O tempo aqueceu. Só a Pitanga me faria ficar lá em cima na zona alta da
cidade. A comida como sempre. As latas de atum laminado com gambas. Essa gata é
uma marquesa e não há forma de reverter isso. Ela despreza qualquer outra
comida que lhe ponha e prefere passar fome. Mas é a minha companhia. Para a
vida…
Agora que já estou em casa, já atendi o senhor da Meo que finalmente veio pôr a minha televisão a funcionar, fiz a minha salada para o jantar e estou a ouvir as notícias, não tenho como achar piada à reportagem que a SIC amanhã porá no ar e que tem a ver com famílias que vivem sozinhas, em Portugal. Famílias que apenas são de uma só pessoa. E não tenho como achar piada porque eu faço parte dessas 800 e tal mil pessoas que vivem sozinhas. Francamente, esta realidade caiu como uma bomba na minha pele, nas minhas vísceras, na minha cabeça e no meu coração.
Hoje, 8 de Agosto, parece caricato estar a pensar nestas coisas que me deixam inquieta.
E só porque hoje, 8 de Agosto de há 31 anos atrás casei e jurei que seria até que a morte me separasse. Não houve morte. Nem quebrei a jura.
Hoje, 8 de Agosto, afinal estou sozinha, fazendo parte da estatística. Assusta-me. Não que o casamento tivesse ido para o brejo, já não, o que me assusta é a possibilidade de não saber continuar a viver sozinha. Se falha alguma coisa. Se me incapacito. Se dou em doida…
Estava de volta da prateleira da comida dos animais quando um sorriso amarelo bailou à minha frente. Um homem mais alto que eu, mais velho, poucos anos, com um olhar um pouco mortiço, sorri e pára à minha frente. Sorrio-lhe também. Parece doente. Era um galã. Ele e o amigo. Esse, uma antiga e forte paixão minha numa época áurea. Eram os homens mais charmosos de torres novas. Andavam juntos muitas vezes. Vieram juntos de Angola, da tropa. Altos, para aí um metro e oitenta, bonitos, irradiando charme por todos os poros. As raparigas gostavam deles. Eles gostavam das raparigas e mostravam-no. Este depressa se casou e fez filhas atrás de filhas. O outro, a minha paixão, ainda hoje é solteiro se bem que com uma relação há muitos anos. Partiram muitos corações. Fizeram trinta por uma linha. Torres Novas conhecia-os e conhece-os. Eu raramente os vejo. À minha antiga paixão e ao seu amigo. Este homem que aqui está à minha frente, muito abatido. Feito um velho. Olá estás boas Clara?
- Oláaaa há tanto tempo que não te vejo.
- Eu vejo-te quase todos os dias, digo-te adeus mas tu não olhas.
-Onde?
- A subires o viaduto.
Não evitei sorrir. Muita gente quando desce de carro o viaduto me vê a subi-lo. Às vezes buzinam e eu olho e faço adeus.
A ele via-o a correr que nem um louco por essa torres novas fora, pois sempre teve a mania do desporto. Vendeu-me o último carro que ajudei a pagar e foi meu. E em determinada altura passei a olhá-lo atravessado pois não se portou nada bem com a sua família. E passou a ter outra. A culpada disso era minha colega de ginásio. Muito mais nova que ele. Estávamos nós a falar quando ela apareceu. – É a minha mulher.
Eu só conheço a outra. Eu só quero conhecer a outra. Fiz um sinal com a cabeça. – Conhecem-se? perguntou – respondi – eu conheço. Fomos colegas no ginásio há muitos anos atrás.
- Tem boa memória diz ela. Mal sabe ela que não foi pelos lindos olhos ou pelo corpinho de top model. Sorri. Ele disse-lhe: Conhecemo-nos há muitos anos. Há muitos anos.
Desejei-lhe a ele uma boa tarde e tudo de bom e fiz uma espécie de careta à mulher.
Não sei, mas não costumo gostar das segundas mulheres, aquelas que se metem pelos olhos dentro deles e provocam ruturas em famílias estruturadas.
Saí do hipermercado e fui para a paragem do TUT. Depois liguei ao meu irmão a saber se estava na cidade. Ofereceu-se para me ir buscar. Tinha imenso peso, como sempre. Estava muito calor e o TUT não aparecia.
Estou no sofá de perna esticada a ver televisão. E no computador. Rica vida. Direi eu. Porém é 8 de Agosto e se me perguntarem se valeu a pena, respondo o que respondi à Ana quando me deixou no Modelo.
Não valeu o gosto para o desgosto. Mas tiveste os teus filhos…disse.
Pois. Não tinha estes, tinha outros, ou não tinha…que sei eu!
Um ex namorado, se calhar, O ex namorado, aquele com quem um dia sonhei casar de vermelho na igreja da Nazaré em Luanda, disse-me há 4 anos atrás:
Enquanto te lembrares disso não estarás curada.
E eu acho que são tretas. Não há doença nem cura. Não há lembrar nem esquecer. Há sim pessoas que nos fazem tão mal, tão mal que é impossível esquecermos. Sobretudo em dias como o de hoje em que se não existissem o nosso futuro poderia ser outro, sendo que aquilo que a gente não conhece é muito mais interessante do que o que a gente conhece e vive.
Agora que já estou em casa, já atendi o senhor da Meo que finalmente veio pôr a minha televisão a funcionar, fiz a minha salada para o jantar e estou a ouvir as notícias, não tenho como achar piada à reportagem que a SIC amanhã porá no ar e que tem a ver com famílias que vivem sozinhas, em Portugal. Famílias que apenas são de uma só pessoa. E não tenho como achar piada porque eu faço parte dessas 800 e tal mil pessoas que vivem sozinhas. Francamente, esta realidade caiu como uma bomba na minha pele, nas minhas vísceras, na minha cabeça e no meu coração.
Hoje, 8 de Agosto, parece caricato estar a pensar nestas coisas que me deixam inquieta.
E só porque hoje, 8 de Agosto de há 31 anos atrás casei e jurei que seria até que a morte me separasse. Não houve morte. Nem quebrei a jura.
Hoje, 8 de Agosto, afinal estou sozinha, fazendo parte da estatística. Assusta-me. Não que o casamento tivesse ido para o brejo, já não, o que me assusta é a possibilidade de não saber continuar a viver sozinha. Se falha alguma coisa. Se me incapacito. Se dou em doida…
Estava de volta da prateleira da comida dos animais quando um sorriso amarelo bailou à minha frente. Um homem mais alto que eu, mais velho, poucos anos, com um olhar um pouco mortiço, sorri e pára à minha frente. Sorrio-lhe também. Parece doente. Era um galã. Ele e o amigo. Esse, uma antiga e forte paixão minha numa época áurea. Eram os homens mais charmosos de torres novas. Andavam juntos muitas vezes. Vieram juntos de Angola, da tropa. Altos, para aí um metro e oitenta, bonitos, irradiando charme por todos os poros. As raparigas gostavam deles. Eles gostavam das raparigas e mostravam-no. Este depressa se casou e fez filhas atrás de filhas. O outro, a minha paixão, ainda hoje é solteiro se bem que com uma relação há muitos anos. Partiram muitos corações. Fizeram trinta por uma linha. Torres Novas conhecia-os e conhece-os. Eu raramente os vejo. À minha antiga paixão e ao seu amigo. Este homem que aqui está à minha frente, muito abatido. Feito um velho. Olá estás boas Clara?
- Oláaaa há tanto tempo que não te vejo.
- Eu vejo-te quase todos os dias, digo-te adeus mas tu não olhas.
-Onde?
- A subires o viaduto.
Não evitei sorrir. Muita gente quando desce de carro o viaduto me vê a subi-lo. Às vezes buzinam e eu olho e faço adeus.
A ele via-o a correr que nem um louco por essa torres novas fora, pois sempre teve a mania do desporto. Vendeu-me o último carro que ajudei a pagar e foi meu. E em determinada altura passei a olhá-lo atravessado pois não se portou nada bem com a sua família. E passou a ter outra. A culpada disso era minha colega de ginásio. Muito mais nova que ele. Estávamos nós a falar quando ela apareceu. – É a minha mulher.
Eu só conheço a outra. Eu só quero conhecer a outra. Fiz um sinal com a cabeça. – Conhecem-se? perguntou – respondi – eu conheço. Fomos colegas no ginásio há muitos anos atrás.
- Tem boa memória diz ela. Mal sabe ela que não foi pelos lindos olhos ou pelo corpinho de top model. Sorri. Ele disse-lhe: Conhecemo-nos há muitos anos. Há muitos anos.
Desejei-lhe a ele uma boa tarde e tudo de bom e fiz uma espécie de careta à mulher.
Não sei, mas não costumo gostar das segundas mulheres, aquelas que se metem pelos olhos dentro deles e provocam ruturas em famílias estruturadas.
Saí do hipermercado e fui para a paragem do TUT. Depois liguei ao meu irmão a saber se estava na cidade. Ofereceu-se para me ir buscar. Tinha imenso peso, como sempre. Estava muito calor e o TUT não aparecia.
Estou no sofá de perna esticada a ver televisão. E no computador. Rica vida. Direi eu. Porém é 8 de Agosto e se me perguntarem se valeu a pena, respondo o que respondi à Ana quando me deixou no Modelo.
Não valeu o gosto para o desgosto. Mas tiveste os teus filhos…disse.
Pois. Não tinha estes, tinha outros, ou não tinha…que sei eu!
Um ex namorado, se calhar, O ex namorado, aquele com quem um dia sonhei casar de vermelho na igreja da Nazaré em Luanda, disse-me há 4 anos atrás:
Enquanto te lembrares disso não estarás curada.
E eu acho que são tretas. Não há doença nem cura. Não há lembrar nem esquecer. Há sim pessoas que nos fazem tão mal, tão mal que é impossível esquecermos. Sobretudo em dias como o de hoje em que se não existissem o nosso futuro poderia ser outro, sendo que aquilo que a gente não conhece é muito mais interessante do que o que a gente conhece e vive.
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