É tarde eu já vou indo, preciso ir embora, té manhã...
Cantam vozes que já foram crianças.
Já pisaram outro chão.
Já se sentaram nas carteiras d' um liceu que ficou no tempo esquecido, duma terra abandonada.
Duma adolescencia alegre e perturbadora, inquieta e livre, onde ficaram sonhos.
As brincadeiras, os corredores, as professoras, colegas, salas de aula, a cerca, as salas de canto coral, o bebedouro em frente á turma H, as filas da cantina e dos bolos, os tanques dos crocodilos, os sábados de matiné, as peças de teatro no anfiteatro, as missas na capela. O cheiro a aulas, amizade e futuro.
Onde moram memórias de tempos felizes.
Voltar ás lembranças, é recuar no tempo e ter o mesmo olhar, o mesmo sorriso, a mesma esperança e excitação pela vida.
Voltar ás lembranças, é abraçar pessoas que pisaram o mesmo chão, estudaram no mesmo liceu, tiveram os mesmos professores, aprenderam pelos mesmos livros, respiraram o mesmo ar. Cruzaram-se nos mesmos dias, nos mesmos anos. E viram as mesmas cores, pintaram o mesmo desenho, subiram ao mesmo espaldar e usaram as mesmas alcunhas. Disseram os mesmos poemas. Cantaram a mesma canção.
É tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, té manhã...
Quatro décadas depois. É possível. A canção, o coro, a emoção...
O fim d' uma governação colonial, a independencia de um país, o exodo de meio milhão de pessoas nascidas e a viver naquele lugar onde fomos crianças, estudantes, adolescentes, adultas, não foi suficiente para esquecermos um tempo e um lugar que marca as pessoas para sempre e para sempre também, lhes desenhou em traços largos e livres, a cheio, a personalidade e os afectos.
Ficou-me a canção que, mentalmente canto, porque viajo pelo passado e não quero perturbá-o.
Ficou-me a certeza de que tudo o que perdi é nada, comparado com o que ganhei.
Porque a minha vida tem sido feita de viagens, encontros, abraços e beijos. Reencontros. Regressos. E desejos sempre maiores de fortalecer os laços de afecto e ternura.
Porque a minha vida quanto mais vivo, mais rica é.
Sou feliz. E agora sei disso...
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