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- Queres ir almoçar às esplanadas do Martim Moniz?
- Claro.
Pus-me a caminho. É sempre o mesmo. A pé até ao metro. Linha amarela. Chego ao
Campo Grande, mudo, e vou até ao Martim Moniz, precisamente. Entre gente que
vai para a praia, desocupados, carteiristas e turistas, há de tudo, até aqueles
que não consigo perceber o que estão a fazer no metro por não serem legíveis.
Esta linha é manhosa. Passa e serve os Anjos e o Intendente. E também por isso, há no metro, os que vão à
procura do prazer e vivem do negócio dele, seja sexo, seja droga. Temos também
os indianos e afins, sim porque a gente vê uma criatura morena, olhos bonitos e
escuros, cabelo negro e escorrido, elegante e enigmático, tipo a minha cria,
que já foi confundida com um qualquer natural da India, logo à nascença, e basta que faça uns dias de
praia e a pele escureça, zás, fica tal e qual, e corremo-los a indianos quando podem ser de
qualquer outro país. Paquistaneses por exemplo.
Em tempos, quando ainda sonhava países de sonho vivido como experiência para a
vida e enriquecimento espiritual, ambicionava ir à India. Ai que horror,
diziam-me. Caem como tordos morrendo nas ruas. Que miséria! Eu não vou de
férias p’ra ver pobreza. Acho, sem querer melindrar ninguém, até porque cada um
vive como quer e pode, que conhecer a India não é ir às compras a Paris ou a
Londres, estar num spa de hotel duma estância balnear, mas é, tem de ser, muito
mais enriquecedor, e depois, fascinam-me culturas que adivinho dos livros e da
observação à distância, e me são estranhas e superiores. E as fotografias? Só
de pensar na possibilidade de fotografar a India já fico entusiasmada com a
ideia de ter dinheiro que é o que me falta, pois que até sozinha ia.
Enquanto faço o percurso até ao Campo Grande abro o livro que me tem
acompanhado nos últimos dias – o Retorno. A escritora Dulce Maria Cardoso vale
muito a pena. Escreve daquele jeito que a gente está a ler e diz – é mesmo
isto. Ou – fantástico, inteligente, perspicaz….
Estou a poucas folhas do fim. E já estou cheia de pena que termine. Quando um
livro me provoca isto, nunca mais o leio. Para não estragar as sensações que me
provoca. Aliás, raramente repito a leitura. Mesmo quando não o percebo. Ponho-o
de lado e penso sempre , ficas aqui a aguardar melhores dias, o defeito pode
ser meu. Mas vai ficando, vai ficando, dá lugar a outros, porque livros por ler
é o que não me faltam e esqueço. Um dia…e fica na lista do depois, um dia.
Sinto raiva deste meu jeito de ser. É p'rámanhã… como a canção do Variações.
Se fosse a cumprir, os meus amanhãs precisavam não de 24 horas cada dia, mas do
dobro, triplo, eu sei lá…
As estações até ao Campo Grande passam depressa. São 3 ou 4. Quaisquer 10 a 13
minutos chegam. Saio e espero o metro que vai para Cais do Sodré. Chega logo.
Sento-me e faço contas de cabeça com o euromilhões. 175 milhões de euros, ouvi
dizer. Jesus Maria! Já dava para ir à India e às compras a Paris e a Londres, e…Aiuê, mamã uêee, Luanda me aguardandoêeeeeee!
Como os livros por ler, repetir leitura e compreender, a India e as compras em
Paris e Londres, que estão no cais de embarque, para um dia, também o euromilhões está na
calha…Um dia sai. Pareço idiota, mas não, quer dizer, digo eu que não. Eu acho,
com toda a convicção, que um dia há um prémio chorudo que me está reservado. E
por isso jogo. Não quero lembrar-me do meu pai que sempre acreditou que um dia…lá
está, remetia p’ra depois, mas remetia, nunca perdendo a capacidade de
acreditar. Afinal, nunca viajou p'ra destinos dos seus sonhos nem tão pouco
ganhou a tal choruda lotaria ou totoloto. Somos ambos Caranguejo, somos do
mesmo sangue, faz sentido. O que não faz sentido é não conseguir. Por isso, como
a história não se repete, a caminho de Martim Moniz, faço contas a tanto
dinheiro. Não sou capaz, dizem-me. Tanto dinheiro! Ou, o que é que eu fazia a
tanto dinheiro?
Olha, olha, não sou capaz! O que é que eu fazia! O qué qu'eu fazia? Olhem
que eu sou pouco materialista e preguiçosa até p'ra pensar , mas, o que é que
eu fazia?...
Como é cedo para o meu encontro, saio no
Rossio. Há um certo preconceito nesta zona da cidade, paredes meias com o
coração da mesma. Julgo que por causa dos estrangeiros asiáticos e também dos
africanos que têm o seu negócio que ocupa toda a Almirante Reis e desce até à
Praça da Figueira. Muita venda de tudo. Calçado, relógios, óculos, roupa e
coisas que não queria nem dadas. Muita gente coçando o rabo pelas paredes e
bancos. Como antigamente no Rossio, no tempo em que os retornados faziam do
lugar, sala de visitas para encontros de afetos e manhosos também. Muitos
negócios de diamantes e liamba foram feitos nesse espaço da cidade! Enfim…ainda
hoje os putos são aliciados por outros de origem duvidosa, a gente nunca sabe
de onde são e quem são, à compra de coca; numa mão a dita noutra os óculos para
venda, que já não enganam ninguém. Fico possessa quando vejo esta provocação,
este incitamento, esta tentativa de desviar
adolescentes para caminhos que vão prejudicar os seus percursos. Apetece-me
ir-me a eles à cachaporra, como se diz no Ribatejo. A polícia nada faz. Nunca
os vejo na baixa. Nunca os vejo a pé, tentando afugentar vadios, tentando que
haja respeito. E por falar nisso, sinto um arrepio e não está frio no metro,
apesar de termos ar condicionado, graças a Deus que não acabaram também com
isto. As escadas rolantes não funcionam mas ar fresco continua a ser ventilado.
O arrepio vem da lembrança do sangue frio misturados com instinto de
sobrevivência a que fui sujeita na noite de terça-feira. Quer dizer, já quarta,
pois eram duas da manhã e acabara de sair da esplanada da TimeOut, uma das esplanadas novas, da avenida da Liberdade, a mais próxima da Loja do Cidadão e desse
lado, precisamente. Combinara jantar com uma amiga, por ali. Eles têm uma tábua
de queijos e enchidos muito agradável e umas broinhas de milho tão
boas quanto o resto, vinho a copo, imperial e limonada feita com limas. E para
além disso, é a esplanada da TimeOut e só por isso, é suficiente para que vá e
goste de estar. Há sempre gente que conheço e música ao vivo. Nesse fim de
tarde, houve música brasileira, da boa, cantada e tocada por brasileiros de
primeiras águas. Jantar puxa conversa, conversa puxa noite, e a noite vai por aí fora. Quando demos
por ela já o metro não funcionava. Do lado do Hard Rock Café há uma praça de
taxis e por isso sentimo-nos seguras. Apenas atravessamos a avenida, ficamos na
outra esplanada da frente e temos os taxis. Mas, há uns mânfios ( sei agora )
que mesmo nas barbas dos taxistas atacam quem solicita os serviços destes. Ora nós,
fomos o alvo destas criaturas a cerca de metro e meio do primeiro táxi. Nestas
coisas não sou distraída, sou até bem desconfiada e percebi de imediato o que o
ladrãozinho de meia tigela queria de mim, sobretudo de mim, pois ignorou a
minha amiga. E quando ela me diz: O que é que uma pessoa faz nesta situação? Saltei o passeio para a rua e em segundos
vi-me em frente ao taxista e apenas lhe disse – quero entrar no táxi. Entrei
pelo lado dele e a minha amiga dirigiu-se rapidamente para o segundo táxi. O
dito cujo larápio ficou a olhar e temi que entrasse no carro e me roubasse ali
mesmo. As minhas frequentes conversas com taxistas permitem-me saber muita
coisa que se passa e até desabafos destes e acabei sabendo que o indivíduo que
não tinha ainda 30 anos pertence a uma raça que em Portugal existe a dar com o
pau e que é descriminada,( não por mim
que até desconfio que parte da minha origem é por aí ), e quase todas as noites
ronda a zona tentando tramar quem passa e até taxistas. De polícia... nada. Nem a sombra deles.
Cheguei ao Rossio e saí. Tinha tempo, apesar de já não ser cedo p’ra almoçar. Desde
que as esplanadas ali estão ainda não me fizera presente, mas arrependi-me. Às vezes
a gente não sabe onde jantar ou petiscar, e ali estão muitas esplanadas com
pratos engraçados, gastronomia de vários países, cada esplanada com os seus
pratos típicos, esplanadas de bebidas, de doces e gelados, enfim, muito bom. A
minha cara.
Claro que fui ter à de comida angolana. Tinha de ser. E acabei à espera da
minha companhia, ao balcão, conversando com as meninas, a Fausta e a Cremilde e
sabendo tudo quanto acontece ali, como funciona, e a que horas vale a pena ir. O funge de amendoim
ia sair dali a uma hora mas não dava para comermos porque a minha companhia
trabalha ( Lisboa não está só de férias ) e fez um intervalo para almoçar comigo. Tenho o número do telefone p’ra
encomendar quando quiser e recebi um elogio que me encantou. Marketing? Não.
Muangolê não tem dessas coisas.
Se gosta diz, se não gosta, diz também. Quando a minha companhia chegou recebeu
um elogio igual. Fazia sentido. Somos, dizem, cópia uma da outra.
Acabámos a comer na esplanada de comida típica da América do Sul. Pratos muito
agradáveis, leves e saudáveis. Comme il faut. Creme frio de abacate, para
entrada. E ceviches de pescada depois. E por fim causa peruana de polvo.Tudo a
acompanhar com chá verde, com gengibre e lima, bem gelado. Tudo muito bom. Tenho
dificuldade em perceber pessoas que dizem que não gostam da gastronomia
internacional. Sem sequer provarem. Renegando tudo o que não é gastronomia
portuguesa. Tenho uma teoria acerca de
quem vai por aí adiante gostando de experimentar novos sabores, novos costumes e
fica até fã. É minha e vale o que vale. Mas encaixo-me nesse tipo de gente que
quer mundo e gosta de ter mundo.
A praia foi o passo seguinte. O banho de mar também. Água fria, aquela do Tamariz,
mas eu gosto mesmo assim. Participar não é a mesma coisa que assistir. Por isso
estou de férias e atiro-me de cabeça nas pequenas coisas que estão na minha mão
e à mão de semear. Dão frutos com certeza. Esterilidade é uma forma de estar
que me deprime e isola e eu quero mais é ser mais eu. Prenhe de alegria e felicidade. À minha medida e
sem atropelos.
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