quinta-feira, 2 de agosto de 2012

esplanadas do martim moniz

foto tukayana.blogspot

- Queres ir almoçar às esplanadas do Martim Moniz?
- Claro. 
Pus-me a caminho. É sempre o mesmo. A pé até ao metro. Linha amarela. Chego ao Campo Grande, mudo, e vou até ao Martim Moniz, precisamente. Entre gente que vai para a praia, desocupados, carteiristas e turistas, há de tudo, até aqueles que não consigo perceber o que estão a fazer no metro por não serem legíveis. Esta linha é manhosa. Passa e serve os Anjos e o Intendente.  E também por isso, há no metro, os que vão à procura do prazer e vivem do negócio dele, seja sexo, seja droga. Temos também os indianos e afins, sim porque a gente vê uma criatura morena, olhos bonitos e escuros, cabelo negro e escorrido, elegante e enigmático, tipo a minha cria, que já foi confundida com um qualquer natural da India,  logo à nascença, e basta que faça uns dias de praia e a pele escureça, zás, fica tal e qual,  e corremo-los a indianos quando podem ser de qualquer outro país. Paquistaneses por exemplo. 
Em tempos, quando ainda sonhava países de sonho vivido como experiência para a vida e enriquecimento espiritual, ambicionava ir à India. Ai que horror, diziam-me. Caem como tordos morrendo nas ruas. Que miséria! Eu não vou de férias p’ra ver pobreza. Acho, sem querer melindrar ninguém, até porque cada um vive como quer e pode, que conhecer a India não é ir às compras a Paris ou a Londres, estar num spa de hotel duma estância balnear, mas é, tem de ser, muito mais enriquecedor, e depois, fascinam-me culturas que adivinho dos livros e da observação à distância, e me são estranhas e superiores. E as fotografias? Só de pensar na possibilidade de fotografar a India já fico entusiasmada com a ideia de ter dinheiro que é o que me falta, pois que até sozinha ia. 
Enquanto faço o percurso até ao Campo Grande abro o livro que me tem acompanhado nos últimos dias – o Retorno. A escritora Dulce Maria Cardoso vale muito a pena. Escreve daquele jeito que a gente está a ler e diz – é mesmo isto. Ou – fantástico, inteligente, perspicaz….
Estou a poucas folhas do fim. E já estou cheia de pena que termine. Quando um livro me provoca isto, nunca mais o leio. Para não estragar as sensações que me provoca. Aliás, raramente repito a leitura. Mesmo quando não o percebo. Ponho-o de lado e penso sempre , ficas aqui a aguardar melhores dias, o defeito pode ser meu. Mas vai ficando, vai ficando, dá lugar a outros, porque livros por ler é o que não me faltam e esqueço. Um dia…e fica na lista do depois, um dia. Sinto raiva deste meu jeito de ser. É p'rámanhã… como a canção do Variações. Se fosse a cumprir, os meus amanhãs precisavam não de 24 horas cada dia, mas do dobro, triplo, eu sei lá…
As estações até ao Campo Grande passam depressa. São 3 ou 4. Quaisquer 10 a 13 minutos chegam. Saio e espero o metro que vai para Cais do Sodré. Chega logo. Sento-me e faço contas de cabeça com o euromilhões. 175 milhões de euros, ouvi dizer. Jesus Maria! Já dava para ir à India e às compras a Paris e a Londres, e…Aiuê, mamã uêee, Luanda me aguardandoêeeeeee!
Como os livros por ler, repetir leitura e compreender, a India e as compras em Paris e Londres, que estão no cais de embarque, para um dia, também o euromilhões está na calha…Um dia sai. Pareço idiota, mas não, quer dizer, digo eu que não. Eu acho, com toda a convicção, que um dia há um prémio chorudo que me está reservado. E por isso jogo. Não quero lembrar-me do meu pai que sempre acreditou que um dia…lá está, remetia p’ra depois, mas remetia, nunca perdendo a capacidade de acreditar. Afinal, nunca viajou p'ra destinos dos seus sonhos nem tão pouco ganhou a tal choruda lotaria ou totoloto. Somos ambos Caranguejo, somos do mesmo sangue, faz sentido. O que não faz sentido é não conseguir. Por isso, como a história não se repete, a caminho de Martim Moniz, faço contas a tanto dinheiro. Não sou capaz, dizem-me. Tanto dinheiro! Ou, o que é que eu fazia a tanto dinheiro? 
Olha, olha, não sou capaz! O que é que eu fazia! O qué qu'eu fazia? Olhem que eu sou pouco materialista e preguiçosa até p'ra pensar , mas, o que é que eu fazia?...
 Como é cedo para o meu encontro, saio no Rossio. Há um certo preconceito nesta zona da cidade, paredes meias com o coração da mesma. Julgo que por causa dos estrangeiros asiáticos e também dos africanos que têm o seu negócio que ocupa toda a Almirante Reis e desce até à Praça da Figueira. Muita venda de tudo. Calçado, relógios, óculos, roupa e coisas que não queria nem dadas. Muita gente coçando o rabo pelas paredes e bancos. Como antigamente no Rossio, no tempo em que os retornados faziam do lugar, sala de visitas para encontros de afetos e manhosos também. Muitos negócios de diamantes e liamba foram feitos nesse espaço da cidade! Enfim…ainda hoje os putos são aliciados por outros de origem duvidosa, a gente nunca sabe de onde são e quem são, à compra de coca; numa mão a dita noutra os óculos para venda, que já não enganam ninguém. Fico possessa quando vejo esta provocação, este incitamento, esta tentativa  de desviar adolescentes para caminhos que vão prejudicar os seus percursos. Apetece-me ir-me a eles à cachaporra, como se diz no Ribatejo. A polícia nada faz. Nunca os vejo na baixa. Nunca os vejo a pé, tentando afugentar vadios, tentando que haja respeito. E por falar nisso, sinto um arrepio e não está frio no metro, apesar de termos ar condicionado, graças a Deus que não acabaram também com isto. As escadas rolantes não funcionam mas ar fresco continua a ser ventilado. O arrepio vem da lembrança do sangue frio misturados com instinto de sobrevivência a que fui sujeita na noite de terça-feira. Quer dizer, já quarta, pois eram duas da manhã e acabara de sair da esplanada da TimeOut, uma das esplanadas novas, da avenida da Liberdade, a mais próxima da Loja do Cidadão e desse lado, precisamente. Combinara jantar com uma amiga, por ali. Eles têm uma tábua de queijos e enchidos muito agradável e umas broinhas de milho tão boas quanto o resto, vinho a copo, imperial e limonada feita com limas. E para além disso, é a esplanada da TimeOut e só por isso, é suficiente para que vá e goste de estar. Há sempre gente que conheço e música ao vivo. Nesse fim de tarde, houve música brasileira, da boa, cantada e tocada por brasileiros de primeiras águas.   Jantar puxa conversa, conversa puxa  noite, e a noite vai por aí fora. Quando demos por ela já o metro não funcionava. Do lado do Hard Rock Café há uma praça de taxis e por isso sentimo-nos seguras. Apenas atravessamos a avenida, ficamos na outra esplanada da frente e temos os taxis. Mas, há uns mânfios ( sei agora ) que mesmo nas barbas dos taxistas atacam quem solicita os serviços destes. Ora nós, fomos o alvo destas criaturas a cerca de metro e meio do primeiro táxi. Nestas coisas não sou distraída, sou até bem desconfiada e percebi de imediato o que o ladrãozinho de meia tigela queria de mim, sobretudo de mim, pois ignorou a minha amiga. E quando ela me diz: O que é que uma pessoa faz nesta situação?  Saltei o passeio para a rua e em segundos vi-me em frente ao taxista e apenas lhe disse – quero entrar no táxi. Entrei pelo lado dele e a minha amiga dirigiu-se rapidamente para o segundo táxi. O dito cujo larápio ficou a olhar e temi que entrasse no carro e me roubasse ali mesmo. As minhas frequentes conversas com taxistas permitem-me saber muita coisa que se passa e até desabafos destes e acabei sabendo que o indivíduo que não tinha ainda 30 anos pertence a uma raça que em Portugal existe a dar com o pau  e que é descriminada,( não por mim que até desconfio que parte da minha origem é por aí ), e quase todas as noites ronda a zona tentando tramar quem passa e até taxistas. De polícia... nada. Nem a sombra deles.
Cheguei ao Rossio e saí. Tinha tempo, apesar de já não ser cedo p’ra almoçar. Desde que as esplanadas ali estão ainda não me fizera presente, mas arrependi-me. Às vezes a gente não sabe onde jantar ou petiscar, e ali estão muitas esplanadas com pratos engraçados, gastronomia de vários países, cada esplanada com os seus pratos típicos, esplanadas de bebidas, de doces e gelados, enfim, muito bom. A minha cara. 
Claro que fui ter à de comida angolana. Tinha de ser. E acabei à espera da minha companhia, ao balcão, conversando com as meninas, a Fausta e a Cremilde e sabendo tudo quanto acontece ali, como funciona, e a  que horas vale a pena ir. O funge de amendoim ia sair dali a uma hora mas não dava para comermos porque a minha companhia trabalha ( Lisboa não está só de férias ) e fez um intervalo para almoçar comigo. Tenho o número do telefone p’ra encomendar quando quiser e recebi um elogio que me encantou. Marketing? Não. Muangolê não tem dessas coisas.
Se gosta diz, se não gosta, diz também. Quando a minha companhia chegou recebeu um elogio igual. Fazia sentido. Somos, dizem, cópia uma da outra.
Acabámos a comer na esplanada de comida típica da América do Sul. Pratos muito agradáveis, leves e saudáveis. Comme il faut. Creme frio de abacate, para entrada. E ceviches de pescada depois. E por fim causa peruana de polvo.Tudo a acompanhar com chá verde, com gengibre e lima, bem gelado. Tudo muito bom. Tenho dificuldade em perceber pessoas que dizem que não gostam da gastronomia internacional. Sem sequer provarem. Renegando tudo o que não é gastronomia portuguesa.  Tenho uma teoria acerca de quem vai por aí adiante gostando de experimentar novos sabores, novos costumes e fica até fã. É minha e vale o que vale. Mas encaixo-me nesse tipo de gente que quer mundo e gosta de ter mundo.
A praia foi o passo seguinte. O banho de mar também. Água fria, aquela do Tamariz, mas eu gosto mesmo assim. Participar não é a mesma coisa que assistir. Por isso estou de férias e atiro-me de cabeça nas pequenas coisas que estão na minha mão e à mão de semear. Dão frutos com certeza. Esterilidade é uma forma de estar que me deprime e isola e eu quero mais é ser mais eu. Prenhe de alegria e felicidade. À minha medida e sem atropelos.   

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