A dona Maria José era mãe do Nuno e da Margarida. E proprietária da pastelaria mais conceituada de Torres Novas.
Na época em que frequentava esse lugar, éramos muitos os que nos sentávamos na esplanada, nas noites de primavera e início de verão. Depois cada família ia de férias e a pastelaria fechava por quinze dias, indo esta senhora para Sesimbra, terra e praia de que falava com muita saudade, no resto do ano.
Porque a filha Margarida era estudante de dança, tínhamos uma relação muito agradável e chegada. Como se percebéssemos muito desse tema. Os filhos colegas e amigos, uniam-nos. Juntando-nos muitas vezes nos mesmos locais para vermos peças da filha e também do meu filho. Para além das grandes conversas nas noites invernosas quando ia beber café depois do jantar e ela se aproximava para um dedo de conversa. Era uma pessoa bem informada e sabia de tudo o que se passava na terra. Porque se relacionava com muita gente.
A dona Maria José partiu há uns quatro anos, talvez. Ficou doente e quando eu soube já ela estava enterrada.
Na época andava eu a juntar cacos, a tentar equilíbrio mental e emocional, a fazer de tripas, coração, para seguir com a minha vida para a frente, porque ma tinham destroçado e a morte desta senhora acabou por ser um pouco diluída na importãncia que devia ter tido para mim. Mas eu não estava inteira, não tinha as cinco oitavas no lugar, o meu umbigo estava demasiado grande e era o centro do mundo, na minha própria desgraça. Se é que isso serve de desculpa. Não serve. E por isso de vez emquando penso nela. Desaparecida para sempre do meu círculo de amizades, pessoa afável, simpática, com quem partilhava um qualquer tipo de sentimento, se calhar, mesmo não sendo uma coisa muito chegada, permito-me chamar, amizade.
Esta manhã, acordei sobressaltada. Sonhara com a dona Maria José. O sonho, perturbante, por estar ao balcão e ela recusar-se a atender-me, ignorando-me, perturbou-me também quando acordei.
Perguntava-me eu porque diabo tinha sonhado com esta senhora, do nada, uma vez que não pensara nela, não falara nela nem nos que lhe eram próximos, tão pouco da pastelaria ou de torres novas, perguntara-me o que este sonho queria dizer, qual a mensagem a retirar, perguntara-me se alguém de torres teria morrido, quando o telefone tocou.
Era a minha amiga Manuela. E parecia o obituário.
Primeiro falou-me da Esmeralda, uma senhora com alguma idade, que fora minha vizinha do prédio da frente e sua empregada doméstica. Já me tinha dado essa notícia mas não se lembrava. Foi antes do Natal. Depois, de outra pessoa, a Paula, com quem em tempos privámos bastante por frequentar o nosso clube de nutrição. E por fim,
- Morreu a mulher do Jorge.
- Que Jorge, perguntei, já com o coração numa taquicardia incontrolável.
Esta foi a notícia. Que me abalou.
Qundo desliguei o telefone entrou uma mensagem da minha caçula, dando-me a notícia.
Abalou-me porque ao longo dos anos, desde o meu estágio no tribunal que dela tenho memória, no Notário. Era a Amélia. De olhos lindos, azuis ou verdes, conforme a cor do dia. De sorriso tímido e voz doce. Mulher do Jorge. Bancário e cantor de música ligeira e fado, poeta e radialista num tempo em que a rádio local começou e eu estava muito por dentro de todas essas lides e bastidores. Cunhada do Júlio, meu companheiro de camioneta a caminho de Alcanena.
Dia após dia nos cruzávamos no palácio de justiça. No café da frente, na loja, na rua, nas festas, nos festivais, nas sessões de fados, em casa de algumas pessoas, na pastelaria da dona Maria José...
Eu saí do edifício há 13 anos. Fui promovida e fui para Alcanena. Os meus fins de semana passava-os em Lisboa com os meus filhos. Depois, fiquei sozinha. Deixei de ir beber café á esplanada da dona Maria José. Deixei de fazer compras na mesma loja.
Deixei de me cruzar com ela. Soube que se tinha reformado e que estava dedicada a artes nobres como a pintura e o desenho. Fazia exposições.
Esta noite sonhei com a dona Maria José e não percebi porque tive um sonho com ela.
Não acredito em coincidencias. E Nem tudo o que parece, é.
Nada sei. Mas sei que fiquei chocada e triste. Com a partida da Amélia. Mulher ainda jovem, aparentemente saudável, bonita, com vida para viver muitos e bons anos.
Pessoa que comigo privou décadas e décadas. Desde 1976, data em que entrei para os tribunais como estagiária.
Há notícias que pagava para não serem verdade. Esta era um delas.
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