nem pensei duas vezes. Pode ser que seja desta. Vamos a comprar, maria clara. Quem sabe? E logo ali pedi um boletim do euromilhões de 2 euros e a dita cautela. Vamos ver se enriqueço. Era giro. Até me apetece dizer que, era bué da bom. Caraca!
Não perdi muito tempo no quiosque pois que a Fernanda não está para amar. Quando à despedida me desejou um bom feriado e muitos cravos, consegui arrancar-lhe um sorriso porque acrescentei : Agora ? Só cravos encravados.
- Encravados estamos nós, diz uma senhora que chegara entretanto. Trabalhar sem receber ordenado é um encravanço daqueles. Eu sou uma dessas.
E percebi que bem perto de mim há gente pior que a Fernanda ou eu. Eu sei que sim, claro, porque não ando a ver passar os comboios, mas bater de frente com quem não recebe o ordenado faz-me sentir muito feliz porque afinal o meu ordenadinho ainda lá cai. Este mês tombou na minha conta depois de toda aquela roubalheira com que não me conformo, mas tombou.
Afinal, somos uns conformados, mas fazer o quê? Não sei disparar nem tenho licença de uso e porte de arma de caça nem tão pouco carta de caçador...de almas, como eles.
Continuo o meu caminho. Sentados na esplanada nova em frente à escola Maria Lamas, um grupo de miúdos falando animadamente e uma senhora que conheço há muitos anos mas não via há muito tempo.
Veio de Angola e lá, trabalhou num estabelecimento prisional no sul do país. Habituei-me a vê-la porque visitava o tribunal de Torres Novas imensas vezes para obter a requisição para o médico dos serviços sociais do ministério da justiça, isto quando pertencíamos a este sistema de saúde. Tinha uma característica curiosa mas muito pouco agradável, para ela, andava como se tivesse calos nos dedos dos pés que até doíam a quem simplesmente olhava p'ra ela. Sorriu-me e cumprimentou. E eu retribui.
Chego a casa. O silêncio de sempre. Não toquei à campainha. Abri a porta como sempre, dando à chave. A Pitanga surgiu de imediato a afiar as unhas no tapete da entrada. Espero um pouco e depois agarro nela. Fecho a porta. Estou finalmente em casa.
Sem pressa, resolvo fazer a avenida até ao quiosque da Fernanda, desprezando o do jardim.
O castelo está uma beleza. De novo. À semelhança dos outros dois anos passados. Engalanado, espera ansiosamente o início de Maio para cumprir a função.
A feira medieval que tanto orgulha a população; eu mesma fico numa vaidade, de fazer parte desta cidade nesses dias, e sobretudo, envaidece o alcaide. É vê-lo inchado que nem um pavão por entre a multidão. Isso é verdade, ele gosta de andar no meio do povão, porque afinal ele vem do povo. Espeta-figos, a alcunha desde os tempos da escola, só pode ser alguém que é de casa. Da casa. Deste burgo que se enfeita para receber a festa do ano, já que não haverá festas da cidade, em Julho. Por causa da ajuda que a câmara dará às festas da Benção do Gado, de Riachos, terra onde vive a caçula. A tal que tem um cortejo que leva o Senhor Jesus do altar da igreja de Santiago em Torres Novas para Riachos. E cujo ponto alto é o cortejo do Senhor transportado em carro de bois. Depois há animação para o povo, com os artistas que levam balúrdios. Mas festa que é festa tem de ter pelo menos um cabeça de cartaz sonante. E esta também não foge a essa importância.
Portanto, não havendo Festas da Cidade, desde que me lembro delas começarem e foi há tantos anos...nunca houve interregno, não virão os doutores de Coimbra cantar fado da mesma, no barco de sempre, rio abaixo que mais fica parado do que navega nas águas despoluídas do Almonda. Já não haverá fogo de artifício pouco depois das 11,30 do último dia de festa, houve um ano que coincidiu com o meu aniversário. Nem haverá tasquinhas com a miga à pescador ou os petiscos da paróquia, ou o pão com chouriço da Antónia. Nem artesanato. Nem a ginja servida nas chávenas minúsculas de chocolate. Nem a praça 5 de Outubro se encherá de miúdos que vêm de Lisboa onde estudam ou já trabalham, para se divertirem nos bares, ou nas discotecas da cidade. E que se vão juntar aos que são destas terras mais próximos, tipo, Golegã, Entroncamento, Riachos, Abrantes, Tomar, Alcanena para beberem copos. Nem as bandas da região se exibirão. Nem veremos actuar pelo menos um cantor de peso ou uma banda de renome nacional.
Prossigo a minha caminhada, mas faço umas fotos ao castelo. Acho que sou uma sortuda porque vivo num lugar que tem um rio bem no centro da cidade e um castelo paredes meias com o rio e connosco. Porque será então que quis sempre fugir deste lugar? Estou cansada de perguntar e a resposta nem sempre é a desejada. Houve um tempo que parecia que queria fugir de mim e parecia que por isso queria fugir também desta terra. Hoje já não é isso. Já me enfrentei. Já me estripei. Já me perdi e encontrei. Mas mesmo assim quero partir.
Há momentos que acho nunca vou ser feliz. Vou querer sempre estar onde não estou. Será? Um dia vou saber.
Hoje, o que quero mesmo é comprar o euromilhões. Páro em frente ao quiosque. A Fernanda está de costas. Meto-me com ela.
- Tá boa Fernanda? Não me pareceu que estivesse. Sorriu numa careta que não se preocupou em disfarçar.
- Olá d. Clara. Como é que vai isso?
Decididamente hoje não é dia. Não insisto.
- Vai bem. Não tenho hábito de me lamuriar com quem só pergunta por mim por educação e delicadeza. Estou sempre bem mesmo que esteja a sangrar por dentro. Estou a aprender que nem com quem me é chegado me devo queixar. Há quem não acredite, mas não quero preocupar ninguém que esta vida já tem preocupações que cheguem.
Vi umas cautelas no balcão e li - Dia Mundial da Dança. E nem pensei duas vezes. Pode ser que seja desta. Vamos a comprar, maria clara. Quem sabe? E logo ali pedi um boletim do euromilhões de 2 euros e a dita cautela. Vamos ver se enriqueço. Era giro. Até me apetece dizer que, era bué da bom. Caraca!
Não perdi muito tempo no quiosque pois que a Fernanda não está para amar. Quando à despedida me desejou um bom feriado e muitos cravos, consegui arrancar-lhe um sorriso porque acrescentei : Agora ? Só cravos encravados.
- Encravados estamos nós, diz uma senhora que chegara entretanto. Trabalhar sem receber ordenado é um encravanço daqueles. Eu sou uma dessas.
E percebi que bem perto de mim há gente pior que a Fernanda ou eu. Eu sei que sim, claro, porque não ando a ver passar os comboios, mas bater de frente com quem não recebe o ordenado faz-me sentir muito feliz porque afinal o meu ordenadinho ainda lá cai. Este mês tombou na minha conta depois de toda aquela roubalheira com que não me conformo, mas tombou.
Afinal, somos uns conformados, mas fazer o quê? Não sei disparar nem tenho licença de uso e porte de arma de caça nem tão pouco carta de caçador...de almas, como eles.
Continuo o meu caminho. Sentados na esplanada nova em frente à escola Maria Lamas, um grupo de miúdos falando animadamente e uma senhora que conheço há muitos anos mas não via há muito tempo.
Veio de Angola e lá, trabalhou num estabelecimento prisional no sul do país. Habituei-me a vê-la porque visitava o tribunal de Torres Novas imensas vezes para obter a requisição para o médico dos serviços sociais do ministério da justiça, isto quando pertencíamos a este sistema de saúde. Tinha uma característica curiosa mas muito pouco agradável, para ela, andava como se tivesse calos nos dedos dos pés que até doíam a quem simplesmente olhava p'ra ela. Sorriu-me e cumprimentou. E eu retribui.
Chego a casa. O silêncio de sempre. Não toquei à campainha. Abri a porta como sempre, dando à chave. A Pitanga surgiu de imediato a afiar as unhas no tapete da entrada. Espero um pouco e depois agarro nela. Fecho a porta. Estou finalmente em casa.
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