dormir ou não, eis a questão

Acordo cedo. Cada vez acordo mais cedo. E deito-me mais tarde. Diz que é mesmo assim. Da idade. Os malefícios da idade.
Não me apetece dar razão. A bocas da reacção. Existem só para criarem temor. O papão da idade. Às vezes oiço-os e apetece-me encostá-los à parede. Mandar dar uma volta ao bilhar grande que é como quem diz, mandá-los calarem-se, estudarem e esquecerem que velhos são os trapos. Provar-lhes por dois mais dois que acham pode ser mais que quatro, que podem ser velhos mas não parvos que se intimidem, que os sigam ou que se atemorizem. Mas há. Há criaturas que tomam como lei apreciações que nascem sabe-se lá de onde, diz que de estudos, das estatísticas, ora que metam as estatísticas num sítio que eu cá sei. Cada vez faço mais orelhas moucas ( será velhice ? ) às bocas que oiço à minha volta pelos fatalistas, aqueles mensageiros de más notícias que vibram de prazer só de vislumbrarem alguma inquietação nos alvos da  sua grande pretensão de saberem tudo. Mais que nós. A maior parte das vezes, gente nova a armar ao pingarelho, esquecendo as insónias que gente novíssima tem. Que gente de todas as idades sofre, por vezes durante toda a sua existência.
Há gente muito metida a besta. Pequenos enviados do diabo na necessidade de dominar gente, assustá-los, tê-los na mão. E como carneiros há os que gostam de se encaixar nas estatísticas desses idiotas, que nem rebanho.
Muito se fala na terceira idade, que afinal está já encostadinha a mim. Um dia destes dou por isso num, aaaaaaaaaaah já cá cantas! E agora? Faço o quê contigo? Não faço porque na terceira idade faz-se pouco. Não há como. Não há o quê, nem porquê. Eu vejo-os e sem mensageiros do demónio a torná-los iguais, todos iguais.
Credo! Xiça penico! Estou eu também a tabelar uma faixa etária?
Enfim, acordo cada vez mais cedo. Acho que por ser verão. Por estar mais relaxadinha em gozo de férias e não ser obrigada a obedecer ao toque do despertar que sempre me irritou e ao qual, sempre me apeteceu desobedecer, só porque sim.
Porque o dia entra pelo quarto dentro. Porque tenho tempo e se acaso me apetecer, durmo em sestas que antes detestava e que agora me sabem pela vida, se bem que me deixem um pouco à deriva no tempo e no lugar, até que fique de novo com as cinco oitavas no lugar. Já o meu pai dormia sestas que iam da uma e meia da tarde até às três quando reabria a sua loja, isto no tempo dos tambarinos, quando o sô Santos era jovem. Lá está...
Já os espanhóis o fazem ainda hoje se bem que se fala em acabarem com isso. Na verdade, acabam com tudo o que é bom.
Bem, não quero encontrar justificações para não dar razão aos iluminados que dizem que os velhos não precisam de dormir tanto. Ou que dormem muito menos.
Velho é a avozinha dessa gentalha. Eu ( ainda ) nem sou avô.
Isto tudo porque mais uma vez, acordei pelo meu próprio querer, não de insónia, mas porque afinal não sou muito amiga de cama. Acho um desperdício. Tanta coisa boa para viver e mergulho nos lençóis numa inconsciência de mais de sete horas? Não. Cada vez mais defendo a ideia de que deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer e também que quem muito dorme pouco aprende. Mas não direi que desta água não beberei. Quem sabe um dia destes estou a fazer jus a quem diz que adora dormir? Já vi de tudo e até porcos voarem…