quinta-feira, 29 de setembro de 2011

divagações III




Desce a noite lentamente no dia absurdamente quente e hostil.
Queria estalar os dedos e num número de mágico transformar a noite que aí vem, num inesquecível entardecer de mim.
E não ter de lamentar o dia que finda nem a noite que nasce.
Se de noite todos os gatos são pardos, dispo então a minha pele e deixo-a à porta de casa. Na maçaneta que serve para o saco do pão, que pela manhã o padeiro ali vai pendurar.
Nem acendo as luzes, nem entro. Penduro-me na luminosidade dos candeeeiros de rua, a fim de ler nas estrelas que cintilam, lá longe, no firmamento, o que vai ser de mim, carne e sangue, liberta que estou desta pele rugosa e gasta, soma de muitos momentos. Noites e dias.
Esqueci os óculos e não consigo enxergar. Deixo p'ra lá...
Caminho nua de sinais e de ansiedades. De passados e de futuros.
Não sei qual o meu destino. Caminho ao acaso, sem guias nem mapas. Sem instinto. De sobrevivência...
Hoje se puder, quero ser igual a uma alma em crescimento que vive o presente. Sem vício de entardeceres de outros sois e outros mares. Sem avisos ou conselhos. Sem pancadinhas nas costas ou clichês.
Sem sonhos bordados a diamantes transformando pedras talhadas em assentos onde me sento às vezes, não têm conta quantas, para descansar e alucinar, colocados no caminho, para o efeito. E que quase nunca surtem efeito.
E se o travesseiro é bom conselheiro e a noite também, quero que ela não acabe já. Ela que se faça velha. Sem lembranças. Sem laços. Sem pontos cardeais. Faróis. Portos de abrigo. Assim como o povo diz, sem norte nem sul. Desmiolada...
Hoje quero ser uma solitária. Sonâmbula. Sem memória, na noite sem fim.
Sem nada...
Apenas noite. Apenas escura. Silenciosa. Pura...

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom, Maria Clara.
A.L.